Os últimos anos de Fórmula 1 têm sido marcados pela rivalidade entre a Red Bull e a Mercedes, com a primeira a levar a melhor nas últimas duas épocas depois de várias temporadas de hegemonia da segunda. Tal como quase todas, a rivalidade global e generalizada personalizou-se em dois duelos: Verstappen contra Hamilton, dentro dos carros, e Horner contra Wolff, fora dos carros.

À margem da conhecida antipatia que neerlandês e britânico partilham, os diretores da Red Bull e da Mercedes têm protagonizado uma autêntica batalha de palavras e ataques mais ou menos pessoais que teve o último capítulo há cerca de um mês. Ou seja, numa altura em que os novos monolugares para 2023 ainda nem tinham sido revelados.

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“Chris Horner? Estou a viver na cabeça dele sem pagar aluguer, o tipo está obcecado comigo. Mas cada segundo que passo a falar dele é um segundo de tempo perdido na minha vida”, disse Toto Wolff numa entrevista de fundo ao jornal The Times, confirmando a relação conturbada entre os dois homólogos que também está espelhada na nova temporada da série “Drive to Survive” que estreou recentemente.

O que só os mais atentos sabem, porém, é que a rivalidade entre a Red Bull e a Mercedes é um triângulo com um terceiro vértice: e um terceiro vértice totalmente desenhado no feminino. Esta temporada — que arranca no próximo fim de semana, com o inaugural Grande Prémio do Bahrain –, ambas as equipas vão ter uma mulher no cargo de Engenheira Chefe de Estratégia, uma das posições mais importantes na Fórmula 1 e a responsável pelas principais decisões tomadas ao longo de uma corrida. Do lado da Red Bull, Hannah Schmitz foi reconduzida no cargo depois de dois anos de enorme sucesso; do lado da Mercedes, Rosie Wait vai substituir James Vowles na sequência da saída do britânico para a Williams.

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Nascida em Caterham, em Inglaterra, Hannah Schmitz estudou Engenharia Mecânica em Cambridge e em 2009, no mesmo ano em que terminou os estudos, começou um estágio na Red Bull. Depois de dar os primeiros passos na equipa de modelagem e simulações, assumiu o papel de Engenheira de Estratégia Sénior em 2011, há mais de uma década. Ou seja, assistiu aos títulos conquistados por Sebastian Vettel com a marca austríaca, estava lá quando a Mercedes passou a liderar sem ser contestada e teve vista privilegiada para a ascensão meteórica de Max Verstappen. Tanto que um dos momentos mais importantes da carreira de Schmitz foi precisamente num dia em que ajudou o neerlandês a ganhar uma corrida.

No Grande Prémio do Brasil de 2019, a britânica tomou a improvável decisão de chamar Verstappen às boxes numa altura em que o piloto liderava a corrida. Logo depois de um safety-car, o neerlandês parou, mudou de pneus, permitiu a ultrapassagem de Lewis Hamilton mas recuperou o primeiro lugar graças aos pneus com menos voltas. No fim do Grande Prémio, Chris Horner chamou Hannah Schmitz ao pódio para lhe garantir o mérito devido.

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“Foi um momento incrivelmente especial e o pináculo da minha carreira. Tinha acabado de regressar ao trabalho depois de ter o meu primeiro filho e aquilo foi muito importante para mim. Serviu para provar que ainda ali estava, que ainda sabia fazer o meu trabalho. Foi uma experiência incrível”, explicou recentemente. Escassos 18 meses depois, foi promovida a Engenheira Chefe de Estratégia, o cargo que ocupa até hoje.

“Sentas-te na ponta da cadeira quando tomas essas decisões numa fração de segundo. São uns 20 segundos. O que não parece muito tempo mas numa corrida, sentado e à espera de ver se a decisão foi acertada, pode parecer uma vida”, acrescentou Schmitz, que está intrinsecamente ligada ao sucesso recente da Red Bull e às decisões estratégicas que têm tornado a marca austríaca quase imbatível nos duelos mais diretos com os principais rivais.

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Ruth Buscombe, aqui ao lado de Mick Schumacher quando este ainda era piloto de testes da Alfa Romeo, já passou pela Ferrari e pela Haas

Para Rosie Wait, porém, 2023 será um ano de estreia. Acabada de sair da licença de maternidade, a também britânica entrou na Mercedes em 2017 e vai agora assumir o cargo de Engenheira Chefe de Estratégia pela primeira vez e na sequência da saída de James Vowles. Curiosamente, assim como Hannah Schmitz, também estudou Engenharia Mecânica em Cambridge e entrou na Fórmula 1 em 2007 e à boleia da McLaren para integrar a equipa de dinâmica do veículo. Teve uma breve passagem pela Williams antes de se mudar para a Mercedes, onde foi parte instrumental dos quatro títulos consecutivos conquistados por Lewis Hamilton entre 2017 e 2020 e acabou por ser distinguida com a Medalha IMechE Motorsports pelo trabalho desenvolvido.

Trabalho esse que, tal como o da homóloga da Red Bull, também teve um ponto alto. Em maio de 2021, há quase dois anos e no Grande Prémio de Espanha, foi de Rosie Wait a ideia de realizar uma segunda paragem numa altura em que Hamilton estava no segundo lugar. Verstappen, que liderava a corrida, foi completamente apanhado de surpresa e viu o britânico da Mercedes ultrapassá-lo com o novo conjunto de pneus para chegar à vitória na corrida — acabando por agradecer pessoalmente a Wait via rádio.

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“Temos discussões estratégicas muito intensas e detalhadas. Debatemos vários cenários possíveis: o que acontece se formos mais rápidos do que aquilo que esperamos, se formos menos rápidos do que aquilo que esperamos, se tivermos um bom arranque, um mau arranque, se os pneus sofrem mais ou menos degradação. Detalhamos todas as alternativas possíveis. Passamos muito tempo a tentar perceber qual seria o pior cenário possível e arranjamos um plano para isso”, indicou a britânica numa entrevista aos canais oficiais da Fórmula 1.

Hannah Schmitz e Rosie Wait, porém, não estão sozinhas. Ruth Buscombe, outra britânica formada em Cambridge, é a atual Engenheira Chefe de Estratégia da Alfa Romeo depois de já ter passado pela Ferrari e pela Haas. Carine Cridelich, francesa, desempenha as mesmas funções na AlphaTauri. E Bernadette Collins, norte-irlandesa que também fez parte da McLaren e da Force India, liderou a estratégia da Aston Martin até julho do ano passado. Para Rosie Wait, a presença de várias mulheres neste cargo pode até ter uma explicação.

“Talvez seja o multitasking, somos boas nisso! Mas falando sobre o meu caso específico, não cheguei à Fórmula 1 com o objetivo de ser estratega. Cheguei cá como analista de veículos e o que eu gostava mesmo de fazer era a parte da simulação e da modelagem. Acho que a estratégia é espetacular porque podemos estar na linha da frente e tomar enormes decisões em direto, o que é muito divertido, mas também podemos fazer muito de simulação e modelagem e ter um dedo em tudo”, atirou a britânica.