Foi já ao final do dia de esta quarta-feira, e depois de uma visita ao hospital público Garcia de Orta em Almada, que Cotrim Figueiredo olhou para o lado e falou para aqueles com quem admite trabalhar depois das eleições.
Ao longo da campanha o líder da Iniciativa Liberal tem assentado a estratégia em dois pontos: visar Costa, os Governos PS e o socialismo, por um lado, e apresentar as propostas da Iniciativa Liberal em áreas que vão da TAP à saúde e impostos. Desta vez, desafiado pelos jornalistas, falou para os possíveis parceiros sobre linhas vermelhas em negociações. A uma pergunta sobre o que exigiria para acordos depois de 30 de janeiro — já se mostrara disponível para se sentar à mesa com o PSD —, respondeu assim:
Numa negociação, não me pergunte até onde se vai ou consegue ir. Não vamos pôr com certeza a reforma integral do SNS até quinta-feira à tarde como uma condição. Mas vamos exigir que sejam dados passos decisivos em várias matérias — seja em unidades de saúde hospitalar seja em unidades de saúde primárias — no sentido de avançar para sistemas que incorporem as duas coisas que para nós são fundamentais no sistema de saúde: liberdade de escolha dos utentes e concorrência entre prestadores“, referiu.
Que “passos decisivos” podem ser esses, ao certo, Cotrim Figueiredo prefere para já não detalhar: se uma nova maioria se formar e o PSD quiser, logo os negociará.
O que o presidente da IL também não diz é se a Saúde seria uma boa pasta para o partido ter num próximo Governo. “Não discuto cargos, discuto políticas. Se houver alguém em quem confie e que seja determinado… há muitas pessoas boas que ainda não estão na IL, portanto podem perfeitamente ocupar esses cargos com confiança técnica e política”, afirmou. Mas na IL existirão nomes de pessoas ministeriáveis, desde logo para a Saúde, que lhe passem pela cabeça? “Isso há, há muitas”. Provocação jornalística: tem uma lista? Cotrim ri-se e diz, meio a sério meio a brincar: “Tenho, tenho”.
Na visita ao Garcia da Orta, o candidato liberal reuniu à porta fechada com a administração do hospital. À saída, depois da reunião, voltou a insistir nas propostas do partido para a Saúde. E quis atacar o que diz ser uma “deturpação” dessas propostas, que passa por sugerir que a IL quer privatizar a Saúde.
Para Cotrim, “não estamos a falar de uma privatização da Saúde mas sim de uma separação entre a função de financiamento e de prestação do cuidado de saúde“. As pessoas “estão-se absolutamente nas tintas se quem vai resolver o problema e os vai curar é público, privado ou social. O que lhes interessa é que tenham acesso universal, fácil e tendencialmente gratuito: tudo o que está constitucionalmente previsto”.
O presidente e candidato da IL quer tudo isto “de preferência de melhor qualidade e com um custo que seja razoável”, mas na Saúde o objetivo não é emagrecer a despesa pública — que no ano passado chegou a 10,24% do PIB — mas sobretudo aumentar, melhorar e tornar mais eficientes os cuidados de saúde que o Estado garante aos cidadãos. Se isso implicar mais investimento, Cotrim não se opõe.
Os liberais não se opõem a que isto possa representar um peso maior na despesa do PIB, desde que acabemos com esta vergonha que é pessoas a morrer em lista de espera. É uma autêntica vergonha. Haverá bons e maus hospitais públicos e bons e maus privados. Mas dando às pessoas a possibilidade de escolherem o que acham melhor para si, em total liberdade, [o Estado financiará essas escolhas e] isso obrigará todo o sistema a evoluir e melhorar”, explicou Cotrim.
O candidato acredita que é possível obter “melhorias de serviços de saúde com muito menor custo unitário por ato médico”, mas o objetivo é mesmo “reduzir as listas de espera e melhorar a qualidade dos cuidados de saúde” prestados em Portugal.
O candidato acrescentou não compreender “como algumas forças políticas, por obsessão ideológica, não olham para isto como sendo a verdadeira maneira de começar a caminhar no sentido de um Sistema Nacional de Saúde, que dê muito melhor resposta às necessidades das pessoas”. Até porque quem resiste às mudanças “está a contribuir para o colapso do SNS“, na opinião do liberal.
Ordem para concessionar. Cotrim de cacilheiro à procura de concorrência
Antes da deslocação ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, João Cotrim Figueiredo aproveitou a tarde de esta quarta-feira para falar de transportes e fazer uma viagem de cacilheiro entre o Cais do Sodré e Almada. Depois da viagem, o candidato falou aos jornalistas e começou por dizer: “Alguns transportes públicos funcionam bem e têm poucas queixas, outros funcionam mal e têm muitas queixas”.
O que interessava ao líder político, à boleia do cacilheiro da Transtejo/Soflusa, era fazer a apologia da concorrência nos transportes e das vantagens das concessões a privados. “Todos devem ter possibilidade de ter concorrência sempre que não dependam de uma única infraestrutura”, argumentava o candidato, acrescentando que “o rio está concessionado a uma única empresa e toda a gente sabe o número de vezes que travessias são cancelados — e a forma como as pessoas se queixam do serviço que têm aqui da Transtejo/Soflusa”.
Isso poderia ser perfeitamente evitado se a travessia do Tejo fosse aberta à concorrência. Há um plano há muito tempo de instalar uma série de atracações em cada uma das margens, para permitir por exemplo a existência de táxis fluviais, outros operadores a operar nestas mesmas rotas e no mesmo cais que opera a Transtejo/Soflusa e a existência de concorrência”, notou.
A apologia da concorrência “não é uma obsessão ideológica”, diz Cotrim Figueiredo. “É uma obsessão prática, pragmática. Quando há mais do que um prestador de serviço, todos são obrigados a melhorar e a fazer o seu melhor para cativar clientes“, apontou, acrescentando: “No caso da travessia fluvial é evidente. A travessia ferroviária já está concessionada há bastante tempo e existem muito menos notícias de problemas de serviço e queixas por parte dos utentes. Quem é concessionário sabe que tem de chegar a níveis de serviço elevados para poder um dia ver a sua concessão renovada”.
Já quando questionado sobre se a oferta de táxis fluviais não aumentará os índices de poluição, Cotrim mostrou-se otimista e chutou para a procura: “Se isso for absolutamente crucial para a decisão das pessoas relativamente ao meio que usam, os próprios operadores utilizarão as embarcações menos poluentes possíveis”.