Os autores das recomendações para um sistema de saúde mais sustentável e resiliente, que vão ser apresentadas esta quarta-feira, recomendam a revisão do sistema de comparticipação de medicamentos para melhorar a equidade de acesso.

O estudo, que envolveu mais de 30 peritos de diversas áreas da Saúde, resultou na elaboração de 43 recomendações em domínios como a governança, o financiamento, os recursos humanos, os medicamentos e outras tecnologias, a provisão de cuidados de saúde, a saúde populacional e a sustentabilidade ambiental.

Na área dos medicamentos, os peritos consideram que o sistema de comparticipação de medicamentos tem “muitas adições e exceções, sob a forma de deliberações, despachos e portarias”, resultando num “sistema fragmentado, que não promove a equidade de acesso”, de que é exemplo os gastos dos portugueses com medicamentos.

Além de recomendarem a revisão do sistema de comparticipação, os peritos sugerem ainda que se deve melhorar o acesso equitativo a medicamentos inovadores, considerando que se deve “evoluir para um quadro regulamentar mais eficiente”.

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“O desenvolvimento e acesso à inovação tem-se revelado um processo demorado e burocrático e é necessário dar resposta às situações de grande desigualdade no acesso a novos medicamentos na Europa”, recordam.

No âmbito da nova Estratégia Farmacêutica para a Europa, para ultrapassar estes atrasos de acesso, defendem a necessidade de “uma estrutura regulatória estável, mas também adaptável, rápida, eficaz e globalmente competitiva”.

“Isto traduz-se na adoção de medidas concretas, transparentes e mensuráveis que resultem de uma parceria entre a indústria farmacêutica, os Estados-Membros, as instituições da União Europeia e, em Portugal, o Governo Português”, sugerem, sublinhando a necessidade de novas abordagens e novos modelos de pagamento para financiar os novos medicamentos.

Dizem ainda que se deve conseguir “um entendimento sobre as causas de atrasos e barreiras no acesso, considerando as condições económicas dos países”, para encontrar “soluções colaborativas” que garantam aos doentes serem tratados, em todos os países da Europa, com as melhores soluções terapêuticas para o seu estado de saúde.

Os especialistas recomendam ainda que a adoção de novas tecnologias tenha por base a medicina baseada na evidência, sublinhando que se deve apostar nos grupos de doentes onde se podem observar ganhos e “deixar de utilizar tratamentos com efetividade reduzida”.

Sugerem que o uso de tecnologias deve ser fomentado com base no custo-efetividade reconhecido, abandonando as alternativas baseadas exclusivamente no preço baixo, que “podem não ser aquelas que geram os melhores resultados”.

Para o painel de especialistas, é preciso igualmente garantir a proximidade no acesso aos medicamentos hospitalares através de entrega ao domicílio ou acesso na farmácia mais próxima, tal como acontece já nalgumas situações.

“Durante a pandemia, a “Operação Luz Verde” apresentou-se como uma medida transitória e que deveria ser continuada. Esta medida foi uma grande mais-valia para o utente de saúde com inegáveis ganhos não só em saúde, evitando a interrupção da terapêutica por dificuldade no acesso, mas em tempo, permitiu poupar em custo de deslocação e evitar o absentismo laboral“, recordam.

Das recomendações consta igualmente a promoção de Portugal como “um grande centro de excelência para a inovação biomédica e a investigação clínica“, lembrando que os ensaios clínicos “viabilizam o acesso aos medicamentos de forma gratuita, permitem o acesso precoce à inovação, à produção de conhecimento essencial ao progresso da prática clínica”, além de contribuírem para o reforço das qualificações dos profissionais de saúde e para a melhoria dos cuidados assistenciais.

O estudo defende ainda que é preciso melhorar a referenciação de doentes aos cuidados hospitalares para reduzir tempos de espera e melhorar os cuidados prestados.

O documento refere que, além de reduzir tempos de espera, o desenvolvimento de protocolos e mecanismos para a referenciação de doentes melhoraria os cuidados prestados e a satisfação para os doentes.

Os peritos lembram igualmente que investigações anteriores mostraram que os médicos de medicina geral e familiar “nem sempre se sentem confiantes relativamente aos exames a prescrever aos seus doentes antes de os referenciarem para consultas hospitalares de especialidade”.

“A mesma investigação demonstrou igualmente que os médicos especialistas consideram que nem sempre os doentes que recebem trazem já feitos os exames necessários para uma primeira consulta”, acrescentam.

O trabalho foi desenvolvido no âmbito da Parceria para a Sustentabilidade e Resiliência dos Sistemas de Saúde (PHSSR), uma colaboração global criada em 2020 pela London School of Economics and Political Science, pelo Fórum Económico Mundial e pela AstraZeneca.

Em declarações à Lusa, Mónica Oliveira sublinhou, na área da governança, a mensagem da necessidade de “promover autonomia e responsabilidade das administrações das instituições de saúde, para poderem tomar decisões e não dependerem tanto de outros interlocutores do sistema de saúde”.

Na área da governança, os peritos insistem no fim das cativações na área da Saúde por parte do Ministério das Finanças, considerando que “afetam a autonomia e a capacidade de gestão das administrações hospitalares”.

A este nível, defendem que o Estado deverá confiar mais nos gestores públicos, com “consequente responsabilização”.

Dizem igualmente que é preciso “capacitar uma estrutura que lidere a integração da disponibilização dos cuidados prestados aos vários níveis e pelos diferentes setores (público, privado e social)”, lembrando que a Direção executiva do SNS –recentemente criada – apenas assegura a coordenação da resposta no serviço público.

“Há entidades do setor privado e social que prestam cuidados de saúde, alguns dos quais contratualizados/convencionados com o SNS”, sublinham os peritos, defendendo a necessidade de uma “supervisão ao nível mais elevado”, para conseguir um sistema de saúde “mais eficiente, evitando lacunas e duplicações”.

Em declarações à Lusa, a coordenadora do estudo sublinhou a importância da continuidade na prestação dos cuidados de saúde, insistindo na necessidade de coordenação: “temos sistemas que às vezes se complementam, mas às vezes competem”.

“Ficou muito claro que tem de haver um planeamento para se perceber como é o papel do público, do privado e do setor social“, acrescentou.

A este nível, o grupo de peritos – que envolve especialistas como o antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, Maria do Céu Machado, que foi Alta Comissária para a Saúde e dirigiu o Infarmed entre 2017 e 2019, o antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides, o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), Vitor Herdeiro, entre outros – recomenda também uma melhor articulação intersetorial entre a Saúde e a Segurança Social para assegurar a continuidade de cuidados.

“A definição de um percurso de cuidados que veja a pessoa como um todo, com necessidades de saúde e de apoio social, afigura-se como um objetivo essencial para melhorar a qualidade de vidas dos utentes de saúde e dos seus cuidadores, com inegáveis ganhos em saúde”, sugerem.

Acabar com as nomeações políticas dos dirigentes das entidades prestadoras de cuidados, nomeando apenas em função da competência, promover parcerias e colaborações na prestação de cuidados entre os setores público, privado e social e separar os papéis do Estado financiador, prestador, regulador e fiscalizador, são outras das recomendações.

A coordenadora do trabalho sublinhou a “concordância muito elevada de um painel muito alargado de peritos”, composto por especialistas da área da indústria, do privado, do setor social e do público, abrangendo um espetro político e ideológico alargado.