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“Agora sei o que é ser mãe de uma criança do Donbass”. Foi com estas palavras que Maria Lvova-Belova, comissária russa para os Direitos das Crianças, descreveu ao Presidente Vladimir Putin o sentimento de ter adotado um adolescente ucraniano da cidade de Mariupol, ocupada pelas forças russas desde maio do ano passado.

Num encontro com o líder russo na quinta-feira, a comissária reconheceu ser desafiante, mas garantiu que tem uma boa relação com o jovem de 15 anos. “É difícil, mas amamo-nos. Acho que podemos lidar com qualquer coisa”, sublinhou.

Na Rússia Maria Lvova-Belova é conhecida por patrocinar pessoalmente várias campos para crianças ucranianas e “programas de integração”, fazendo parte de um número crescente de famílias que quer adotar menores dos territórios ocupados na Ucrânia. Já no Ocidente, é acusada de estar no centro de um esquema russo de deportação forçada de milhares de menores ucranianas, sendo alvo de sanções por vários países.

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“Maria Lvova-Belova é uma das figuras mais envolvidas na deportação e adoção de crianças ucranianas, bem como no uso de campos para ‘integrar’ crianças ucranianas na sociedade e cultura russas‘”, denunciou o Laboratório de Investigação Humanitária da Universidade de Yale. Num relatório publicado esta semana a equipa norte-americana avançou que mais de seis mil menores ucranianos foram levados para campos de reeducação ou para o sistema de adoção russo, um esforço que contou com a colaboração da comissária.

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Desde o início da guerra, em fevereiro do ano passado, Maria Lvova-Belova já visitou por várias vezes os territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia, incuindo nas autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, duas das quatro regiões anexadas pelo Kremlin em setembro do ano passado.

As visitas são regulares e o governo russo orgulha-se da comissária escoltar pessoalmente aviões cheios de crianças da Ucrânia. Segundo a investigação da Universidade de Yale, que conta com o apoio do Departamento de Estado norte-americano, a comissária acompanhou recentemente o transporte pelas forças russas de um grupo de 53 alegados órfãos — entre os nove meses e cinco anos — da Ucrânia para a Rússia, facilitando a sua colocação.

De professora de música ao envolvimento na “deportação” de crianças ucranianas

Nomeada comissária dos Direitos para Crianças em 2021, foi como professora de música que Maria Lvova-Belova começou a carreira profissional, dando aulas de guitarra a crianças na sua cidade natal, Penza. Foi só a partir de 2011 que começou a traçar o seu caminho na política, partindo de uma posição na câmara regional, como se pode ler no site da Presidência russa. A comissária é também membro do partido Rússia Unida, ao qual pertence Vladimir Putin, refere o Moscow Times.

Segundo a CNN, a comissária é casada com um padre ortodoxo, com quem tem dez filhos, alguns biológicos outros adotados. A adoção mais recente foi a de Filip, trazido da cidade de Mariupol para a Rússia. “Esta é a pessoa mais bonita que conheci em toda a minha vida. Nunca tive alguém que me amasse tanto como ela”, terá admitido o jovem numa entrevista à televisão russa, citada pelo canal norte-americano. Não é claro, no entanto, em que condições terá feito as declarações.

A adoção aconteceu após várias visitas à Ucrânia, incluindo à cidade de Mariupol. Durante as viagens é comum visitar centros de crianças, muitas das quais com ferimentos de guerra. Tudo faz parte da missão confiada pelo Presidente russo, que a instruiu a “tomar medidas adicionais” para identificar menores sem pais a viver nos territórios ocupados da Ucrânia e “fornecer-lhes prontamente assistência social do Estado”.

“A minha parte favorita do trabalho — graças a si, muito obrigada — é a colocação das crianças nas famílias”, assumiu a comissária durante o encontro de quinta-feira com o líder russo. “Vladimir Vladimirovich, é a coisa mais alegre que me aconteceu durante todo este tempo”, acrescentou.

Durante o encontro, a comissária descreveu ao líder russo o processo de trabalho nos territórios ocupados e garantiu que, no caso das crianças que terem familiares, as autoridades vão trabalhar para os encontrar. “Se podermos ajudar neste processo, vamos definitivamente fazê-lo, independentemente de onde estejam, quer estejam no território da Ucrânia ou noutros países“, afirmou.

Para o Instituto do Estudo para a Guerra (ISW, na sigla em inglês) este encontro é uma “confirmação” de que o Kremlin está “diretamente envolvido na facilitação da deportação e adoção de crianças ucranianas pelas famílias russas”. “Lvova-Belova confirmou que os governadores regionais russos estão a facilitar nos esforços de adoção e enfatizou o papel do líder checheno Ramzan Kadyrov para trabalhar consigo nos programas com ‘adolescentes difíceis'”, apontou o think tank norte-americano, que acompanha o conflito na Ucrânia.

Pelo seu papel neste processo, a comissária já foi alvo de sanções de vários países, incluindo o Reino Unido, a União Europeia e os Estados Unidos. “Trabalhando diretamente sobre as ordens de Putin, liderou os esforços russos para deportar milhares de crianças ucranianas para a Rússia”, referiu o Departamento do Tesouro norte-americano num comunicado publicado em setembro do ano passado.

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“Temos como alvo os facilitadores e perpetradores da guerra de Putin, que trouxeram sofrimento incalculável à Ucrânia, incluindo a transferência forçada e a adoção de crianças”, disse o governo britânica, que em junho sancionou Lvova-Belova. A comissária não parece estar preocupada e já deixou uma resposta: “Na Rússia desfrutamos da amizade como famílias, como organizações e, a partir de agora, como pessoas afetadas pelas sanções”, afirmou.