Sem nome das vítimas, muito menos do padre alegadamente agressor, o Ministério Público de Vila Real acabou por arquivar um dos casos que chegou à Comissão Independente que estuda os abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica em Portugal. “Estamos perante uma impossibilidade prática na obtenção de meios de prova”, concluiu a procuradora Paula Rodrigues Martins.

A denúncia foi uma das cerca de 20 que a Comissão, liderada pelo pedopsiquitatra Pedro Strecht, entregou à Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigação. No entanto, tal como outras que o Observador tem noticiado, não continha identificação do suspeito nem de vítimas.

Na informação entregue ao Ministério Público de Vila Real é relatada uma situação de abuso sexual de menor por parte de um padre nos anos de 2011/2012, o que para a Comissão podia significar estar perante um crime ainda não prescrito.

“Atenta a escassez de informação”, como explica o despacho a que o Observador agora teve acesso, a procuradora ainda tentou obter mais informações junto da PGR e da própria Comissão. Mas os dados que chegaram, e que constarão num relatório da Comissão a ser entregue no final de janeiro, limitavam-se às seguintes informações:

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“Vila Real. Vítima – Sexo Feminino. É mestre. Frequentava o 8.ºano. Tinha 14 anos. Os abusos ocorreram na casa do Padre, que era o abusador. Durante uma só vez. O abusador pediu desculpa. Conhece outras crianças que foram abusadas pelo mesmo padre. Os abusos consistiam em manipulação dos órgãos sexuais. O abusador tinha 50 anos”

O Ministério Público ainda ponderou fazer um levantamento dos padres de diversas paróquias da comarca de Vila Real, mas tal não permitiria “identificar o perpetrador”, até porque ficaria sempre a falar o “depoimento da ofendida” que poderia identificá-lo.

Sem existir uma ‘vítima’, fica difícil definir um fio condutor na investigação, na tentativa de obter prova testemunhal e documental que corrobore os factos denunciados”, lê-se no despacho de arquivamento.

A procuradora nota ainda que se a vítima quis ficar no anonimato era porque queria “manter a reserva da vida privada”. De qualquer forma, concluiu já em junho, não existem outras “diligências que nos permitam chegar à identificação cabal da ofendida e do suspeito”. “Estamos perante uma impossibilidade prática na obtenção de meios provas”.

Maioria dos casos de abusos na Igreja arquivados pelo Ministério Público nunca chegou sequer à Polícia Judiciária

Este processo foi um dos seis arquivados entre as 17 denúncias que a Comissão levou às autoridades judiciais e que resultaram em dez inquéritos. Quatro deles ainda estão a ser investigados — um dos quais reúne seis participações.

Os casos arquivados não passaram sequer pela Polícia Judiciária. Este caso de Vila Real foi arquivado com os fundamentos semelhantes ao de um outro em Braga  em que também não foi possível identificar autores e ofendidos. Há um terceiro processo em que os crimes tinham prescrito, outro já tinha sido julgado e há ainda um em que o padre apontado como suspeito já tinha morrido.

A Procuradoria Geral da República recebeu pelo menos mais cinco queixas, além das 17, que estão a ser investigadas, entre elas uma contra D. José Ornelas por encobrimento.