A marcação da repetição das eleições legislativas para o círculo da Europa só para o dia 12 e 13 de março vai atrasar ainda mais a entrada em vigor do Orçamento do Estado ainda que António Costa já tenha dito que mantém a proposta chumbada no passado, mas com inevitáveis alterações nas previsões macroeconómicas.

Pelo calendário previsível, Portugal pode ficar mais de meio ano sem Orçamento, ou seja, a viver de duodécimos das contas executadas em 2021, o que é inédito.  Para já, e pela informação recolhida pelo Observador, mantém-se a intenção de avançar ainda este ano com as alterações dos escalões do IRS, que passam de sete para nove, ajustando as taxas em baixa. Esta é uma das medidas mais emblemáticas da proposta orçamental e que António Costa repetiu várias vezes durante a campanha.

Votação da Europa a 12 e 13 de março. Posses de Governo e Parlamento podem acontecer no final do mês

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Mas ainda que a revisão dos escalões esteja segura, isso não se vai traduzir necessariamente num alívio imediato da carga fiscal ao final do mês. Para tal seria necessário ajustar as tabelas de retenção a partir da publicação do OE 2022 para vigorar até ao final do ano. Esta hipótese está em cima da mesa, mas ainda não haverá uma decisão final. Se avançar essa revisão, os trabalhadores dependentes poderão começar a beneficiar da mexida no IRS, mas só vão sentir a redução total do imposto pago sobre o rendimento de 2022 quando for fechada a liquidação do imposto deste ano. Ou seja, em 2023.

Esta é uma decisão para tomar depois de o Governo tomar posse, apesar de politicamente já estar mais ou menos arrumada (apesar de não se saber, ainda, quem será o novo ministro das Finanças). Mas caberá ainda ao Executivo em funções e à atual equipa liderada por João Leão tomar outra decisão com impacto no rendimento das famílias que é o prolongamento ou não das medidas de compensação pelo aumento do preço dos combustíveis.

Com subidas semanais provocadas pela crise na Ucrânia, o atual executivo terá de decidir antes do final de março (o que pode acontecer antes de o novo Governo tomar posse) se prolonga o autovoucher (que reembolsa cinco euros por mês por automobilista que abasteça o automóvel). E, com muito mais impacto orçamental, se mantém a suspensão da atualização da taxa de carbono sobre os combustíveis rodoviários, medida que poderia carregar nos preços até mais cinco cêntimos por litro.

Estas medidas foram anunciadas em dezembro a uns dias do chumbo do Orçamento do Estado e representavam, segundo contas divulgadas à data, cerca de 300 milhões de euros, incluindo a descida extraordinária do imposto petrolífero anunciada uma semana antes e que o Governo em funções já prolongou até abril.

Combustíveis. Governo deve prolongar descida extraordinária do imposto para além das eleições

Do ponto de vista jurídico o Governo pode prolongar estas decisões que exigem apenas uma portaria no caso do imposto petrolífero. A atuação só está limitada em matérias que sejam da competência do Parlamento que está dissolvido e cuja tomada de posse só acontecerá depois de conhecidos os resultados da repetição das eleições.

O facto de os socialistas terem ganhado as legislativas com maioria absoluta também permite um maior conforto político para assumir certas decisões que podiam ser adotadas do ponto de vista jurídico, mas que foram sendo adiadas porque estava próxima a transição para um novo Executivo. Mas, com este novo percalço no calendário, alguns membros do Governo estarão a ponderar avançar com decisões que estavam na gaveta à espera da tomada de posse. Esta disponibilidade será mais sentida nos ministros que têm mais confiança da sua permanência na renovada equipa de António Costa, ainda que não possa haver certezas sobre a distribuição de pastas e sobre a configuração dos novos ministérios.

Aumento extra das pensões suspenso, PRR avança

Outra medida que vai ficar mais tempo em standby é o aumento extraordinário das pensões em 10 euros. A proposta de Orçamento do Estado para 2022 previa que essa subida acontecesse apenas em agosto, só que numa tentativa de aproximação aos partidos à esquerda, o Governo cedeu no pagamento logo em janeiro. Mas com o chumbo do documento no Parlamento, optou por não avançar com a medida no âmbito do regime de duodécimos (ao contrário do que fez, por exemplo, com o aumento salarial dos funcionários públicos).

Quer isto dizer que, com um adiamento da aprovação do OE, fica também adiada a entrada em vigor do aumento extraordinário das pensões. A não ser que o Executivo opte por aprovar antes esta subida extra e enquadrá-la no regime de duodécimos, havendo verba para tal (que, a manter-se a intenção do Governo, terá retroativos a janeiro). O Observador questionou o Ministério da Segurança Social sobre essa possibilidade, mas não obteve resposta.

Por outro lado, o Governo assegura que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não fica em risco com o adiamento da aprovação do OE 2022. Em resposta ao Observador sobre um eventual impacto, fonte oficial do Ministério do Planeamento respondeu apenas: “Não haverá impacto, tal como não houve até aqui”.

O ministro das Finanças, João Leão, já tinha assegurado que o Governo iria conseguir implementar o PRR com um orçamento em duodécimos. Como já escreveu o Observador, a execução dessa despesa é possível porque o OE para 2021 está “empolado” pelos gastos com a pandemia, cuja necessidade deverá ser menor este ano.

Governo tem margem para executar milhões do PRR em 2022 porque o Orçamento de 2021 está “empolado”

Calendário possível

Depois do apuramento dos resultados eleitorais e da tomada de posse do Governo, o programa do Executivo tem de ir ao Parlamento. Segundo os prazos legais, a partir do momento em que o primeiro-ministro for nomeado, o programa de governo tem de ser apresentado no prazo máximo de 10 dias e a discussão em plenário não pode exceder três dias. Durante o debate qualquer grupo parlamentar pode propor a sua rejeição ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança, cenário que não se colocará em maioria absoluta. Assim a aprovação do programa será rápida. Falta depois apresentar o Orçamento.

Quase todo o trabalho do Orçamento estará feito. António Costa afirmou já que tem o documento pronto para apresentar mas é preciso reajustar o cenário macroeconómico e alterar previsões para a inflação, petróleo, taxas de juro — que por sua vez terão impacto na receita e na despesa pública (nomeadamente com a dívida) que pode obrigar a novos equilíbrios no Orçamento.

Muito desta revisão já estará em curso. Dependendo de quem assumir a pasta das Finanças, o novo ministro pode não querer assinar de cruz a proposta deixada por João Leão e querer introduzir alguma medida sua. O que poderá exigir mais tempo de reflexão antes da entrega da proposta no Parlamento. Chegada à Assembleia, a votação da proposta de lei do Orçamento do Estado realiza-se no prazo de 50 dias após a data da sua admissão, avançando depois para promulgação do Presidente. Só depois entrará em vigor, o que pelos prazos previstos atirará o novo orçamento para finais de junho ou início de julho.