Se em campanha nada acontece por acaso, nas ações da caravana comunista, preparadas desde o posicionamento das cadeiras às entradas e saídas dos locais (não falando da capacidade de arrumar salas em poucos minutos, que já são conhecidas de todos), as músicas que se ouvem não são meros pormenores. Além da tradicional carvalhesa, que fecha todos os comícios, a música de intervenção é uma constante, mas as “novidades” na lista de reprodução não são coincidências.

Nos últimos dias, ao repertório habitual  da caravana comunista somou-se outra música que tem “tocado” insistentemente, em jeito de recado para António Costa. A música ‘A gente vai continuar’ de Jorge Palma repete a cada ação dos comunistas e é uma novidade na playlist. É inevitável lembrar imediatamente António Costa a usar a letra da música de Jorge Palma nas negociações dos três últimos Orçamentos. Um passou com a ajuda de PSD e Bloco de Esquerda, outro foi aprovado com a ajuda do PCP e outro foi chumbado por PCP, BE e PSD e precipitou as eleições.

Mas o PCP prefere carregar as tintas da viabilização do Orçamento Suplementar, que aproveita para tentar “roubar” votos aos bloquistas. O PCP (e o PEV) votaram contra o Orçamento Suplementar “porque não tinha respostas para os problemas do país” e, reivindica agora a CDU em todos os discursos, as melhorias introduzidas no Orçamento do Estado para 2021 (reforço do SNS, renovação imediata do subsídio de desemprego, layoff pago a 100%, entre outras).

Mas há mais. Este sábado, à música de Jorge Palma os comunistas somaram a de Pedro Abrunhosa. “Vamos fazer o que ainda não foi feito”, garantem. Para o fazer é preciso que o resultado de dia 30 “não seja o que o PS quer, mas o que os portugueses querem”. A CDU, claro, quer ver a bancada reforçada e traduzir isso “numa maior força” para fazer avançar as propostas. Enquanto faz provas da perseverança, alerta para o perigo de “mais anos de retrocesso com políticas de direita”.

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No discurso os comunistas já falam de “fazer o que ainda não foi feito”, milhares de portugueses votam já este sábado, incluindo o secretário-geral em funções de substituição. A música ainda não toca em pano de fundo nas ações de campanha, mas o mote está lançado.

João Oliveira cola BE à direita e diz que voto na CDU “conta como nenhum outro à esquerda” para impedir crescimento da direita

Se a primeira vez, há dois dias na Marinha Grande, quando João Oliveira colou os colegas de carteira no Parlamento à direita a referência não lhe valeu reação da assistência, este sábado em Almada ouviram-se palmas. O discurso comunista vai-se afinando ao longo dos dias: da necessidade de impedir a maioria absoluta do PS, o discurso escalou no entretanto para a afirmação de que “o voto na CDU conta como nenhum outro à esquerda”.

Afinal, além do Bloco à esquerda do PS também se senta o Livre e o encantamento de costa pelo PAN — que não se posiciona à direita nem à esquerda — pode ser um pau de dois gumes e os comunistas não têm votos a perder.

O parceiro de coligação PEV até pode ter perdido eleitores para o Pessoas-Animais-Natureza, mas a intenção anunciada de Costa fazer um acordo com o partido que chegou pela primeira vez ao Parlamento em 2015, e é tido como “radical” em muitos pontos da sua ideologia, pode traduzir-se agora na flutuação de alguns votos dos eleitores socialistas não contentes com a ideia de eco-geringonça para os comunistas.

Atentos à hipótese do bloco central e a tentar canalizar tantos votos quantos possível à esquerda para o evitar, João Oliveira vai avisando do “arranjinho” que António Costa prepara depois de ter aparentemente bloqueado qualquer entendimento com PCP ou BE: “Não se combate a direita dizendo mal em palavras, ao mesmo tempo que se admite vir a fazer arranjinhos com a mesma direita que se diz querer combater”.

E como à esquerda do PS há vários partidos onde deixar a cruz, cabe a Oliveira em Almada capitalizá-los: “o voto na CDU conta como nenhum outro à esquerda”. Porquê? Lembra João Oliveira que os manuais escolares gratuitos e o passe social foram reivindicações “de 20 anos” que os comunistas não abandonaram e que vingaram.

E se um cenário pós 30 de janeiro de ingovernabilidade assusta os portugueses, com o país a viver em duodécimos, João Oliveira aproveita a palavra de ouro desta campanha ‘estabilidade’: “A estabilidade está tanto mais próxima quanto mais força tiver a CDU”.

Ainda que a arruada e o comício em Almada tenham sido bastante participados, a caravana conta com mais uma baixa nos próximos dias: Paula Santos teve um contacto de alto risco e, apesar de ter testado negativo, está em isolamento profilático, o que a fez falhar a intervenção prevista para este sábado.