Os serviços de informação da Eslováquia realizaram nos últimos dias uma operação que levou à expulsão de três funcionários da embaixada da Federação russa e à detenção de três pessoas acusadas de espionagem a favor da Rússia — pretendiam limpar a imagem do Kremlin e obter informações sobre a Aliança Atlântica e a Ucrânia. Um vídeo de 2021 entretanto tornado público expõe a forma como a rede funcionaria. Entre os detidos estará um jornalista, Bohuš Garbár, que terá sido pago para escrever a favor do regime de Vladimir Putin e recrutar informadores com acesso a informação privilegiada da NATO.

Num comunicado divulgado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia, a expulsão dos diplomatas teve por base “ações levadas a cabo em violação da Convenção de Viena”. “Estes funcionários devem deixar o território da República Eslovaca no prazo de 72 horas”, anunciou a mesma fonte na última segunda-feira.

Bratislava instou ainda “a Embaixada da Federação Russa na República Eslovaca a realizar as suas atividades de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, com a qual ambos os países se comprometeram no passado, e abster-se de outras atividades que entrem em conflito com esta Convenção e/ou outras disposições do direito internacional e da prática diplomática”.

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Esquema de espionagem já tinha vários anos

Numa conferência de imprensa citada pela edição eslovaca do jornal Spectator, as autoridades eslovacas referem que tanto Bohuš Garbár como outro cidadão eslovaco suspeito de passar informações às autoridades russas, e que também terá sido detido na operação, terão já confessado colaborar com Moscovo. Estarão ambos acusados de receber subornos e de espionagem para a Rússia.

A EuroNews cita mesmo o procurador Daniel Lipsic, que na mesma conferência terá detalhado a gravidade deste esquema, que já duraria há vários anos. “Em causa está uma cooperação remunerada de longo prazo com os serviços de informações militares da Rússia (GRU)”, disse.

A investigação descobriu, porém, que o esquema se manteve até há pouco tempo, tendo-se tentado recolher dados relativos à Ucrânia.

As informações que os serviços russos procuravam também envolviam a Ucrânia”, assegurou Lipsic.

Outro envolvido na alegada rede agora desmantelada, Pavel Bučka, professor universitário com ligações antigas à Academia das Forças Armadas, em Liptovský Mikuláš, a cerca de 265km da capital, Bratislava, também terá sido recrutado pelo espião Sergej Solomasov. Bučka é suspeito de colaborar com as secretas russas (o GRU) pelo menos desde 2013, alegadamente transmitindo informações de cariz militar. “Esta informação está relacionada com a NATO e as forças armadas eslovacas”, referiram as autoridades na conferência de imprensa citada pelo Spectator.

Os serviços secretos da Eslováquia já fizeram saber que nenhum dos envolvidos em causa tinha ligação com esta entidade.

“És um bom tipo. Moscovo decidiu que será o nosso caçador”

Poucas horas após a informação sobre as expulsões ter sido tornada pública, surgiu na imprensa daquele país um vídeo que explica parte do que está em causa: um jornalista e Sergej Solomasov, espião (membro do GRU), militar russo e com ligações à embaixada da Rússia na Eslóvaquia chegam a acordo, num jardim da cidade de Bratislava. As imagens e o som terão sido gravados pelas forças de segurança locais em 2021, noticiou agora o jornal eslovaco Dennik N.

“Informei Moscovo de que és um bom tipo, que tens muitos amigos, [também] na máfia eslovaca. Eles decidiram que serás nosso ‘caçador’”, começa por dizer Sergej Solomasov, antes de firmar o acordo com o pró-russo através do pagamento de mil euros, em que metade deve ser dado a um “amigo”.

Mais do que isso, são deixadas abertas as portas à entrada de outras pessoas com ligações “pró-Rússia”. A preocupação é a de que os elementos escolhidos tenham “influência” na sociedade e que não sejam “irrelevantes”, podendo ajudar o movimento pró-russo a crescer na região — Solomasov faz, inclusive, referência ao interesse que tem em aceder a informações que circulem num contexto mais reservado da NATO.

Espião procura pessoas influentes para a causa russa

No vídeo divulgado pelo jornal Dennik N, o espião que estará a recrutar aliados em solo eslovaco explica que Garbár deve ter em conta os diversos tipos de pessoas na sua missão de alargar a rede de contactos (e fontes) naquele país: aquelas que já amam a Rússia, que estão do lado do regime, que têm informações secretas e que estão dispostas a divulgá-las por dinheiro; e aquelas que ainda não têm o gosto pela Rússia e que precisam de ter um conhecimento aprofundado para poderem ser encarados como potenciais aliados no futuro.

O jornalista em causa terá escrito este tipo de conteúdos favoráveis ao Kremlin para um site de notícias eslovaco, que se distanciou do comportamento do jornalista e da posição de apoio à Rússia. De acordo com a comunicação local, trata-se de um correspondente ocasional não remunerado e não seria conhecida qualquer ligação pró-russa. Garbár, escreve o Spectator, colaborava com o Hlavné Správy — o próprio meio de comunicação confirmou essa ligação, garantindo que desconhecia a ligação do colaborador com algum serviço russo e que os artigos publicados (que seriam sempre enviados por email para a redação) se centravam na China e nas políticas postas em marcha por Pequim.