Para a esquerda, uma série de suspeitas “gravíssimas” que devem ser investigadas. Para o Chega, uma forma de fazer do partido e da polícia dois “bodes expiatórios” para desviar a atenção dos casos que se multiplicam no seio do Governo. São muito diferentes as reações no espetro político à investigação de um consórcio de jornalistas que revelou a prática de alegados crimes de ódio em grupos de polícias nas redes sociais.

Depois de o Governo ter reagido com o anúncio da abertura de um inquérito, o Chega não demorou a reagir e até a anunciar que vai “denunciar às instâncias europeias” aquilo a que chama uma “prática letal” contra os polícias. No Parlamento, André Ventura criticou o que diz ser uma “atitude persecutória” do Governo sobre as forças policiais, que quererá “espezinhar” com base em “mensagens em grupos privados para denegrir a sua imagem”, desvalorizou.

Assim, e mesmo frisando que o Chega é contra “práticas de racismo, xenofobia e discriminação”, Ventura considerou que tudo não passa de uma forma de “associar estas práticas a um partido” para fazer do Chega e dos polícias “bodes expiatórios para os próximos meses”.

E garantiu que não irá “colaborar” para esclarecer ligações políticas que os polícias possam ter, a não ser que haja uma “intimação” judicial: “Os polícias são humanos, como nós, não são robôs. Têm direitos políticos, não se lhes pode pedir que olhem para o lado e não vejam a sociedade em que estão a viver. Ninguém se preocupou que classes profissionais fossem tomadas pelo PCP”, atirou.

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Aberto inquérito para apurar prática de alegados crimes de ódio por forças de segurança nas redes sociais

Do lado da Iniciativa Liberal, alguma cautela: João Cotrim Figueiredo deixou uma palavra de “condenação veemente a tudo o que sejam manifestações de racismo, xenofobia, intolerância” mas sobretudo da parte de forças e serviços de segurança, que “devem estar estritamente dentro da legalidade constitucional, o que aparentemente não é o caso”. Ainda assim, fez questão de salientar que estes casos não podem “manchar” todos os agentes de segurança, já que estes, na “esmagadora” maioria dos casos, cumpre a lei e a sua função com abnegação”

Por isso, defendeu, é importante que os portugueses “não alinhem numa narrativa e uma tentativa de lançar um anátema sobre a generalidade das forças e serviços de segurança”.

Esquerda vê dados “gravíssimos” e quer audições

Já a esquerda veio concordar com a reação do Governo — mas considerando que peca por tardia. Para o PCP, como se lê num comunicado enviado às redações, estes dados são “gravíssimos”. E, sem confundir todos os polícias com “esses que só mancham a farda que envergam”, o partido ataca: “O PCP não pode deixar de assinalar que uma investigação jornalística fez aquilo que as instituições respetivas não fizeram”.

Assim, o partido diz agora, sobre a abertura de um inquérito por parte do ministério da Administração Interna, que “outra coisa não se esperaria”: “A questão é o seu resultado e é fundamental que este seja célere”. Mas, a apontar para o futuro, o partido quer também que se comece logo pela seleção e formação dos polícias para evitar que comportamentos destes se repetem.

Entretanto, os comunistas vieram anunciar que vão requerer a presença “urgente” do ministro da Administração Interna, da Inspetora Geral da Administração interna e do DCIAP, no Parlamento, para serem ouvidos sobre o caso.

Também o Bloco de Esquerda reagiu chamando o ministro da Administração Interna (que já afirmou ter disponibilidade para isso) a ser ouvido no Parlamento. E condenando os comportamentos relatados nesta investigação: “A confirmarem-se, por incitarem ao ódio e apresentarem uma ameaça explícita à segurança de terceiros, os comportamentos de membros das forças de segurança relatados assumem uma enorme gravidade e constituem uma grosseira e flagrante violação da lei, da Constituição e uma afronta ao Estado de Direito”.

Até porque, diz o partido, comportamentos ilícitos da parte de forças de segurança são particularmente graves — “absolutamente intoleráveis” — porque podem pôr em causa “a confiança e a credibilidade de uma instituição basilar do Estado, que, nos termos da lei, detém o monopólio do uso da força”.

Do lado do PS, a deputada Joana Sá Pereira veio dizer que o partido está a acompanhar as notícias “com preocupação”, embora os socialistas queiram focar-se em aguardar os resultados do inquérito, com “serenidade”.  “São afirmações e comportamentos que, a confirmarem-se, podem ser questionáveis no Estado de direito democrático, e aquilo que nós não podemos fazer é contribuir para a descredibilização das forças e serviços de segurança”, lembrou.

Uma posição semelhante à do Livre, que disse ver este caso “com muita preocupação” e esperar que sejam ouvidas todas as entidades envolvidas, além de considerar, pela voz do dirigente Tomás Cardoso Pereira, este caso “um murro no estômago”: ““Choca-nos a impunidade com que estes agentes fazem este tipo de comentários nas redes sociais, choca-nos a impunidade com que o fazem e choca-nos porque mancha o bom nome das restantes dezenas de milhares de trabalhadores das nossas forças de segurança”, lamentou.

O ministério da Administração Interna considerou que as alegadas mensagens reveladas na investigação jornalística, e que fala numa base de dados que inclui 591 agentes, em grupos com elementos da PSP e da GNR, que terão divulgado “conteúdo discriminatório e de ódio”, são “de extrema gravidade” e justificam um inquérito de caráter “prioritário”.

Esta tarde, o ministro veio lembrar os “valores acrescidos” das forças de segurança na proteção dos valores constitucionais, mas recordar também que não se pode “confundir a parte com o todo” e rejeitar soluções como suspensões provisórias, uma vez que pode haver “usurpação de identidade” nas redes e é preciso confirmar que os polícias estão bem identificados.

Já a PSP disse que vai “participar às autoridades judiciais competentes os indícios referidos no artigo e peça jornalística em questão”, mas referiu também que a melhor forma de “combater as condenáveis tendências e desvios racistas, xenófobos ou incitadores do ódio” é responsabilizar os autores e não “formular generalizações que afetem negativamente a imagem e a reputação de uma Instituição e dos seus polícias”.

Texto atualizado com as posições dos partidos e do ministro da Administração Interna.