Duas semanas antes de ser brutalmente esfaqueado, Salman Rushdie sentia que a sua vida seguia num registo “relativamente normal”, confessou, numa entrevista que deu à Stern, a partir de Nova Iorque, cidade onde vive. Para a conversa com a revista alemã, que aconteceu no escritório de Andrew Wylie, o seu agente, junto ao Central Park, surgiu sozinho, vestido de fato cinzento. Há muitos anos que não aparecia sem um segurança, descreveu o jornalista Raphael Geiger.

Com 75 anos, parecia um homem “tranquilo”, ainda que carregasse algumas preocupações. Mas, contra todas as expectativas, não tinham que ver com a sua segurança  — o estado do país que o acolheu, os Estado Unidos da América, inquietava-o mais. Sem querer discutir muito a fátua, referiu apenas que se “tratava de um assunto sério”, celebrando o facto de a internet não existir na altura em que o regime iraniano ordenou a sua morte.

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O autor tinha desde 1989 a cabeça a prémio. Em causa estava a publicação de “Versículos Satânicos”, obra descrita como “blasfema” pelo aiatola Ruhollah Khomeini, líder supremo do Irão e um dos principais mandantes dos muçulmanos xiitas, que condenou o autor à morte, prometendo na fátua emitida uma recompensa de  2,7 milhões de euros para quem o matasse.

Foram décadas de ameaças de morte. Salman Rushdie só reemergiu em 1998 quando o Irão deixou oficialmente de apoiar a fátua que o aiatola tinha emitido em 1989. Ao longo desses nove anos, escreveu sob um pseudónimo: Joseph Anton. Mas ameaças de morte, e a caça ao homem pelos mais extremistas, continuaram e o prémio pelo seu assassinato até foi atualizado para mais de 3,2 milhões de euros. Nada que o autor de “Dois Anos, Oito Meses e Vinte e Oito Dias” — o romance que escreveu em 2015, a seguir ao livro de memórias “Joseph Anton” — temesse neste momento: “Eu tinha 41 anos na época, agora tenho 71. As coisas estão bem agora. Vivemos num mundo onde o assunto muda muito rápido. E este é um assunto muito antigo. Há agora muitas outras coisas para se temer e outras pessoas para matar”, considerou numa entrevista em 2019.

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A 12 de agosto o autor foi esfaqueado 15 vezes antes de iniciar um discurso em Nova Iorque. Detido sem fiança, o autor do crime foi Hadi Matar. Andrew Wylie, agente do escritor, anunciou na meia-noite de sábado, 13 de agosto, que Rushdie já tinha sido operado. O escritor está ventilado e não fala: “As notícias não são boas”, admitiu: “O Salman vai provavelmente perder um olho, os nervos no seu braço foram maltratados e o fígado foi esfaqueado e danificado”.