Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

É um mundo à parte, daqueles que não tem paralelo e até uma comparação pode ser exagerada. Por norma, no caminho até qualquer estádio em dia de jogos neste Mundial, a cabeça de qualquer um entra de forma automática no ritmo das cantigas, das cornetas, com um pouco mais de azar dos tambores. Nada de mal, antes pelo contrário, pelo menos ali consegue ter-se o real sentimento de futebol num Mundial que tem as suas partes meio artificiais. No caso dos japoneses, o ir para um encontro é apenas ir. Com bandeiras, com caras pintadas, com camisolas, com sorrisos para dar e vender, com fotografias em tudo o que mexe com aqueles telemóveis que só falta servirem cafés. Com tudo menos barulho. É realmente um mundo à parte, que anima um bocado apenas perto das entradas onde uma falange de apoio começa a gritar “Ni-ppon, Ni-ppon, Ni-ppon, Ni-ppon” e todos os outros reagem mas com o cuidado de não perturbar ninguém.

Não se pense que não puxam pela equipa, pelo contrário. Puxam, tinham uma bandeira gigante do país com centenas de assinaturas dos adeptos presentes, contavam com uma espécie de claque organizada centrada numa zona lateral como se de um peão à antiga se tratasse que marcava o ritmo para os restantes japoneses que estavam espalhados pelo estádio. No final, já se sabe, ajuda na recolha do lixo, confirmação de que tudo está como quando chegaram e aí sim a saída do recinto. Mais uma vez, um mundo à parte. E um mundo que de certa forma que se reflete na equipa, um projeto futebolístico de ordem e harmonia que conseguiu dar a volta depois da desvantagem frente à Alemanha e poderia dar um passo quase decisivo com a Costa Rica.

Do lado dos ticos, o número bem menor de adeptos no apoio à equipa em relação à partida com a Espanha mostrava bem aquilo que se sentia: um baque completo. O Mundial estava longe de acabar mas a forma como a equipa de Luis Suárez não conseguiu dar resposta no atropelo da Roja deixou marcas num conjunto que mantinha o fecho quase total à imprensa entre treinos e jogadores a falar à exceção das conferências obrigatórias pela FIFA (Bryan Ruíz abriu aí um furo e falou na zona mista do jogo com os espanhóis e pouco mais). Não havia muito para melhorar, era quase tudo. E com a questão do orgulho próprio pelo meio.

Não é que o jogo prometesse muito mas a primeira meia hora veio confirmar aquele pequeno receio que existia de ter sido uma opção errada: apenas duas tentativas de remate que contaram para a estatística dos números mas não para a estatística real do jogo, raríssimas bolas a entrar nas duas áreas, um Japão sempre muito preocupado com o momento da transição para garantir que mantinha a baliza a zero, uma Costa Rica que muitas vezes precisava de cinco ou seis Campbells do meio-campo para a frente para conseguir ter uma chegada com mais perigo. Sob pena de haver alguma injustiça por não existir tempo para acompanhar os jogos todos, este era o mais sério a ganhar o prémio de mais desinteressante da fase de grupos. O próprio Morita “dizia” isso, batendo com as mãos nas pernas em sinal de impotência com a quase inexistência de jogo ofensivo por parte dos nipónicos que, a jogar devagar e devagarinho, não criavam oportunidades.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Era nesta fase que nos recordávamos de uma mini entrevista de um jornalista japonês a um jornalista alemão onde o germânico comentava que tinha sido a Alemanha a perder o jogo e não o Japão a ganhar. “Com todo o respeito pelo que correram e jogaram, mas acho que foi mesmo isso. Quem decide a vitória é um jogador do Friburgo e outro do Bochum contra os do Bayern e os do B. Dortmund, percebe?”, salientava. Frente a esta Costa Rica, que está mais fraca do que noutras edições, os japoneses não tinham o condão de encontrar o caminho da baliza, apesar de uma defesa apertada de Keylor Navas a remate de Morita na pequena área logo a abrir o segundo tempo (47′), uma tentativa de Soma muito ao lado (57′) e dois livres quase em cima da área que ficaram na barreira. E ainda foram os costa-riquenhos a chegar à surpresa total, com o lateral Keysher Fuller a subir ao ataque, a marcar e a conseguir a redenção dos ticos (81′).

A pérola

  • Keysher Fuller não fez propriamente um daqueles jogos que deixa toda a gente rendida mas teve o condão de aproveitar a janela de oportunidade numa das raras subidas à área contrária para atirar de pé esquerdo (e ele é destro) e marcar o golo da vitória da Costa Rica com muitas culpas à mistura de Shuichi Gonda, que parecia ter o lance controlado mas acabou por não desviar a bola do caminho da baliza. Depois de passagens por Generación Saprissa Tibas, Uruguay de Coronado e Municipal Grecia (tudo clubes de linhas secundárias), está no Herediano desde 2018 e acabou de ganhar a lotaria.

O joker

  • A cara de impotência de Keylor Navas no encontro frente à Espanha, vendo as bolas a entrar umas atrás das outras sem poder fazer nada que contrariasse uma pesada goleada para a Costa Rica, dizia muito sobre aquele que já foi um dos melhores guarda-redes do mundo, que foi fundamental no sucesso recente europeu do Real Madrid e que está hoje como suplente do PSG. No entanto, apesar dos 35 anos, não desaprendeu. E quando foi preciso salvar a equipa, num lance confuso em cima do minuto 90 que seria a derradeira oportunidade do Japão, o capitão de equipa mostrou que não perdeu créditos.

A sentença

  • Volta a estar tudo em aberto, com a Alemanha a fazer a festa porque mesmo que perca com a Espanha pode não ficar de forma automática fora do Mundial. Para o Japão, é um rude golpe tendo em vista os oitavos a não ser que esta seja mesmo uma equipa talhada para ganhar aos mais fortes e quebrar com os mais acessíveis; para a Costa Rica, segue-se uma “final” com os germânicos na última ronda, qualquer que seja o resultado desta noite no jogo grande da fase de grupos da competição: Espanha-Alemanha.

A mentira

  • É um tema, um assunto, um país e uma causa que tem passado quase completamente ao lado durante este Mundial: a Ucrânia. Não é preciso recuar muito para vermos a FIFA tomar posições de força contra a Rússia e dar o seu total apoio e solidariedade ao país invadido mas agora tudo parece ter passado para um patamar secundário, algo extensível também às bancadas onde os adeptos europeus deixaram de ter aquelas pequenas bandeiras de solidariedade com o país. Neste jogo, que poderia ter todos os bilhetes vendidos mas não estava esgotado, destacou-se nas bancadas um adepto que passou a segunda parte de pé só a mostrar a bandeira amarela e azul do seu país na bancada oposta à central.