Benzema é, muito provavelmente, o jogador mais subvalorizado da última década. Ofuscado pelo sucesso de Cristiano Ronaldo no Real Madrid, o avançado francês só conseguiu conquistar um lugar de proeminência, de importância e de destaque a partir do momento em que o português rumou à Juventus. Esta época, com a saída de Sergio Ramos, a proeminência, a importância e o destaque de Benzema juntaram-se à braçadeira e trouxeram a liderança.

Com a conquista da Liga das Nações com a seleção francesa, há duas semanas, Benzema tornou-se o jogador francês com mais títulos conquistados na história e engordou uma temporada em que já leva 11 golos em 11 jogos. Ainda assim, o avançado de 33 anos é o primeiro a recordar os anos que passou na sombra de Ronaldo — e a lembrar que o facto de se ter adaptado a esse papel mais secundário é também uma prova de valor e profissionalismo.

“Conversámos durante muito tempo. Eu precisava e ele precisava”. Quase seis anos depois, Benzema está de volta à seleção francesa

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“Quando jogas com alguém que faz 50 ou golos por temporada, claro que jogas ao serviço da equipa mas também jogas ao serviço desse jogador, porque é alguém que marca muitos golos. Tive de me adaptar e adaptei”, explicou Benzema em entrevista à ESPN. Contudo, os números da explosão do francês no pós-Ronaldo são claros: entre 2009 e 2018, o avançado fez 192 golos e 88 assistências em 412 jogos; de 2018 para cá, leva 98 golos e 38 assistências em 158 jogos.

Na antecâmara da visita a Camp Nou, para disputar mais uma edição do Clássico espanhol contra o Barcelona, Benzema não escondeu a estranheza de disputar um confronto entre merengues e catalães sem Ronaldo, Messi ou até Sergio Ramos — algo que não acontecia desde 2004. Mas recordou: “Antes deles, também havia Zidane, Ronaldinho, Ronaldo ou Eto’o”. Este domingo, começava uma nova era. A era do Barcelona-Real Madrid sem extraterrestres.

O Barcelona recebia o Real Madrid num aparente processo de recuperação e depois de duas vitórias consecutivas, contra o Valencia e o Dínamo Kiev, que iam fazendo esquecer as derrotas com o Benfica e o Atl. Madrid. Na semana em que Ansu Fati renovou até 2027 e ficou com uma cláusula de rescisão de mil milhões de euros, Ronald Koeman lançava o jovem avançado no onze, acompanhado por Depay e Dest no ataque. Gavi, a nova estrela blaugrana, aparecia no meio-campo e tornava-se o estreante titular mais novo dos últimos 80 anos, enquanto que o banco contava com Agüero, Coutinho e De Jong e Pedri estava lesionado.

Do outro lado, o Real Madrid visitava o Barcelona vindo de uma goleada convincente na Liga dos Campeões, contra o Shakhtar Donetsk na Ucrânia, mas era preciso não esquecer que na última jornada da liga espanhola tinha perdido na Catalunha com o Espanyol. Carlo Ancelotti lançava Rodrygo e Vinícius a ladear Benzema no ataque, já que os dois brasileiros têm estado num franco momento positivo, e Kroos, Casemiro e Modric eram os donos de um meio-campo para lá de experiente. No banco, apareciam Hazard, Asensio, Camavinga, Valverde e ainda Dani Carvajal.

Na primeira parte, o Real Madrid adotou a estratégia de oferecer a iniciativa ao Barcelona e aplicou uma atitude muito pragmática. Os catalães tinham mais bola, jogavam quase sempre na primeira metade do meio-campo adversário e os merengues respondiam com transições rápidas e bem desenhadas. O jogo decorreu de forma muito encaixada durante a meia-hora inicial, com a equipa de Ronald Koeman a procurar sem grande sucesso o espaço nas costas dos laterais e a de Carlo Ancelotti a ter pouco acerto na chegada ao último certo, onde Vinícius, Benzema e Rodrygo iam falhando principalmente o passe decisivo ou o remate. A primeira oportunidade do encontro apareceu por intermédio de Dest, que atirou por cima na grande área depois de uma arrancada de Depay na esquerda (25′), e o Real Madrid respondeu com eficácia.

Num contra-ataque perfeito e capaz de integrar os manuais, David Alaba roubou a bola junto à área merengue, combinou com Vinícius, o brasileiro abriu em Rodrygo e este devolveu a Alaba, que entretanto já estava a aparecer descaído na esquerda em direção à baliza de Ter Stegen. O austríaco tinha Benzema desmarcado no lado contrário mas decidiu rematar em força, cruzado, e abriu o marcador (32′). Na estreia no Clássico, Alaba estreava-se a marcar pelo Real Madrid e abria a porta a uma nova era no futebol espanhol. Até ao intervalo, Piqué ainda teve uma grande ocasião para empatar, ao cabecear ao lado (35′), e o Barcelona foi tentando romper a organização defensiva adversária através da visão de Busquets, que ia sendo o elemento em destaque na construção ofensiva dos catalães. No fim da primeira parte, a equipa de Carlo Ancelotti estava a vencer pela margem mínima muito graças à forma cirúrgica como abordou a partida.

Na segunda parte e para ir atrás do resultado, Ronald Koeman tirou Mingueza — que passou a primeira parte em extrema dificuldade no confronto direto com Vinícius e ficou mal no lance do golo — e lançou Philippe Coutinho, com Dest a recuar para a posição de lateral direito. O Barcelona criou mais perigo nos cinco primeiros minutos do segundo tempo do que em toda a primeira parte, com Coutinho a rematar na área (48′) e Ansu Fati a forçar Courtois à primeira defesa (49′), mas não conseguiu empatar e não soube prolongar essa superioridade, permitindo ao Real Madrid se voltasse a equilibrar as dinâmicas. Os merengues continuavam a apostar nas transições rápidas, até porque era notório que os catalães criavam autênticas crateras na hora de defender, e ficaram perto de aumentar a vantagem com um remate de Benzema que Ter Stegen defendeu (62′).

Ancelotti só mexeu a 20 minutos do fim, com Valverde a entrar para o lugar de Rodrygo, e o Real Madrid ia conseguindo controlar o jogo de forma aparente, sem permitir oportunidades ao Barcelona e sem precisar de baixar as linhas por completo, estendendo os setores sempre que existia espaço. Benzema teve uma enorme ocasião para marcar em cima da linha de golo depois de um cruzamento de Mendy (73′) e Koeman continuou a procurar o empate com a entrada de Agüero, que substituiu Ansu Fati.

Já nos descontos, os merengues conseguiram mesmo aumentar a vantagem por intermédio de Lucas Vázquez, que finalizou mais um contra-ataque na sequência de uma enorme oportunidade de Piqué na baliza contrária (90+4′). Até ao fim, Agüero ainda teve tempo para fazer o primeiro golo com a camisola do Barcelona, ao finalizar na grande área depois de um cruzamento na direita (90+7′), mas já não foi suficiente.

O Real Madrid venceu o Barcelona muitos graças ao equilíbrio entre a organização defensiva e a eficácia ofensiva e somou a quarta vitória consecutiva no Clássico, algo que não acontecia desde os anos 70. Com este resultado, os merengues mantêm-se na liderança da liga espanhola, em igualdade pontual com o Sevilha e a Real Sociedad (sendo que estes últimos têm menos um jogo), enquanto que os catalães estão na oitava posição A era dos extraterrestres acabou em Espanha — mas a nova era já começou e escreve-se pela mão de David Alaba, que é crucial na defesa, crucial para desenvolver o ataque e até já é crucial na hora de fazer golos.