Gianluigi Donnarumma tinha tudo para ser carpinteiro. Durante a infância, a profissão do pai parecia o caminho natural para o futuro do rapaz de Castellammare di Stabia, na baía de Nápoles. O problema foi que, desde muito cedo, ficou claro que o talento que Donnarumma tinha nas mãos teria de ser aplicado noutro sítio que não na carpintaria.

“Eu era um desastre! De vez em quando ia ajudar o meu pai mas ele mandava-me embora ao fim de 10 minutos. Na verdade, o meu preferia que eu nem fosse fosse ajudar porque só o fazia perder tempo. Não era para mim”, contou o guarda-redes numa entrevista ao jornal Telegraph. Na antecâmara da receção do PSG ao Real Madrid, esta terça-feira e a contar para os oitavos de final da Liga dos Campeões, o italiano recordou a forma como foi parar às balizas e sublinhou a ideia de que os guarda-redes são todos “um pouco loucos”, algo que muitos guardiões defendem.

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“Sempre fui apaixonado pelo futebol e por ser guarda-redes. Começou tudo com o meu tio Enrico quando eu era muito pequeno, depois o meu irmão Antonio já era guarda-redes e depois apareceu o meu mentor, o Ernesto Ferraro. Trato-o por mentor e não por treinador de guarda-redes, é graças a ele que estou onde estou hoje, ele sempre acreditou em mim. Treinava-me todos os dias, o dia todo. Ser guarda-redes é sempre diferente, porque a única coisa atrás de nós é uma baliza vazia. Temos de estar sempre concentrados, mesmo quando a nossa equipa tem a bola e está a atacar, porque temos de pensar sempre no que pode acontecer. E isso obriga a uma quantidade enorme de energia mental. É mesmo uma tarefa muito complicada e leva a um compromisso gigantesco”, explicou o italiano de 22 anos.

Ainda assim, e apesar de mencionar essa pressão associada à responsabilidade do papel que tem em campo, Donnarumma não é propriamente alguém que fique ansioso ou nervoso com facilidade. Quando foi convocado para os Sub-17 de Itália, com apenas 15 anos, tinha o coração com apenas 40 batimentos por minuto — a magnitude da ocasião, embora extraordinária para a idade que tinha na altura, não o desconcentrou. “Sou destemido. Não permito que nada nem ninguém me influencie. Sou totalmente focado no jogo. Nem penso sobre quem é o adversário. É isso que significa ser destemido”, atirou o guardião, numa lógica de pensamento que explica a velocidade com que conseguiu lançar uma carreira internacional de enorme sucesso.

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Aos 13 anos — numa altura em que já media 1,87 metros, algo que obrigava a mãe a andar sempre com a certidão de nascimento para provar a idade do filho — deixou Castellammare di Stablia e o ASD Club Napoli para ir jogar no AC Milan. Aos 16 anos, estreou-se na Serie A pela equipa principal dos rossoneri, sendo que o apanha-bolas que tinha atrás de si era um colega das camadas jovens. Um ano depois, registou a primeira internacionalização por Itália. Aos 22 anos, é considerado um dos melhores guarda-redes do mundo, conquistou o Euro 2020 e mudou-se para o PSG para discutir a titularidade na baliza com o veterano Keylor Navas.

“Sempre tive muita maturidade. Nem que fosse pelo facto de ter crescido muito rápido porque saí de casa aos 13 anos. Claro que me tornei um homem um bocadinho mais cedo do que o normal. O PSG já me acompanhava há muito tempo, sempre fizeram com que me sentisse importante. Sabia que toda a gente no clube tinha muita confiança em mim, por isso, escolhi o PSG por esse ambiente inacreditável. É uma equipa extraordinária, com enormes ambições, e todas essas coisas significavam que o PSG fazia parte do meu destino”, acrescentou Donnarumma, que deixou o AC Milan a custo zero ao fim de oito anos de ligação, algo que deixou os adeptos do clube italiano muito desagradados.

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A dar uma entrevista a um jornal inglês, a final do Euro 2020 foi um tema obrigatório. Donnarumma defendeu a grande penalidade decisiva, de Bukayo Saka, e foi o herói da seleção italiana de Roberto Mancini, acabando por ser considerado o melhor jogador de toda a competição. “Foi uma felicidade imensa! Unimo-nos nos momentos de dificuldade, lutamos juntos. Sabemos o que significa fazer sacrifícios pela equipa e tudo aquilo significava que o nosso sonho de ganhar o Europeu era agora uma realidade. Foi indescritível, mesmo”, terminou o guarda-redes. Um guarda-redes que, se o talento das mãos tivesse sido canalizado para outro lado, poderia ter sido um ótimo carpinteiro.