Ter-me-ia sido útil ler uma crítica sobre “Invasão” antes de ver “Invasão”. Assim não estaria à espera que “Invasão” fosse efetivamente uma invasão, coisa que pouquíssimas vezes é. Estão a acompanhar? Não? Então vou fazer por vocês aquilo que alguém devia ter feito por mim.
A sinopse da nova série da Apple TV+ diz o seguinte: “A Terra é visitada por uma espécie alienígena que ameaça a vida humana. Os eventos decorrem em tempo real através do olhar de cinco pessoas comuns, espalhadas pelo mundo, enquanto lutam no meio do caos ao seu redor”.
Estamos à espera de uma saga épica, de criaturas com três cabeças, olhos brilhantes e dialetos impercetíveis, certo? Estar, estamos, mas elas não aparecem nem no primeiro, nem no segundo, nem no terceiro episódio. Só nos últimos minutos do quinto episódio é que há um vislumbre do que é realmente a ameaça. Estamos a falar de metade da temporada (são dez partes no total) a saltitar de personagem em personagem, de continente em continente, sem chegar a grande conclusão.
Na verdade, os cinco primeiros episódios até podiam ter outro nome porque, se alguém apanhasse a história a meio, saber que estava perante a chegada de aliens à Terra ou qualquer outra catástrofe seria completamente indiferente. As personagens principais já têm vidas suficientemente complicadas, não precisavam de extraterrestres para encher chouriços — perdão, episódios.
[o trailer de “Invasion”:]
Sejamos justos: o primeiro capítulo de “Invasão” — já estão três na Apple TV+ e é disponibilizado um novo todas as sextas-feiras — é muito competente na função de aumentar a tensão e a expetativa. Apresenta-nos as personagens, dá-nos acontecimentos estranhos que anunciam o que está para vir. O pior é que há mais do mesmo no segundo episódio. E no terceiro. E por aí fora.
“Invasão” parece muitas vezes indecisa quanto ao tipo de série que quer ser. É um drama sobre as complexas relações humanas? É a luta pela sobrevivência que revela o pior e o melhor das pessoas? É ficção científica? É uma coisa híbrida entre os dois universos que se vai arrastar sem nexo ao estilo de “The Walking Dead”?
O foco é quase sempre a história dramática de cada um — mais uma vez, o facto de haver aliens ou não ao barulho é um mero detalhe. Em Londres, Casper (Billy Barrett) é um miúdo vítima de bullying. Depois de um acidente que o deixa isolado com os restantes colegas da turma, rapidamente o seu agressor quer mandar e, se piscarmos os olhos demasiado depressa, parece que mergulhamos no Senhor das Moscas, o livro de William Golding. Só que aqui não estamos numa ilha tropical e o espertalhão todo poderoso não tem uma concha que lhe dá estatuto.
No Afeganistão, Trevante (Shamier Anderson), um soldado norte-americano, perde todo o seu pelotão quando os senhores que chegam do espaço acham que o meio do deserto é um sítio porreiro para desembarcar ou atacar — não se percebe bem. John Bell Tyson (Sam Neill) é um xerife à beira da reforma numa terriola de Oklahoma (EUA) e um dos primeiros atacados. A sua relevância para a história? Talvez na segunda temporada, se ela existir, se entenda porque na primeira esquecemo-nos dele em três segundos.
Seguimos para o Japão. Mitsuki (Shioli Kutsuna) trabalha no programa espacial JASA e vive uma situação impossível ao separar-se de uma das astronautas que envia para o espaço e com quem tem uma relação secreta. Nos arredores de Nova Iorque, Aneesha (Golshifteh Farahani), que largou uma carreira promissora de médica para se dedicar aos dois filhos, descobre que o marido é um mentiroso que anda a traí-la com uma influencer local. Acham que esta mulher já não tinha problemas suficientes? Era preciso levar com os aliens? Ao menos estes podiam ter logo ajudado e despachado o marido, inútil e cobarde, uma figura pela qual é impossível sentir qualquer tipo de empatia. Só atrapalha a fuga de Aneesha, a melhor personagem (e atriz) da história.
O que é que todos têm em comum? Muito pouco. Os ataques são diferentes nos diversos pontos (crianças a sangrar do nariz, chuva de insetos, crateras gigantes abertas no chão como se tivessem sido causadas por bombardeamentos, etc). A parte interessante é o facto de ninguém saber de imediato do que se trata. A primeira reação é de que o que acontece em simultâneo é um ataque terrorista consertado — a dada altura a culpa também é atribuída aos russos. Toda a gente está longe de imaginar que os extraterrestres estão a chegar. Mas, depois, o projeto criado por Simon Kinberg (produtor de “Perdido em Marte” e realizador de “X-Men: Fénix Negra”) e David Weil (realizador e produtor de “Solos”) perde-se pelo caminho. Não vou descrever o aspeto das criaturas que atacam a humanidade — não quero estragar a surpresa que demora uns longos cinco episódios a chegar — mas não se percebe muito bem o que são e o que querem. Para já, só pretendem estraçalhar os humanos que lhes aparecem à frente.
A segunda metade da temporada é mais empolgante e consegue colocar-nos na pele destes protagonistas. No meio do caos e da luta pela sobrevivência, que tipo de pessoa seríamos? Altruístas ou egoístas? Heróis ou cobardes? Há uma coisa que “Invasão” faz bem: aqui ninguém é sempre uma coisa ou sempre a outra. E, numa situação em que a vida está em jogo, as decisões nem sempre são aquelas que imaginamos. De resto, a história é bastante frustrante. Se estes aliens forem espertos vão desistir disto e atacar outros dramas mais empolgantes e consistentes que andam por aí nos streamings ou nos canais de televisão. Fica a dica, amigos do espaço.