Pelos seus ideais, políticos ou religiosos, pelas suas identidades ou orientações sexuais, a história de muitos escritores está marcada pela perseguição e pela violência. Há séculos que as obras de homens e mulheres das letras convocam raivas que desaguam em verdadeiras escaladas de ódio. Quando há um mês Salman Rushdie, escritor britânico nascido na Índia, foi atacado durante uma palestra em Nova Iorque, os holofotes voltaram-se novamente para a história de muitos outros autores cujas vidas foram marcadas pelo exílio e pela perseguição. É uma realidade que se mantém contemporânea. Aqui recordamos alguns dos casos mais marcantes:

Salman Rushdie

Desde a publicação de Os Versículos Satânicos, em 1989, que o escritor tem recebido inúmeras ameaças de morte. O livro que causou controvérsia no mundo islâmico, considerado ofensivo ao profeta Maomé, conduziu mesmo a uma ordem de execução pelo então líder iraniano, Aiatolá Ruhollah Khomeini. Em consequência, o autor de Os Filhos da Meia-Noite (1980) foi obrigado, durante anos, a viver em anonimato devido ao medo de represálias. Vencedor do Prémio Booker, os seus livros têm sido marcados por personagens que habitam em contextos históricos específicos, não sendo alheios a temas políticos e religiosos, muitas vezes controversos. No passado dia 12 de agosto foi esfaqueado pelo jovem libanês de 24 anos Hadi Matar, nascido nos Estados Unidos e considerado por especialistas em radicalismo islâmico como um simpatizante do Irão e da Guarda Revolucionária iraniana. Rushdie luta agora pela sua sobrevivência.

Alexander Soljenítsin

A obra que construiu é o reflexo das perseguições de que foi alvo durante o período do estalinismo. Preso e condenado pelo regime soviético ainda antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), onde serviu como comandante do Exército Vermelho, Alexander Soljenítsin foi acusado de fazer críticas ao líder Josef Estaline e de fazer propaganda antissoviética. Como resultado, foi condenado a oito anos de trabalhos forçados nos gulags, de 1945 a 1953, e posteriormente ilibado durante o período de abertura criado pelo seguinte líder, Nikita Khrushchev. Nas décadas seguintes, tornou-se num dos autores mais importantes na denúncia contra as barbáries cometidas ao longo do regime soviético, notavelmente através das obras Um Dia na Vida de Ivan Denisovich (1962) e O Arquipélago Gulag (1973), esta última valendo-lhe uma ordem de expulsão da União Soviética e da Rússia, onde só voltaria em 1994, depois da queda do Muro de Berlim. Lá permaneceria até à sua morte em 2008. Recebeu o prémio Nobel de Literatura em 1970.

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Mahmoud Darwish

Verão de 1982, Beirute, Líbano. Confinado num pequeno apartamento, situado na zona oeste da capital do Líbano, o escritor e poeta palestiniano escrevia as primeiras frases de “Memory for Forgetfulness” (sem edição portuguesa), um longo poema em prosa, que relata os bombardeamentos e invasão de Israel ao Líbano a acontecer naquele preciso momento. Esta não era a primeira vez que Darwish se via numa situação de exílio e de perigo face às escaladas de violência no Médio Oriente. Nascido em 1941, desde cedo que se viu forçado ao exílio do território palestiniano, atacado por forças israelitas. Preso por diversas ocasiões, exilado na União Soviética, no Líbano e finalmente nos Estados Unidos da América, onde viria a falecer em 2004, tornou-se numa das vozes mais audíveis do mundo árabe. Darwish é o autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida pelo líder palestino Iasser Arafat, quando este declarou unilateralmente a criação do Estado Palestininano. Considerado o poeta nacional da Palestina, as suas obras, entre as quais Na Presença da Ausência, publicada em Portugal pela Flâneur, refletem o sentido de perda e exílio que marcaram a sua vida.

Reinaldo Arenas

Escritor cubano, homossexual, Reinaldo Arenas foi, durante os primeiros anos da revolução cubana, um entusiasta do regime de Fidel Castro. Quando era adolescente chegou mesmo a fazer parte dos grupos revolucionários de rebelião contra o ditador Fulgencio Batista. Numa primeira fase de efusão, assiste à publicação das suas primeiras obras, é convidado a trabalhar na Biblioteca Nacional de Cuba, convivendo de perto com outros escritores notáveis da época, como José Lezama Lima e Virgilio Piñera. Em meados da década de 1960, Arenas e outros escritores começam a ser perseguidos pelo regime. Foi preso, torturado e forçado a abandonar mesmo diversos trabalhos, tendo tentado escapar de Cuba ao longo dos anos seguintes, algo que só acontece nos anos 70, devido a uma autorização de saída de todos os homossexuais e de outras persona non grata ao regime castrista. Estabeleceu-se em Nova Iorque, onde foi diagnosticado com o vírus da Sida. Nesse período escreveu a sua autobiografia, intitulada Antes que anoiteça, adaptada ao cinema no ano 2000 por Julian Schnabel. Morreu em 1990.

Miguel Torga

Durante o Estado Novo (1933 – 1974) muitos foram os escritores e artistas que viram as suas obras censuradas pelo regime ditatorial. Entre estes, Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, foi um dos escritores mais fustigados pelo lápis azul da censura prévia. Opositor tenaz ao regime salazarista, chegou a estar detido nos calabouços do Aljube e um dos seus livros mais emblemáticos, O Quarto Dia da Criação do Mundo, acabou apreendido às ordens da polícia política. Em 1958, foi muito aplaudido ao discursar em Coimbra num comício da candidatura do general Humberto Delgado. Dez anos depois, quando Salazar mandou exilar Mário Soares em São Tomé, Torga integrou uma “comissão de auxílio” ao futuro Presidente da República. Até à Revolução de Abril de 1974, viu treze dos seus livros censurados e apreendidos pelo regime.

Marquês de Sade

Estar dentro ou fora dos cânones, eis a questão? Na certeza de que Marquês de Sade foi e continua a ser um autor controverso, está também a certeza de que foi um dos primeiros escritores verdadeiramente perseguidos pela sua obra. Defensor de uma liberdade absoluta, sem restrições de moralidade, religião ou lei, as suas obras – uma boa parte delas publicadas de forma clandestina – são exemplo de que também as palavras incomodam. Sem nenhuma acusação legal contra ele, Donatien Alphonse François de Sade, nascido em 1740, passou grande parte da sua vida (cerca de 32 anos) encarcerado em diversas prisões e asilos. Autor de obras marcadamente eróticas e transgressoras, entre elas “Filosofia da Alcova”, “Justine ou Os Infortúnios da Virtude” ou “Os Cento e Vinte Dias de Sodoma”, viria a morrer na prisão em dezembro de 1814. A sua obra só viria a ser valorizada no início do século XX, através de Apollinaire e dos surrealistas.

Dubravka Ugrešić

Ao contrário de Sade, a sina da escritora croata Dubravka Ugrešić é bastante recente. Nascida em 1949, na ex-Jugoslávia, Ugrešić tem sido reconhecida pela sua obra focada no exílio e na Europa após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Com a eclosão da Guerra Civil Jugoslava, em 1991, Ugrešić assumiu uma posição firme antiguerra e antinacionalista. Criticou os crimes perpetuados durante o conflito que se estendeu até 2001, tornando-se alvo de crítica e perseguição por parte dos media croatas e de uma boa parte da sociedade civil. Vista como inimiga pública, acusada de traição e de manter uma postura antipatriótica, deixou a Croácia em 1993 após uma longa série de ataques públicos. Desde 1996 que vive radicada em Amesterdão, nos Países Baixos, e recusa a identificar-se como escritora croata. Em Portugal estão publicados os títulos O Museu da Rendição Incondicional, Raposa e A Idade da Pele (Cavalo de Ferro).