Francisco Rodrigues dos Santos e Rui Tavares protagonizaram uma mini-intifada onde não faltaram pedras atiradas de um lado para o outro do muro ideológico que os separa. Em debate das legislativas, esta segunda-feira na CNN, o líder do CDS rebentou a escala de sound bites e acusou o fundador do Livre de “reescrever a história”, de ser um “Arnaldo Matos“, de ser mais anti-católico do que Cunhal e de sofrer de “joacinismo“. Rui Tavares respondeu que Rodrigues dos Santos queria “desenterrar uma guerra cultural” e “fantasmas anticlericais” e operar o estranho milagre da desmultiplicação que põe “o pão com a mesma taxação que se põe um desporto de sangue com animais”.
Os soud bites não ficariam por aqui. O líder do CDS acusou o Livre de ser “uma fábrica de impostos” e voltou a citar Ronald Reagan para acusar Rui Tavares de “taxar o que mexe”. Na resposta, o fundador do Livre acabaria por acusar o líder do CDS de se autoplagiar com uma expressão pouco católica: “Repete muitas vezes a expressão pornografia fiscal. Pontos extra pela imaginação”. E atacaria um membro da direção do CDS e vice-presidente da câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correio, acusando o CDS e o executivo Moedas de “dar aos mais ricos de Lisboa 30 milhões de IRS”.
Outro dos pontos de um debate — que teve uma grande componente ideológica — foi a questão da ideologia de género, que o líder do CDS já tinha feito render contra António Costa. Rui Tavares acusou o CDS de querer “criar um papão da ideologia de género” ao defender a extinção da Comissão para a Igualdade e Ideologia de Género. Rodrigues dos Santos retorquiu que, para ser “intelectualmente honesto” Tavares teria de admitir o partido que o CDS, sendo democrata-cristão, “tem todas as preocupações com esses homens e mulheres”.
O debate acabaria por resvalar, no sentido literal, para uma guerra religiosa. Rodrigues dos Santos atacou Rui Tavares por querer acabar com a disciplina de Religião e Moral, acusando o líder do Livre de atacar a liberdade religiosa consagrada na Constituição. Para o líder centrista, Rui Tavares promove um “laicismo radical” que “nem Soares nem Cunhal atacaram porque entenderam que este anti-catolicismo ficou enterrado na Primeira República.”
Relativamente ao facto de o Livre “quer limitar os prémios atribuídos nas próprias empresas”, Rodrigues dos Santos classificou a proposta de”comunismo puro”. E acrescentou: “Lembra o PREC, que o CDS combateu, em que Rui Tavares é o Arnaldo Matos e o Livre o MRPP”.
E como na guerra vale tudo, apesar de Rui Tavares ter rompido com Joacine e Rodrigues dos Santos com Nuno Melo, até isso ambos utilizaram como pedras a atirar ao próximo (ou melhor, ao que tinham à frente). O líder do CDS disse que o facto de o candidato do Livre “ser historiador não lhe permite reescrever a história”, atirando-lhe com antiga e até agora única deputada da história do Livre: “Olhei para si e estava a ver a Joacine Katar Moreira (…) Está a praticar o joacinismo. Joacine saiu do Livre, mas o Livre ficou no Joacinismo”. E questionou, num tom provocador: Qual é o passo seguinte? Destruir monumentos? Vamos condenar a padeira de Aljubarrota por ter agredido os espanhóis? Vamos condenar o Infante Dom Henrique por não dar horas extraordinárias aos navegadores?”
Rui Tavares não se ficou e respondeu com Nuno Melo, que há mais de um ano o atacara ao sugerir que o Governo PS o colocou como professor na Telescola para efeitos de doutrinação ideológica. Isto porque durante os tempos mais duros da pandemia, o eurodeputado do CDS Nuno Melo criticou publicamente a partilha de um excerto de um documentário onde aparecia o fundador do Livre na qualidade de historiador, questionando se seria Rui Tavares o professor — quando tinha sido uma partilha das professoras responsáveis pelas aulas — e o CDS chegou mesmo a apresentar perguntas na Assembleia da República sobre o sucedido.
“Para quem fala de cultura de cancelamento, não teria orgulho de se meterem no trabalho e perseguirem duas pessoas de fazer divulgação livre de história de um historiador que por acaso é do Livre”, disse o cabeça de lista por Lisboa. Francisco Rodrigues dos Santos sorriu por duas razões: não gosta da sua bancada (embora na altura tenha validado o foguetório em torno da questão) e é adversário de Nuno Melo.
Diálogo mais revelador
— Francisco Rodrigues dos Santos: Estava a olhar para si e a ver a JKM à minha frente. O facto de ser historiador não lhe dá o direito de reescrever a história, de explicar como é que a história deve ser ensinada no período dos descobrimentos. É um Joacinismo que continua no Livre pese embora a Joacine tenha saído do Livre, o Livre não sai da Joacine é isso que acontece. A história é uma ciência, estuda-se tal e qual como aconteceu. Não se pode julgar a história com o quadro de valores do século XXI, deve ser ensinada tal qual como foi. Rescrevê-la é um erro. O passo seguinte é destruir monumentos? Vamos condenar a padeira de Aljubarrota por ter agredido os espanhóis? Vamos condenar o Infante Dom Henrique por não ter pago horas extraordinárias aos descobridores? Vamos olhar para a história com bom senso, mas contar aquilo que aconteceu, não nos vamos arrepender com ela porque acho que a nossa história nos deve orgulhar a todos enquanto patriotas é um ponto que para mim é fundamental.
— Rui Tavares: Este é um assunto que creio que Francisco Rodrigues dos Santos não deveria ter trazido a debate porque não o beneficia. No vosso programa o CDS fala do problema de uma cultura de cancelamento. Defendem, e parece-me bem porque também acho, a investigação livre da história, a divulgação livre da história e o pensamento expresso livremente. Só falta dizer exceto se o historiador for do Livre.
— Francisco Rodrigues dos Santos: Não, não…
— Rui Tavares: Deve estar a saber o que vou trazer.
— Francisco Rodrigues dos Santos: Já sei.
— Rui Tavares: Para quem fala de cultura de cancelamento, todos estão lembrados que duas professoras da telescola levaram um excerto de um episódio de um documentário que eu tinha feito sobre a história de Portugal. E já agora, orgulharmo-nos da história de Portugal e amarmos o nosso país é investigar a sua história, tenho orgulho de ter escrito acerca da história do nosso país, ter dado aulas a filhos e netos de emigrantes portugueses nos Estados Unidos sobre a história do nosso país como tenho orgulho de na Cova da Moura ter dado aulas de português. Não teria orgulho de, na Assembleia da República, ter feito uma pergunta parlamentar que basicamente foi meterem-se no trabalho e perseguirem duas professoras da telescola por elas terem tido o topete de fazerem divulgação livre de história com um historiador que, por acaso, era do Livre, se fosse de direita se calhar não seria o mesmo problema.