Ao terceiro dia de debates televisivos uma novidade: foi com Rui Tavares pela frente que André Ventura não conseguiu impor o tom normalmente aceso que costuma marcar as discussões em que está envolvido, o que acabou por condicionar toda a estratégia. O candidato do Livre marcou o ritmo, distribuiu o jogo e forçou Ventura a falar do seu próprio programa. O presidente do Chega foi obrigado a suar e esforçou-se por colar Tavares à imagem de uma esquerda que despreza a segurança dos concidadãos, que tem mão leve para os corruptos, despesista e irresponsável.
Antecipando-se ao que tem sido o registo de Ventura, o académico Rui Tavares optou por ir direito ao assunto colando André Ventura ao sistema: “Um candidato do sistema apadrinhado por ministros e primeiros-ministros do governo anterior, de clubes de futebol e de alguma comunicação social mais sensacionalista.”
Com a lição bem estudada e as “nove páginas do programa do Chega”, Rui Tavares gastou vários segundos do tempo para enumerar algumas das palavras de um programa que diz “não ter nada para oferecer” ao país. “Cidades; interior; universidade; mar; ambiente; constituição; presidencial; Parlamento; Assembleia; deputado; poluição; língua portuguesa; violência doméstica”, apontou Rui Tavares, repetindo um número: “Zero“.
No decorrer do debate, André Ventura tentou usar a desvinculação de Joacine do Livre para atacar Rui Tavares. “Nunca foi eleito”, “não devia estar aqui porque o Livre não tem representação parlamentar”, alegando que o Livre “se entregou às listas [de Lisboa, onde correu ligado] do PS”, insinuando que há “donativos e financiamento do PS” que provêm de “interesses ocultos de armamento ou offshores” — sem nunca concretizar.
Além da retórica política, Ventura criticou a alegada pulsão do Livre pela subsidiodependência (“defende subsídio de desemprego para quem se despede”), a ausência de firmeza contra a corrupção (“vocês preferem ver Salgados e Sócrates soltos” e a política de porta aberta à imigração (“defendem acabar com as fronteiras e nós somos os estúpidos de serviço que estão cá para pagar”). “É o programa mais irresponsável que já vi na vida“, atirou o candidato do Chega.
A falar diretamente para os respetivos eleitorados, os dois partidos que se sentaram no hemiciclo em 2019 levam na bagagem para dia 30 sondagens bem diferentes. Se o Chega parece lutar pelo lugar de terceira força política, as sondagens voltam a deixar o Livre fora da Assembleia. Falta perceber qual dois dois terá sido mais eficaz esta noite.
O diálogo mais revelador
Rui Tavares: Percebo que André Ventura não queira muito falar do programa dele.
André Ventura: Não?
Rui Tavares: O programa dele tem nove páginas. Isto não é uma coisa que se apresente ao país.
André Ventura: O seu é melhor?
Rui Tavares: O programa de André Ventura fala de cidades zero vezes, fala do interior zero vezes, fala de universidade zero vezes, fala do mar zero vezes, fala do ambiente zero vezes, bola. Podemos dizer que fala das coisas que lhe interessam. Ele quer mudar a Constituição, quer uma quarta República como se esta fosse a terceira porque o Estado Novo nunca quis ser a segunda. Constituição zero vezes, quer um regime presidencialista. Presidencial? Zero vezes. Parlamento, zero vezes. Assembleia, zero vezes; deputado, zero vezes. Poluição zero vezes, língua portuguesa zero vezes. Mulher aparece uma vez, para dizer que a família é constituída pela relação íntima entre um homem e uma mulher, zero vezes violência doméstica, zero vezes mulheres. Este é um programa que não tem nada para oferecer de futuro, por isso pretende falar de propostas que são do século XIX.
André Ventura: Como as suas. Ao contrário do Rui Tavares, o Chega esteve no Parlamento. Ao contrário do Rui Tavares que elegeu um deputado e não fez nada durante dois anos e meio, o Chega apresentou mais de dez propostas contra a corrupção, propostas sobre habitação, crescimento económico, poluição, sobre tudo. Já o Rui Tavares tenho aqui as propostas que o Livre apresentou, sei que não lhe vai ser conveniente agora, mas foram menos de 10. O Livre entrou para o Parlamento e apresentou menos de 10 propostas, é isto que este senhor se apresenta no debate, com zero. Rui Tavares quer-se vender tanto ao PS, de tanta maneira, que anda em todos os debates a dizer ‘por favor metam-me numa coligação qualquer’ como fez em Lisboa com Fernando Medina. Nem António Costa quer falar com ele. Preferia ter um programa de nove páginas que ter um programa que quer devolver a arte às colónias, preferia. O seu programa volta a trazer um debate de feridas à sociedade portuguesa, de humilhar ex-combatentes e milhares de pessoas que hoje vivem na sociedade portuguesa. O programa de Rui Tavares é mais impostos, subsídios para tudo e mais alguma coisa e devolver a arte às colónias.