Oito dias depois de a diretora geral da Saúde ter recomendado a utilização de máscara em espaços fechados — “obviamente ainda continuamos a recomendar”, disse Graça Freitas — o Governo anunciou que “estão reunidas as condições para a não obrigatoriedade do uso” das mesmas (exceto em lares, estabelecimentos de saúde e transportes públicos). Mas, afinal, o que mudou neste período de tempo e no combate à Covid-19?

A 13 de abril, a responsável pela Direção Geral da Saúde pedia “alguma calma” já que o número de óbitos por milhão de habitantes, na média a 14 dias, se encontrava acima do definido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) como valor de segurança: 20 óbitos por milhão de habitantes. Esta quinta-feira, esse valor era de 27,9, ou seja, acima do referido valor de referência. Nada que tivesse impedido o Governo de alterar as medidas de prevenção em vigor.

A ministra da Saúde, Marta Temido, garantiu que “naturalmente, todas as medidas têm por base os pareceres técnicos”, mas apontou: “A prudência, há 10 dias, era recomendada pela circunstância [da Páscoa]. Vamos entrar numa nova fase” — com a entrada da medida em vigor já no próximo sábado.

Afinal, o que foi dito numa conferência e noutra?

Marcelo já promulgou fim das máscaras. Medida deve entrar em vigor já sábado

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Há oito dias, DGS considerava que só era “seguro” deixar máscara, quando mortalidade passasse limite dos 20 óbitos por milhão de habitantes”

Na conferência de imprensa de dia 13 de abril, Graça Freitas traçava um cenário que colocava Portugal “longe” de ter “um verão descontraído e seguro”. A última avaliação que tinha sido feita, explicava a diretora geral da Saúde sem indicar a data da mesma, dava conta de 28,5 óbitos por milhão de habitantes na média dos 14 dias anteriores.

[Conferência de imprensa da DGS, a 13 de abril, em que Graça Freitas recomenda o uso de máscaras]

O país estava, então, longe dos 20 óbitos por milhão de habitantes, na média de duas semanas, valor “que os especialistas em Portugal tomaram como de referência para recomendar ao Governo que retire outras medidas restritivas”, lembrou Graça Freitas, anunciando de seguida:

Obviamente, ainda continuamos a recomendar, como é do conhecimento de todos, em espaços fechados, a utilização de máscara.”

A responsável da DGS adiantou que “os especialistas consideraram que era seguro abandonar o último conjunto de medidas restritivas quando a mortalidade passasse aquele limite dos 20 óbitos”. “Essa é a linha, a barreira de segurança que os especialistas recomendaram ao Governo“, reforçou, pedindo “alguma calma”. “Vamos continuar [a recomendar] enquanto considerarmos que é uma medida protetora e segura”, rematou.

Uso de máscara deixa de ser obrigatório e também nas escolas

Governo reconhece que Portugal não está no “patamar ideal”, mas decide “entrar numa nova fase”

Esta quinta-feira, oito dias depois da conferência de imprensa da DGS, o Governo veio anunciar uma medida oposta à recomendação dos especialistas. “Estão reunidas as condições para a não obrigatoriedade do uso de máscaras”, disse a ministra da Saúde, Marta Temido, reconhecendo, ainda assim, que Portugal não está no “patamar ideal” no que diz respeito à mortalidade provocada pela Covid-19.

[Conferência de imprensa do Governo, a 21 de abril, em que a Ministra da Saúde anuncia o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras]

Segundo a governante, os especialistas da DGS sugeriram que o acompanhamento da gestão da pandemia se mantivesse com base em dois indicadores: as camas ocupadas nos cuidados intensivos por doentes com Covid-19 e o número de óbitos por milhão de habitantes na média a 14 dias.

E como estão esses indicadores? Há 46 camas ocupadas — menos de metade do valor de referência de 106.  E o número de óbitos por milhão de habitantes, a 14 dias, situa-se nos 27,9 — uma descida em relação ao valor adiantado por Graça Freitas na conferência de imprensa de 13 de abril, mas ainda assim superior ao defendido pelo ECDC. “Temos uma dupla circunstância: o número de internados está confortavelmente abaixo do definido, mas ao mesmo tempo não encontramos ainda o numero ideal de óbitos a 14 dias”, declarou Temido , assumindo:

Não estamos no patamar ideal, mas entendemos assumir com transparência que o caminho permite alterar o enquadramento que temos. Porque estamos também a assumir que as circunstâncias da pandemia mudaram.”

A ministra da Saúde enumerou, então, as várias razões que levaram o Governo a “assumir” este novo cenário, afastando qualquer hipótese de não existir articulação com a DGS.

Mortalidade geral. Apesar de “alguns dias de excesso”, os óbitos por todas as causas — isto é, não apenas por Covid-19 — estão dentro dos valores esperados para a época do ano e, além disso, o indicador encontra-se “estável desde fevereiro”;

Vacinação. A percentagem de vacinação contra a Covid-19 “é muito protetora”;

Medicamentos. Marta Temido adiantou que estão a chegar ao mercado novos fármacos para os casos mais graves da doença;

Conhecimento. Existe agora um “muito maior conhecimento da doença” do que existia “há alguns meses ou no início da pandemia”, defende a governante;

Covid-19 na Europa. A “conjuntura internacional ao nível da Europa é favorável” no que diz respeito à evolução da pandemia;

Proximidade do verão. A ministra explicou ainda que se aproxima um “período que, ao nível da sazonalidade e das temperaturas, é menos favorável à transmissão de vírus”;

O Observador questionou a DGS sobre se concorda com a medida adotada, mas até ao momento não obteve resposta. Já a governante, durante a conferência de imprensa, explicou que é seguido, “desde o primeiro momento, o princípio da proporcionalidade”. “Reconhecemos que os indicadores que fomos utilizando a cada momento — classificados como linhas vermelhas — foram úteis, são úteis e são guias“, disse, rematando: “Mas podem ser lidos em função do contexto e circunstância“.