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“Anatomia de um Escândalo”. Uma boa ideia nem sempre é bem concretizada

Este artigo tem mais de 2 anos

David E. Kelly voltou a criar uma série em que os segredos domésticos das classes altas escondem thrillers. Mas ainda há maneira de repetir a fórmula de "Big Little Lies" com sucesso e relevância?

James e Sophie Whitehouse, o casal que protagoniza uma crise matrimonial que é bem mais do que isso. Ou será que na verdade não é? Ou podia ter resultado numa história bem melhor?
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James e Sophie Whitehouse, o casal que protagoniza uma crise matrimonial que é bem mais do que isso. Ou será que na verdade não é? Ou podia ter resultado numa história bem melhor?

James e Sophie Whitehouse, o casal que protagoniza uma crise matrimonial que é bem mais do que isso. Ou será que na verdade não é? Ou podia ter resultado numa história bem melhor?

No final do julgamento, os jurados presentes neste tribunal terão de deliberar e decidir se:

a) “Anatomia de um Escândalo” merece ou não todo o sucesso que está a ter?
b) David E. Kelley consegue repetir a fórmula de “Big Little Lies”?

A decisão não será fácil nem linear. A nova minissérie da Netflix não tem um percurso estável durante os seis episódios disponíveis no streaming. A história começa bem, parece ter potencial, mas os produtores e guionistas lembraram-se de juntar tanta coisa que, no final, é muito fogo de artifício para pouco conteúdo.

Vamos aos factos: esta é a história de James (Rupert Friend) e Sophie Whitehouse (Sienna Miller), que veem o casamento à beira da ruína quando ele, ministro cheio de pinta, percebe que o caso que teve com uma funcionária vai ser exposto na imprensa. “OK”, pensa Sophie, “foi só sexo” e siga o baile — que ela é rica, não trabalha, tem uma empregada a tratar das duas crianças, mas não tem tempo a perder com uma coisa sem importância. Não tem tempo para isso nem para cozinhar, claramente. Os miúdos têm direito a uma pizza Ristorante ali dos congelados do supermercado da esquina e fazem uma festa como se fosse a primeira vez que estão a ver o mar.

Depois o caso vira acusação de violação. “OK”, pensa Sophie, “foi só sexo e uma novata aproveitadora” — na cabeça dela não se coloca sequer a hipótese de ser verdade. Sente-se humilhada, mas há que continuar a viver e a comer a lasanha perfeita do seu perfeito marido porque, afinal, não há casamentos perfeitos, “boys will be boys (rapazes serão rapazes)”, como se diz várias vezes nos episódios, e as mulheres dondocas que se aguentem neste mundo perfeito de fachada.

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[o trailer de “Anatomia de um Escândalo”:]

O barco vira (vemos literalmente a personagem a cambalear como se estivesse nauseada) quando Sophie ouve a vítima dizer em tribunal que estava apaixonada por James. Se só aqui é que está o problema, há qualquer coisa muito errada neste casamento. Aliás, há qualquer coisa muito errada com esta série. David E. Kelley vai buscar a “Big Little Lies” e a “The Undoing” (duas outras séries que também criou) o mesmo ambiente: casamentos que não são o que parecem, gente de classe média alta que esconde segredos, amigos capazes de encobrir crimes. Até aqui tudo bem: um político caído em desgraça que esconde algo mais do que quer revelar.

Vamos pensar nisto como sendo um simples bolo de chocolate. A base é ótima e a receita foi testada várias vezes. Se lhe juntarmos depois morangos, chantilly, bolachas, avelãs e gomas, pode até parecer uma ideia vencedora mas, a probabilidade de ficarmos mal-dispostos depois de seis fatias é muito elevada. É o que acontece aqui: até mais ou menos metade, “Anatomia de um Escândalo” funciona. À narrativa vão sendo acrescentadas imagens levadas à letra — quando James recebe a intimação da polícia, a personagem é projetada para trás em câmara lenta como se tivesse acabado de levar um soco; quando Sophie sai do tribunal e sente que está a cair num abismo, vemos a personagem a cair de costas, desamparada, de uma altura de vários andares.

“Criada”, também da Netflix, fez isto muito bem: quando a protagonista estava mergulhada numa depressão profunda era literalmente engolida por um sofá ou estava no fundo de um poço sem escada à vista. “Anatomia de um Escândalo” não faz, porque exagera. Usa este estilo demasiadas vezes e o problema é não ser apenas este. Os relatos e as memórias são um pingue-pongue constante entre passado e presente e as personagens misturam-se — estão lá, em plena cena, a imaginar o que aconteceu num momento que nunca lhes pertenceu. Os ângulos escolhidos para filmar são muitas vezes estranhos e só acrescentam ruído àquilo que já é caótico.

Naomi Scott, Rupert Friend, Michelle Dockery e Sienna Miller são os protagonistas de "Anatomia de um Escândalo"

A série — que E. Kelley escreveu com Melissa James Gibson (guionista em “House of Cards” e “The Americans”) — apresenta temas fulcrais, como a questão do consentimento e da violação em relações, mas parece ficar sempre aquém das expectativas. Michelle Dockery (a Mary de “Downton Abbey”) é Kate, a procuradora responsável por levar a tribunal todas estas questões. A sua personagem é difícil de decifrar até tarde, embora pretenda ser mais um dos papéis femininos fortes que David E. Kelley adora ter nas suas produções. Sim, há aqui um plot twist, também ela esconde coisas relevantes para a história, mas será que é assim tão credível toda aquela transformação (e mais não posso dizer antes que alguém me processe por spoilers infligidos à humanidade)?

Duas mulheres muito distintas — uma que abandonou a carreira, a outra que só vive para a carreira – movem-se e tentam impor-se num mundo dominado por homens, onde tudo é permitido a alguns. A classe média alta aqui é snob até a dizer asneiras. “My darling man, where the fuck are you? — Meu querido homem, onde (preencher com asneira à escolha) te meteste?”, questiona Sophie ao marido, por telefone, quando este se atrasa para uma festa de aniversário super fina e cheia de champanhe. Há muito champanhe desperdiçado nesta série, é uma afronta. Os protagonistas vêm de uma sororidade na qual miúdos ricos e mimados faziam o que lhes apetecia, sem limites ou consequências. Esses mesmos miúdos ricos e mimados transformaram-se em adultos ricos e arrogantes que lideram agora a política britânica e continuam a achar que não há limites ou consequências. Spoiler alert: o primeiro-ministro está metido ao barulho. Mas isso toda a gente consegue deduzir logo nos primeiros episódios.

“Anatomia de um Escândalo” merece todo o sucesso que está a ter? Será que chegamos a uma conclusão sequer? A história base é boa, há reviravoltas interessantes, mas existe muito exagero pelo meio. Quanto à alínea b, “The Undoing” já tinha sido um tiro ao lado em muitos aspetos e esta série está longe de ter a qualidade de “Big Little Lies”. Assim sendo, os jurados deste tribunal não conseguem chegar a unanimidade e sugerem um novo julgamento. Está encerrada a sessão.

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