Pelo menos uma pessoa morreu e 40 ficaram feridas na madrugada deste sábado depois de uma tempestade ter destruído várias infraestruturas de um festival em Valência, em Espanha. Os ventos fortes demoliram a entrada para o recinto, partes do palco principal e algumas estruturas montadas na cidade espanhola.

Três dos feridos estão em estado considerado muito grave e 14 exibem ferimentos leves, avançou o instituto de emergência equivalente ao INEM espanhol. A vítima mortal é um homem de 22 anos que foi atingido por um objeto que voou do palco principal do Festival Medusa, na praia de Cullera.

O instituto de meteorologia espanhol (AEMET) confirmou durante a madrugada que se registaram em Valência ventos muito intensos e uma subida abrupta da temperatura. Um sensor instalado no Aeroporto de Alicante-Elche (que também serve a região sul da comunidade valenciana) detetou uma rajada de vento na ordem dos 82 km/h às três da manhã, menos uma hora em Lisboa. A temperatura a essa hora era de 40,5ºC.

O fenómeno extremo foi provocado pela deslocação para leste das tempestades que se registaram durante o dia em Albacete e em Múrcia — e que também provocaram trovoadas durante a noite no Algarve e em algumas zonas do Alentejo.

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O fim pode não estar à vista porque há novas tempestades previstas para este sábado. E não só em Espanha: em Portugal, depois de o sul do país ter registado tempestades ao longo da última noite, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou os distritos de Beja e Faro sob aviso amarelo até ao início da tarde deste sábado devido ao risco de “trovoadas frequentes e dispersas”.

As informações recolhidas com radares e as imagens captadas por satélites mostram que a tempestade da madrugada passada atingiu Alicante às duas da manhã e entrou em Valência duas horas mais tarde. Entretanto, a Generalitat Valenciana (o governo regional da comunidade) já anunciou que criou um número para prestação de informações às vítimas das condições meteorológicas que atingiram o festival: 900 365 112.

As imagens que foram partilhadas pelos participantes no festival valenciano, verificadas pelo VOST da comunidade espanhola — uma associação de voluntários digitais que colabora com as autoridades nacionais em situações de emergência —, mostram a multidão a ser atingida pelas rajadas fortes e as estruturas do evento a baloiçarem intensamente ao sabor do vento.

Segundo o AEMET, uma massa de ar quente e muito seco vinda de África, com quatro quilómetros de espessura, abateu-se sobre o ar húmido e mais frio vindo do mar que se tinha estabelecido logo acima da superfície terrestre. E as nuvens extremamente saturadas da tempestade, que carregavam chuva e carga elétrica, cobriram Valência a cerca de cinco quilómetros de altitude — ou seja, logo acima da massa de ar quente.

À conta disso, a água da chuva que caía da base da nuvem evaporou ao atravessar o ar quente e, ao arrefecer, tornou-se progressivamente menos densa que o ar em seu redor, caindo cada vez mais depressa em direção ao solo. A evaporação da chuva forma uma corrente de ar descendente, que vai acelerando e causa rajadas fortes de vento.

Em Valência, aconteceu mais do que isso. Normalmente, quando o ar mais frio aquece junto ao solo, tornando-se mais denso que o ar mais quente em altitude, as massas circulam em convecção — como acontece à água quando se aquece uma panela no fogão. No entanto, há um fenómeno chamado inversão térmica em que o ar frio fica preso junto à superfície porque não aquece. Isso impede o ar quente de descer e deixa de haver renovação do ar, o que pode ser um problema de saúde pública porque mantém os poluentes das cidades na zona respirável da atmosfera.

Quando isso acontece, a corrente de ar que se forma pela evaporação da chuva empurra consigo a massa de ar quente com que se cruza pelo caminho, atravessando o ar mais frio até colidir com o solo. Isso provoca um aumento brusco da temperatura à superfície, que em Valência foi exacerbado pela origem em baixa altitude. Ou seja, não havia uma camada de ar frio suficientemente grande para desacelerar o vento quente que descia na vertical.

Embora o fenómeno já tenha cessado — na verdade, costuma ser de curta duração — os alertas meterológicos continuam ativos em Valência. Os peritos já avisaram que “existem condições favoráveis para que estes fenómenos ocorram” novamente. Num tweet publicado esta manhã, por volta das 10h30 de Lisboa, os meteorologistas espanhóis explicavam que “a esta hora está muito quente, mas o tempo está calmo em termos de tempestades e ventos”.

Aguaceiros e tempestades aparecem no centro e oeste da Península que se deslocarão para leste. Tal como aconteceu de madrugada, o avanço esta tarde das tempestades do interior da Península para o nosso território pode voltar a desencadear a convecção e voltar a gerar fortes rajadas de vento e explosões de temperatura”, descreveu a AEMET.

São estas as tempestades que também podem atingir o sul de Portugal este sábado. Mas em Espanha, toda a comunidade valenciana “está em alerta para tempestades que podem deixar rajadas de vento muito fortes”. Há mesmo um aviso meteorológico extremo de incêndios e de temperaturas elevadas, que podem chegar aos 43ºC.

As preocupações concentram-se sobretudo nas regiões de Vega Baja del Segura e no vale do Vinalopó, onde o calor se pode unir às “rajadas muito fortes de vento”, como avisa a última atualização do instituto AEMET, publicada às 12h locais, menos uma hora em Portugal Continental. As autoridades aconselham a população a manter-se longe de edifícios em mau estado e estruturas em obras, assim como de zonas com muitas árvores, a retirar todos os objetos das janelas e varandas, evitar conduzir e encontre uma área segura dentro dos edifícios onde se possa proteger.

“Com o estado atual da ciência, não se pode prever exatamente onde e quando fenómenos como os desta madrugada vão acontecer, mas é possível apontar áreas suscetíveis”, esclareceu a AEMET. E sugere que todos estes acontecimentos extremos podem ser produto das alterações climáticas.

“Se o que está a acontecer neste verão tivesse sido há 30 anos, certamente teríamos dito: ‘Demorará muitos anos para vivermos um verão como este novamente, talvez nunca o vejamos’. Em 2022 não podemos mais fazer uma declaração tão forte. Esses fenómenos estão se a tornar-se mais frequentes”, avisaram os meteorologistas.

Aliás, um artigo publicado pelo instituto meterológico espanhol em 2021 já apontava que as anomalias com temperaturas quentes só se detetavam em 5% dos dias analisados pelos cientistas, referentes às últimas três décadas. Mas nos últimos 30 anos do século XXI podem ocorrer em 50% dos dias. Ou seja, “o que antes era raro pode tornar-se normal”.