A Human Rights Watch lembrou esta quinta-feira a necessidade de compensar trabalhadores migrantes e famílias após mortes e abusos nos trabalhos de preparação para o Mundial2022 de futebol, a partir de domingo no Qatar.

“A uma semana do arranque, a estratégia da FIFA de enterrar a cabeça na areia, para ganhar tempo, e esperar que o entusiasmo pelo futebol tape os abusos de direitos humanos, vai falhar”, explicou Rothna Begum, uma das investigadoras da Human Rights Watch, ela própria filha de migrantes.

A Human Rights Watch organizou na quinta-feira uma conferência, por via telemática, com especialistas de países como o Nepal, um dos mais visados, Uganda, Bangladesh, Filipinas e Índia.

Esta sessão junta-se a um vídeo em que nepaleses, incluindo trabalhadores, famílias e mesmo adeptos de futebol, falam sobre os 12 anos de preparativos para o campeonato do mundo em que milhares de migrantes sofreram abusos de direitos humanos, morreram nos trabalhos, ou foram explorados no país anfitrião.

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Amnistia exige investigação a milhares de mortes de trabalhadores ligados ao Mundial 2022

Na conferência, o nepalês Ram Pukar Sanahi contou aos jornalistas como se deslocou ao Qatar para trabalhar no Mundial2022, juntamente com o pai, em 2017, em duas empresas diferentes, e inicialmente conseguiam fazer “muito dinheiro para mandar para a família”.

Voltou, para o casamento de uma irmã, e já não regressou depois ao Qatar, ao contrário do pai, que passou de estar “muito saudável” para morrer de súbito, numa noite, quando estava a trabalhar num local de construção.

“Não sei como morreu, porque estava saudável, não conseguia acreditar. (…) Só nos mandaram o corpo, não nos mandaram qualquer compensação. Recebemos o salário e o bónus. Só isso”, contou.

Mais tarde, as autoridades do Qatar consideraram esta uma morte por causas naturais, por um problema cardíaco súbito, o que pela lei retira qualquer terreno para compensação, num exemplo de muitos casos do género que têm vindo a ser denunciados.

Como mensagem para o mundo, Sanahi lembrou a forma como um grande evento internacional está a decorrer em solo qatari “enquanto muitas famílias perderam membros nos trabalhos“.

Rothna Begum lembra que os trabalhadores migrantes “foram indispensáveis para tornar possível o Mundial2022”, mas com um “grande custo” pessoal e destas famílias, seja pela sonegação de salários, milhares de mortes por explicar ou lesões e acidentes.

“Muitos trabalhadores, bem como as famílias e comunidades, não podem celebrar o que construíram, e pedem à FIFA e ao Qatar que remedeiem os abusos que foram cometidos, deixando famílias na miséria e a sofrer”, acrescenta a investigadora.

A questão sobre a indemnização refere-se a uma campanha lançada por uma coligação de organizações de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, em maio deste ano, apelando à FIFA que reserve 433 milhões de euros para um fundo que indemnize trabalhadores lesados e possa prevenir abusos futuros.

O valor é equiparado à “pool” de prémios monetários que serão distribuídos pelos participantes, com a Amnistia a lembrar que o organismo de cúpula do futebol mundial estima arrecadar “cerca de 5,9 mil milhões de euros em receitas do torneio”.

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Embora as autoridades do Qatar neguem, várias organizações apontam para milhares de mortes naquele país entre 2010 e 2019 em trabalhos relacionados com o Mundial, com um relatório do jornal britânico The Guardian, de fevereiro deste ano, a cifrar o valor em 6.500 óbitos, número que muitos consideram conservador.

Além das mortes por explicar, o sistema laboral de “kafala” e os trabalhos forçados, sob calor extremo e com longas horas de trabalho, entre outras agressões, têm sido lembradas e expostas há anos por organizações não-governamentais e relatórios independentes.

Ao longo dos últimos anos, numerosas organizações e instituições têm apelado também à defesa dos direitos de adeptos, e não só, pertencentes à comunidade LGBTQI+, tendo em conta a perseguição de que são alvo em solo qatari.

Várias seleções, como Dinamarca, Austrália ou Estados Unidos, posicionaram-se ativamente contra os abusos ou a favor da inclusão e proteção quer dos migrantes quer da comunidade LGBTQI+, tanto a viver no país como quem pretende viajar para assistir aos jogos.

O Campeonato do Mundo masculino de futebol vai decorrer entre 20 de novembro e 18 de dezembro, com a seleção portuguesa apurada e inserida no Grupo H, com Uruguai, Gana e Coreia do Sul.