Este artigo é da responsabilidade da PLMJ

Texto: Madalena Perestrelo de Oliveira e Ana Nunes Teixeira, da equipa de Corporate M&A da PLMJ

Nos últimos anos tem crescido a atenção em torno das organizações autónomas descentralizadas (DAO), organizações humanas sem hierarquia, baseadas na blockchain, onde as decisões são tomadas bottom up e executadas de forma automatizada por smart contracts.

Para alguns é ainda difícil esquecer o grande hack da The DAO em 2016, que importou o desvio de 1/3 dos tokens DAO. Passados vários anos, embora as vulnerabilidades das DAO não se encontrem ultrapassadas, é inquestionável o seu apelo, resultante de virem substituir o tradicional modelo de governo societário, assente na separação entre propriedade (sócios) e controlo (administração), pelo paradigma democrático, onde todos os participantes teriam igual hipótese de fazer propostas e direito de as votar. As DAO pretendem, por isso, criar confiança sem confiar em ninguém (trustless trust): confia-se no smart contract, mas não em terceiros, v.g., nas pessoas por detrás do projeto.

A realidade demonstra, no entanto, que muitos protocolos DAO não são verdadeiramente descentralizados. Muitas DAOs adotam formas mais ou menos intensas de gatekeeping, fazendo as decisões depender de um conjunto de pessoas chave na organização. Trata-se de uma forma de mitigação dos conflitos de interesses que inevitavelmente surgem em comunidades alargadas de participantes. Pense-se no caso da Uniswap, que corria sem intervenção humana, mas em relação à qual, em julho de 2021, a Uniswap Labs, que desenvolveu a interface que serve de base ao protocolo Uniswap, restringiu o acesso aos tokens, gerando dissenso sobre se, afinal, a DAO era verdadeiramente descentralizada.

O modelo das DAOs traz associados claros benefícios e tem vindo a ser utilizado para prosseguir diversas finalidades: desde a angariação de fundos com vista à realização de investimentos (Investment DAOs), à gestão de plataformas de negociação de criptoativos e outro tipos de protocolos descentralizados (Protocol DAOs), à recolha de donativos para o financiamento de determinados projetos (Grant DAOs) ou para fins de solidariedade social (Philanthropy DAOs) e até mesmo para a aquisição e colecionamento de obras de arte (Collector DAOs).

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No entanto, não estão isentas de riscos: o facto de a maioria dos ordenamentos jurídicos não reconhecer às DAOs personalidade jurídica levanta diversas dificuldades do ponto de vista jurídico e operacional, quer ao nível da representação destas entidades na interação com terceiros, quer ao nível da separação entre o património de uma DAO e os patrimónios pessoais dos seus participantes.

O caminho para ultrapassar as vulnerabilidades das DAOs e atingir as suas potencialidades é, ainda, longo e exige comunicação estreita entre o Direito e Tecnologia.

Para promover esse diálogo, o Lisbon DAO Observatory, uma iniciativa de um projeto de investigação criado dentro do Centro de Investigação de Direito Privado (CIDP) da Faculdade de Direito de Lisboa, organizou a Lisbon DAO Hackathon, entre o dia 31 de outubro e 1 de novembro, no Hood Lisboa, onde vai ser apresentado um conjunto de desafios jurídicos e tecnológicos sobre DAOs.

Toda a comunidade é chamada para a discussão ou não fosse esta uma conversa em torno de organizações descentralizadas. Queremos que a Lisbon DAO Hackathon seja um fórum para motivar o conhecimento em torno das DAOs e para trocar novas ideias.

Ouça aqui o episódio do Podcast da PLMJ sobre o tema.