Afinal, apenas sete das 26 atletas afegãs refugiadas em Portugal faziam realmente parte da Seleção Nacional de Futebol Feminino júnior do Afeganistão. Uma investigação do programa “Sexta às 9” da RTP revelou que a jovem apresentada como a selecionadora da equipa, Farkunda Mutaj, não é sequer a verdadeira treinadora: essa chama-se Samia Amati e está noutro país europeu.

Farkunda Mutaj e outros membros da Federação Afegã de Futebol criaram a lista de pessoas, apresentada posteriormente ao Governo, que deviam ser resgatadas e acolhidas em Portugal. Todas as 26 raparigas descritas como futebolistas da seleção foram recebidas pela Federação Portuguesa de Futebol e treinaram no Sporting. A suposta selecionadora de futebol até foi recebida com honras de receção oficial no Benfica.

Mas, afinal, das raparigas mencionadas como atletas, a verdadeira treinadora da equipa só reconhece sete. Farkunda Mutaj, que está há um mês a viver num hotel Ritz em Lisboa e há quatro a trabalhar para a organização norte-americana que financia as operações de resgate, desvaloriza as irregularidades: “A maioria é da seleção, como eu disse”.

Jogavam futebol no Afeganistão, continuo a acreditar que são futebolistas. Claro que são, porque partilharam documentos”, prosseguiu a jovem de 23 anos em entrevista à RTP.

Mais: dos 210 refugiados que chegaram a Portugal esta terça-feira, apenas 50 são da lista prioritária nacional. As restantes 160 pessoas resgatadas no Afeganistão são familiares das supostas futebolistas e foram enviadas para Portugal por exigência da Delivery Fund, uma organização não-governamental norte-americana que trabalha para a USAID, a agência americana dedicada a prestar apoio civil externo liderada pela antiga embaixadora dos Estados Unidos à ONU, Samantha Power.

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De acordo com a RTP, o primeiro-ministro António Costa conversou diretamente com Samantha Power antes de autorizar a entrada destes 210 refugiados em Portugal. Mas numa entrevista dada ao mesmo canal de televisão a 16 de novembro, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, garantiu que não conhecia quaisquer irregularidades relacionadas com a Delivery Fund.

E chega mesmo a desvalorizar o caso: “Nem me parece que esta seja a hora, que haja… sempre esta lógica de tentar encontrar as maçãs podres numa cesta de maçãs, quando nós temos fome e temos de comer. Não me parece ser a lógica mais adequada”, disse o ministro, prometendo depois: “Se alguma questão vier a ser colocada, cá estaremos para analisar”.

O acolhimento das supostas futebolistas afegãs, que entraram em Portugal em setembro e que chegaram a treinar em Odivelas (entretanto já não o fazem porque mudaram de concelho), aconteceu numa altura em que, para trás, ficaram 50 pessoas que, por terem colaborado com as forças portuguesas no Afeganistão, teriam direito a encontrarem refúgio em Portugal, aponta a RTP.

Confrontada pela RTP, a Federação Portuguesa de Futebol explica que contactou a FIFA “no sentido de confirmar o registo desportivo das jogadoras”. Esta, por sua vez, tentou chegar à fala com a Federação Afegã mas, não tendo recebido resposta, ordenou aos portugueses que a inscrição das jovens devia ser feita “como se fosse a primeira”. A FIFA confirmou estes depoimentos e acrescentou que não esteve envolvida no processo de retirada das raparigas.