Um choque entre dois planetas completamente diferentes. Francisco Rodrigues dos Santos e Inês Sousa Real enfrentaram-se esta terça-feira e acabaram como começaram: a milhas de distância. Ao ponto de prometerem jamais pertencerem ou apoiarem um Governo de que um ou outro façam parte — isto apesar de nem um nem outro terem perspetivas exatamente animadoras para estas legislativas.

Seja como for, o duelo foi aceso do princípio ao fim. Começou a líder do PAN, apresentado de forma serena algumas das suas medidas para cumprir parte do plano de transição energética: acabar com as isenções fiscais às petrolíferas e aumentar a rede ferroviária, assegurando a ligação a todas as capitais de distrito.

Ora, Francisco Rodrigues, também na sua estreia em debates eleitorais, entrou em modo locomotiva e não perdeu um segundo: “A posição do PAN de não querer fazer um choque fiscal não é novidade. O PAN é um partido animalista radical que quer impor de forma ditatorial a sua forma de vida às pessoas e destruir o mundo rural”.

A partir daí, não mais pararam os ataques à visão que um e outro partido têm da sociedade e dos caminhos que o país deve seguir. Se Sousa Real defendia o fim das touradas, Rodrigues dos Santos contrapunha com os “periquitos”, os “peixinhos” ou “orquídeas na marquise” do PAN.

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“O PAN é um partido animalista radical que quer destruir o nosso modo de vida, que quer ser o juiz dos costumes alheios. Coloca as pessoas e os animais em pé de igualdade. Não são iguais. Não procure animalizar as pessoas e humanizar os animais. O PAN é um lobo em pele de cordeiro”, chegou a atirar Rodrigues dos Santos.

Às provocações do presidente do CDS, Inês Sousa Real ia repetindo, com natural ironia, que talvez fosse melhor não levar a sério as propostas do adversário, uma vez que dificilmente conseguiria manter representação parlamentar.

Rodrigues dos Santos não se ficava e metia, lá está, mais carne no assador. “O PAN quer acabar com a tauromaquia porque é um partido ditador.” Antes e depois, o democrata-cristão ia sugerindo que o modo de vida defendido pelo PAN colocaria em risco largos setores da sociedade, bem como a saúde das pessoas e do ambiente.

“Vocês colocam os direitos dos animais à frente dos direitos das pessoas. Se estudasse, saberia que a produção animal é maioritariamente extensiva. Do ponto de vista dos sistemas de carbono são positivos porque baseiam-se em pastagens. Por absurdo, se deixássemos de importar carne a pegada ecológica seria muito maior”, insiste, sugerindo ainda que as alternativas alimentares — como a soja — “são responsáveis pela destruição de florestas tropicais.”

Num debate também marcado pelos atropelos constantes de Rodrigues dos Santos, com Inês Sousa Real a pedir várias vezes para que o adversário não a interrompesse, houve algo em que os dois estiveram de acordo: nunca, jamais e em tempo algum se sentarão à mesma mesa para governar.

“É absolutamente impossível apoiar um Governo com o PAN. É uma linha azul. É um impedimento”, jurou o líder do CDS. “O PAN desconhece as atividades do mundo rural. O PAN é contra a via verde na Saúde, mas defende um SNS para cães e gatos. É contra a criminalização do abandono de idosos nos hospitais, mas a favor da criminalização do abandono de animais de companhia. É a favor da eutanásia, mas é contra o abate de animais.”

Sousa Real mostrava o mesmo grau de aversão. “Se o CDS, de facto, conseguir manter a sua representação na Assembleia da República e conseguir aproximar-se do século XXI, daquilo que é a defesa de outras formas de vida e, do ponto de vista social, em matérias tanto de igualdade como das questões LGBTI [talvez houvesse entendimento]”, ironizou a líder do PAN.

Mesmo na reta fina do duelo a dois, uma última provocação de Francisco Rodrigues dos Santos para atingir em cheio a adversária.

“Inês Sousa Real já se devia ter demitido das funções que tem. Quando o vosso moralismo irritante esbarra na vossa incoerência e falta de credibilidade é o grau zero da política. É a maior crítica dos agricultores, mas tem estufas no Montijo”, atirou.

Sem tempo para desenvolver, Sousa Real limitou-se a dizer que eram “ataques concertados da Confederação de Agricultores Portugueses”. Estavam cumpridos os 25 minutos de debates transmitidos pela RTP3.

O diálogo mais revelador

— Francisco Rodrigues dos Santos: Com o PAN é absolutamente impossível [viabilizar um Governo onde esteja o PAN]. O PAN desconhece o óbvio. É uma linha azul, absolutamente impossível onde esteja o PAN. O PAN desconhece as atividades do mundo rural. Há cerca de 250 mil caçadores, a Inês Sousa Real foi capaz de dizer aqui que os caçadores não fazem controlo das espécies. Os caçadores não são terroristas, são os principais gestores da biosfera. O PAN votou contra uma proposta do CDS que é a via verde saúde, que permite aos doentes poder aceder a tratamentos quando passaram o tempo de espera em hospitais particulares e sociais, é contra mas defende um SNS para cães e gatos. É contra a criminalização do abandono de idosos nos hospitais, mas defende a criminalização do abandono de animais de companhia.

— Inês Sousa Real: Está equivocado.

— Francisco Rodrigues dos Santos: É a favor da eutanásia, mas contra o abate de animais.

— Inês Sousa Real: O PAN é um partido que se apresenta como a verdadeira alternativa governativa. Tem trazido causas fundamentais para a Assembleia da República. Aquilo que para nós é essencial é fazer avançar as nossas causas. Aquilo que teria de estar em cima da mesa era o acompanhar de linhas vermelhas do PAN quer em matéria ambiental, quer em matéria animal. Se o CDS, de facto, conseguir manter a sua representação na Assembleia da República e conseguir aproximar-se do século XXI, daquilo que é a defesa de outras formas de vida e, do ponto de vista social, em matérias tanto de igualdade como das questões LGBTI [talvez houvesse entendimento]. Teriam que ser as outras forças políticas a virem ao encontro daquilo que o PAN defende.