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Uma basquetebolista por um traficante de armas. Na semana passada, o Presidente norte-americano, Joe Biden, anunciava que Brittney Griner estava a caminho de casa depois de nove meses detida na Rússia. Em troca, Moscovo recebia Viktor Bout, o homem conhecido como “Mercador da Morte” e cuja reputação inspirou o filme “O Senhor da Guerra”. Para trás ficava Paul Whelan, um ex-fuzileiro detido na Rússia há quatro anos.

Basquetebolista Brittney Griner libertada da prisão russa em troca de prisioneiros. “Está a caminho de casa”, diz Biden

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Quando os Estados Unidos propuseram à Rússia a troca de prisioneiros esperavam conseguir recuperar também Whelan, no entanto, como explicou o secretário de Estado norte-americano, não foi uma questão de quem libertar. “Foi uma escolha entre trazer para casa um norte-americano em particular [Brittney Griner] ou não trazer ninguém”, revelou Anthony Blinken em conferência de imprensa.

A administração de Biden não desistiu de recuperar Paul Whelan e esta segunda-feira oficiais norte-americanos reuniram-se para discutir os próximos passos. “Paul vai estar na fase número dois”, adiantou Roger Carstens, enviado especial norte-americano para lidar com situações de reféns.

Em entrevista ao canal MSNBC, citado pela Reuters, Carstens disse que o Presidente Biden e o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, estão pessoalmente concentrados nos esforços para libertar Whelan. “Estamos a trabalhar arduamente e a pensar em diferentes maneiras para o fazer. Não vamos falhar nesta missão”, garantiu.

Paul Whelan: “Estou pronto para ir para casa. Só preciso de um avião”

Horas após a libertação de Brittney Griner, Paul Whelan assumia estar desiludido por continuar atrás das grades depois das negociações entre os EUA e a Rússia. “Estou muito desapontado por não terem feito mais para assegurar a minha libertação, especialmente com o aniversário de quatro anos da minha detenção a aproximar-se”, admitiu numa entrevista exclusiva à CNN.

Numa chamada telefónica a partir da colónia penal IK-17, na Mordóvia — região onde as condições dos prisioneiros são particularmente duras –, Whelan assumiu estar surpreendido por ter sido deixado para trás, apesar de ficar contente pela libertação de Griner. “Fui levado a crer que a situação se estava a mover na direção certa, que o governo estava a negociar e que algo iria acontecer muito em breve”, explicou.

Traficante de armas Viktor Bout já regressou a Moscovo, uma “grande vitória”

Whelan garantiu estar inocente, acusando a Rússia de o manter “refém”. Ao Presidente Joe Biden, com quem gostaria de falar diretamente, deixa uma mensagem: “Estou  uma situação muito precária que precisa de ser resolvida rapidamente”.

Fui detido por um crime que nunca ocorreu. Não percebo porque é que ainda estou aqui.”

O ex-fuzileiro foi detido por agentes do Serviço Federal de Segurança (FSB, ex-KGB) em dezembro de 2018, por suspeitas de espionagem. Na altura já tinha deixado a marinha e trabalhava como diretor de segurança internacional do grupo BorgWarner, um fabricante de peças do setor automóvel com sede em Detroit. As autoridades russas acusaram-no de ser um espião, afirmando que foi “apanhado em flagrante” depois de recebido uma pen que continha informações confidenciais quando estava de visita à Rússia para um casamento.

Whelan, que sempre se declarou inocente, garantiu que obteve a pen de um conhecido, acreditando que continha fotos das férias. Em junho de 2020 foi condenado a uma pena de prisão de 16 anos, num julgamento que descreveu como politicamente motivado e sob acusações que as autoridades norte-americanas dizem ser infundadas.

Ainda lhe faltam cumprir doze anos de prisão e “não sabe como ou se” alguma vez vai regressar aos Estados Unidos. O impacto da guerra na Ucrânia, que se prolonga há mais de nove meses, também já se faz sentir na colónia penal, criando uma desconfiança dos outros prisioneiros para com os norte-americanos. Apesar de tudo, mantém a esperança que a administração de Biden faça todos os possíveis para o libertar, “independentemente do preço a pagar”. “As minhas malas estão feitas. Estou pronto para ir para casa. Só preciso que um avião me venha buscar”, sublinhou.

Rússia mantém aberta porta a futuras negociações

Não era apenas o “Mercador da Morte” que a Rússia esperava obter do acordo com os Estados Unidos. Assim, apesar de Washington ter lançado outros nomes para a troca, recusaram libertar Paul Whelan porque queriam trazer para casa Vadim Krasikov, espião dos serviços secretos russos atualmente detido na Alemanha por assassinato, revelaram à CNN e CBS News oficiais norte-americanos.

Rússia pede que homem condenado a perpétua seja adicionado à troca de prisioneiros com EUA

Os EUA ainda fizeram inquéritos junto das autoridades alemãs sobre a possibilidade de acrescentar Krasikov à troca, mas acabaram por não conseguir assegurar a sua libertação. Segundo a CNN, o governo alemão não estava disposto a considerar seriamente a entrega do coronel, condenado no ano passado a prisão perpétua por matar um homem num parque em Berlim.

Assegurar a libertação de Griner teve o seu preço e Biden enfrentou pressões dentro da própria administração e também dos oponentes políticos. A discrepância entre os crimes dos dois prisioneiros é notória e foi apontada como um dos problemas. De um lado Griner, uma medalhista olímpica condenada a nove anos de prisão e a uma multa de um milhão de rublos por tráfico de droga, depois dos serviços alfandegários encontrarem vaporizadores que continham menos de uma grama de óleo de haxixe na sua bagagem. Do outro lado Viktor Bout, um conhecido traficante de armas, cujos negócios alimentaram guerras por todo o mundo, condenado a 25 anos de prisão por conspirar para vender armas aos rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que os EUA temiam ser mais tarde usadas contra alvos no seu território.

Oficiais norte-americanos ouvidos pelo Washington Post revelam que existiram várias resistências à troca de Bout por Griner, incluindo dentro do departamento de Justiça, que a classificou com um erro. “Se ela fosse da minha família, iria querer que a troca acontecesse. Mas libertar um notório negociante de armas por uma basquetebolista é loucura”, afirmou uma das fontes, que falou sobre condição de anonimato.

Outras vozes críticas também se ergueram. Kevin McCarthy, candidato republicano à liderança na Câmara dos Representantes, descreveu a troca como “inconcebível” e um “presente” para Putin, afirmando que vai aumentar o risco da detenção de mais norte-americanos. Seguindo a mesma tese, Robert Zachariasiewicz, um antigo agente da DEA envolvido no caso contra Bout, mostrou-se solidário com a situação de Griner e da família, mas contra a troca. “Acabamos de mostrar que é muito útil ter um norte-americano no bolso, porque nunca se sabe quando será preciso trocá-lo”.

De momento a administração de Biden mantém disponibilidade para negociações e também o líder russo mostrou abertura a futuras trocas de prisioneiros com os EUA, adiantando que o contacto entre os serviços secretos dos dois países vão continuar. “Tudo é possível”, admitiu Vladimir Putin numa conferência no Quirguistão, após a libertação de Griner e Bout.

“O contacto continua. De facto, nunca parou … Foi alcançado um compromisso, não rejeitamos continuar o trabalho no futuro”, afirmou, citado pela Reuters. As conversas sobre a libertação de Whelan continuam, resta saber se os EUA vão conseguir garantir a libertação de Krasikov ou arranjar outra moeda de troca que satisfaça a Rússia.