O computador do filho de Joe Biden, que Donald Trump batizou no passado como “o portátil do inferno”, voltou às notícias e está a provocar um confronto na imprensa internacional. Numa questão de poucos dias, tanto o New York Times como o Washington Post confirmaram que o tal computador — que continha e-mails que podem conter informação comprometedora para Hunter Biden — existe mesmo e contém documentos verdadeiros, provocando a indignação de outros meios e comentadores, uma vez que os e-mails tinham sido noticiados há mais de um ano e classificados como provável desinformação russa.

A história começa em abril de 2019, mês em que três computadores que precisavam de arranjo, por terem sido molhados com água, foram deixados numa loja de informática em Delaware, nos Estados Unidos. A loja era de um apoiante de Donald Trump, John Mac Isaac, que identificou a pessoa que tinha levado os computadores (um deles tinha um autocolante de uma fundação da família Biden) como o filho de Joe Biden, Hunter, e, percebendo com o passar do tempo que ninguém os iria buscar, começou a verificar o conteúdo do computador.

E encontrou muita informação: segundo o Washington Post confirma agora (com a ajuda de peritos da Google e de outras empresas tecnológicas), o computador continha 22 mil e-mails trocados entre 2009 e 2019, além de fotografias íntimas de Hunter, mensagens privadas (incluindo com o pai) e, mais importante, documentos relativos aos seus negócios a nível internacional — principalmente na Ucrânia (que indiretamente levaram ao impeachment de Donald Trump) e na China, como consultor de negócios.

Ora a informação foi na altura passada ao New York Post, um tablóide conservador, pelo advogado de Trump, Rudy Giuliani, e publicada pouco antes das eleições que viriam a confirmar Joe Biden como presidente dos Estados Unidos. E, à época, apesar de vários jornais terem referido a notícia do Post, muitos expressaram dúvidas sobre a autenticidade dos e-mails — um grupo de antigos agentes dos serviços secretos norte-americanos até se juntou para avisar sobre o que lhe parecia ser uma tática clássica de desinformação russa — e o Twitter e o Facebook chegaram mesmo a bloquear ou limitar parcialmente o acesso a estes conteúdos, pelas dúvidas quanto à sua autenticidade.

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Times e Post falam em investigação a Hunter Biden (que não implica o pai)

Nos últimos dias, chegaram as últimas confirmações: tanto o New York Times como o Washington Post publicaram notícias em que confirmam a veracidade dos e-mails, o que está a irritar alguns congressistas republicanos que têm investigado o assunto, como Chuck Grassley e Ron Johnson, que acusam agora a imprensa de esconder a notícia para beneficiar Joe Biden, e alguns comentadores (no Wall Street Journal, por exemplo, artigos de opinião dão conta de que para estes jornais “finalmente é notícia” o tema Biden).

O New York Post tem publicado vários textos sobre o assunto, acusando os outros órgãos de terem demorado a confirmar a notícia propositadamente, com intenções políticas, e o Times de ter “enterrado o assunto” no 24º parágrafo do texto que publicou esta semana sobre uma investigação federal que está a ser conduzida sobre Biden.

É nesse texto que o Times refere, de facto, brevemente a existência dos e-mails, uma vez que o ângulo do artigo tem a ver com a investigação do Departamento de Justiça sobre suspeitas de fraude fiscal (Biden pagou, desde o início da investigação, centenas de milhares de dólares que supostamente deveria ao fisco norte-americano, o que poderá atenuar uma possível condenação, aponta o Times), infrações de regras de lóbi internacional, lavagem de dinheiro ou posse ilegal de arma (nos Estados é ilegal comprar uma arma sob o efeito de drogas, e o vício de Hunter Biden é conhecido e já foi publicamente assumido pelo próprio).

Na peça do Times, assim como num outro trabalho da CNN, refere-se que a investigação está a intensificar-se nos últimos tempos e a obter testemunhos de pessoas que trabalharam com Biden ou que simplesmente têm conhecimento dos seus negócios e das suas finanças pessoais, como uma mulher que o acusa de não pagar a pensão de alimentos a um filho seu.

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E-mails sobre jantares com Joe Biden

Ora os e-mails do tal computador portátil podem entrar nesta história dados os pormenores que contêm sobre os negócios de Hunter. Num deles, um membro da empresa de gás da Ucrânia Burisma, para a qual Biden trabalhava como consultor recebendo cerca de um 50 mil dólares por mês (45 mil euros), agradece a oportunidade de ter conhecido o “pai”, Joe Biden, num jantar de grupo.

Noutro, é referida a hipótese de Biden pai entrar num negócio com um magnata chinês da energia em 2017, quando já não era vice-presidente de Obama e ainda não era presidente dos Estados Unidos — mas os próprios e-mails indicam que Biden pai recusou envolver-se no negócio. Há ainda e-mails que apontam para uma visita de Joe Biden à Ucrânia, mas o filho indica ao interlocutor que não haverá “controlo do que [Joe Biden] disser ou fizer na visita” e que não vai interferir nas ações de legisladores norte-americanos.

Até agora, não foi feita qualquer acusação a Hunter Biden, que num comunicado no início da investigação dizia-se “confiante em que uma análise profissional e objetiva dos factos” levaria à conclusão de que geriu os seus negócios de forma “legal e apropriada”, sem envolver o pai nem aproveitar a sua influência política. A imprensa norte-americana garante, aliás, que a investigação não levantou até agora quaisquer dúvidas sobre a conduta de Joe Biden.

Essas dúvidas tinham, de resto, sido levantadas por Donald Trump no processo que levou ao seu impeachment no final do mandato, depois de ter acusado Joe Biden de abusar do poder para pressionar a Ucrânia a retirar uma investigação criminal que envolveria o trabalho de Hunter para a Burisma, embora isto nunca tenha sido provado. Já os democratas no congresso americano argumentaram, na altura, que o telefonema que Trump fez na altura para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para investigar Biden e o filho configuraria uma violação da lei, por ter procurado ajuda e pressionado outro país para prejudicar o oponente.

Desta vez, a investigação está a correr e alguns e-mails poderão ser usados para perceber quais os crimes que Hunter Biden poderá ou não ter cometido. A batalha legal ainda não teve um desfecho, mas a guerra entre jornais, comentadores e políticos pró-Trump e pró-Biden nos Estados Unidos continua.