Dentro de dois dias, Håkan Samuelsson vai completar 71 anos. Os últimos 10 foram passados na Volvo, na qualidade de presidente e CEO do construtor nórdico desde Outubro de 2012, cargos que vai deixar no final deste mês. Seja por entender que a idade é um posto, seja porque está prestes a cessar funções, seja porque simplesmente gosta de dizer o que pensa, o sueco não se inibiu de partilhar com a Automotive News Europe aquilo que separa a sua visão de futuro daquela que é a estratégia seguida pela Stellantis, com o português Carlos Tavares aos comandos.

Para Samuelsson, “esmifrar” fornecedores está fora de questão, criticar a transição para a mobilidade eléctrica também. E estar sistematicamente a apontar o dedo aos legisladores, porque é preciso vender carros eléctricos, criticando a tecnologia e a falta de rentabilidade desta, é mau para o negócio. Em síntese, a posição do CEO da Volvo colide frontalmente com as mensagens que Carlos Tavares tem passado para o exterior, pese embora várias das marcas que compõem a Stellantis já tenham anunciado que se vão tornar exclusivamente eléctricas, bastante antes de 2035. a meta imposta por Bruxelas.

Estamos a preparar-nos para que 100% das vendas na Europa e 50% das vendas nos Estados Unidos sejam de veículos eléctricos a bateria (BEV) até ao final desta década. Planeamos ter mais de 75 modelos BEV e alcançar vendas anuais globais de BEV na ordem dos 5 milhões de veículos até 2030”, anunciou Carlos Tavares na apresentação do plano estratégico Dare Forward 2030, no início deste mês.

Dias antes, o executivo português tinha se queixado que os BEV são 40% a 50% mais caros de fabricar, embora tivesse garantido que isso não iria desacelerar a aposta do grupo em modelos alimentados exclusivamente a bateria. Simultaneamente, Tavares sempre foi das vozes mais críticas em relação aos BEV, acusando-os de não serem uma opção viável ou desejada, pela indústria e pelos clientes, mas sim uma imposição de Bruxelas.  Sobre este ponto, em concreto, Samuelsson critica as declarações do CEO da Stellantis, argumentando que esse discurso se pode voltar contra os construtores de automóveis. Afinal, quando o próprio líder da Stellantis contesta publicamente a tecnologia, para quê comprar um BEV do grupo?

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Mas a questão que suscita mais divergências entre os responsáveis máximos da Volvo e da Stellantis prende-se com a relação com os fornecedores. Tavares tem uma abordagem mais agressiva, defendendo uma política que passa por “obrigar” os fornecedores a arcar com parte do aumento dos custos de produção na transição dos modelos a combustão para os BEV. O gestor português ambiciona margens de 7%, o sueco diz que não vê a lógica disso: “Pedimos-lhes que façam milhares de variantes, pelo que nos pedem preços mais altos. Não creio que isso seja negociável. Quem quer alta qualidade e um preço baixo tem é que atacar a complexidade.” Mas a realidade é que, quando se enceta o período de negociação de preços, a Stellantis usufrui do factor escala e isso contribuirá para baixar os valores de aquisição.

Håkan Samuelsson entende que é preferível a integração vertical, isto é, garantir a produção de componentes in house, nomeadamente elementos críticos de um BEV, como as baterias e o software. “Precisamos de controlar a funcionalidade do carro e não apenas de comprar algo pronto a um fornecedor”, argumenta.

De recordar que, reflexo desta visão e em busca de uma maior rentabilidade (até porque em 2030 quer ser um fabricante 100% eléctrico), a Volvo anunciou que vai ter a sua gigafábrica de baterias com a Northvolt, num investimento que ronda os 3000 milhões de euros. E também segue as pisadas da Tesla, preparando-se para introduzir o megacasting nas suas linhas de produção, para ganhar tempo e dinheiro.