Israel reforçou esta segunda-feira com centenas de soldados várias posições na Cisjordânia ocupada, um dia depois de um atirador palestiniano ter morto dois israelitas, desencadeando represálias de colonos, no que é já o pior episódio de violência em décadas.

As respostas dos habitantes dos colonatos israelitas na Cisjordânia ao atentado palestiniano revelaram, contudo, as primeiras brechas na coligação governamental de Telavive, com o primeiro-ministro Benjamim Netanyahu, a pedir calma, enquanto representantes dos partidos ultraortodoxos da extrema-direita elogiaram a forma como colonos reagiram.

Os acontecimentos de domingo também ressaltaram as limitações da abordagem tradicional dos Estados Unidos sobre o já longo conflito israelo-palestiniano, analisa a agência noticiosa Associated Press (AP), que sustenta que Washington tem tentado evitar a escalada ao mesmo tempo que, porém, se mantém afastado da tarefa politicamente custosa de pressionar pela resolução das disputas fulcrais.

Dois israelitas mortos em ataque no norte da Cisjordânia ocupada

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Na mesma altura em que a violência subia vertiginosamente de tom na Cisjordânia, Amã acolhia uma tentativa, mediada pelos Estados Unidos, para elaborar um plano para pôr cobro aos incidentes, tendo a situação acabado por ser ultrapassada pelo desenrolar dois acontecimentos.

Os acontecimentos de domingo começaram quando um atirador palestiniano, que se pôs em fuga, abateu a tiro os irmãos Hillel e Yagel Yaniv, de 21 e 19 anos, residentes no colonato judaico de Har Bracha, numa emboscada na cidade palestiniana de Hawara, no norte da Cisjordânia. Os irmãos serão sepultados esta segunda-feira em Jerusalém.

Após o tiroteio, grupos de colonos invadiram a via principal em Hawara, usada tanto por palestinianos como pelos residentes israelitas. Num vídeo, segundo a AP, pode observar-se uma multidão de colonos a orar enquanto olhava para um prédio em chamas.

No final do domingo, um palestiniano de 37 anos foi morto a tiro por colonos israelitas, enquanto outros dois ficaram feridos, atingidos por balas, enquanto um terceiro foi hospitalizado com gravidade depois de ser espancado com uma barra de ferro, indicaram as autoridades sanitárias locais, que adiantaram que 95 outros estavam a ser tratados por inalação de gás lacrimogéneo.

Esta segunda-feira de manhã, a via principal de Hawara estava repleta de filas de carros incendiados e de prédios enegrecidos pelo fumo. As lojas, normalmente movimentadas, permaneceram fechadas.

A imprensa palestiniana escreveu que cerca de 30 casas e carros foram incendiados.

Farouk Abu Sris, dono de uma loja em Hawara, disse à AP ter observado dezenas de colonos israelitas a atear fogo a vários contentores e a residências particulares.

“Não deixaram nada de pé. Até dispararam granadas de gás lacrimogéneo. É a destruição trazida pelo ódio”, afirmou.

No local do tiroteio, o ministro da Defesa israelita, Yoav Galant, frisou que Israel “não pode permitir uma situação em que os cidadãos façam justiça com as próprias mãos”, mas não chegou a condenar abertamente a violência — “peço a todos que cumpram a lei e sobretudo que confiem no exército e nas forças de segurança”.

O tenente-coronel Richard Hecht, porta-voz militar israelita, descreveu a situação como “um silêncio tenso”, salientando que o exército enviou centenas de tropas adicionais para a área com o objetivo de diminuir e controlar a violência — dois batalhões foram enviados na noite de domingo e um terceiro seguiu esta segunda-feira de manhã.

O exército não capturou o atirador palestiniano. O porta-voz da polícia de Israel, Dean Elsdunne, referiu que oito israelitas foram detidos nos distúrbios de domingo, embora seis deles tenham já saído em liberdade.

As tropas israelitas também começaram a retirar os colonos de um posto avançado de um colonato perto de Nablus, na Cisjordânia, onde vários deles acamparam após o tiroteio mortal de domingo, informou a emissora pública de Israel Kan.

Nesse posto avançado, o ministro da Segurança Pública israelita, Itamar Ben-Gvir, líder do partido Poder Judaico, defendeu uma “guerra real contra o terrorismo” e a legalização do próprio colonato onde falou aos jornalistas.

“Temos de esmagar os nossos inimigos”, disse, comentando as mortes dos dois irmãos, embora se tenha mostrado mais contido em relação à violência desencadeada pelos colonos: “entendo os ressentimentos, mas este não é o caminho, não podemos aplicar a lei com as nossas próprias mãos”.

Netanyahu e o Presidente israelita, Isaac Herzog, pediram aos colonos para não se envolverem em ações de vigilância e Merav Michaeli, do Partido Trabalhista, oposição, condenou a violência, considerando que o que aconteceu domingo foi uma “perseguição deliberada de milícias armadas”.

Na coligação governamental, porém, alguns destacados dirigentes atiçaram chamas, refere a AP. Tzvika Foghel, deputado do partido de Ben-Gvir, disse que os atos de retaliação “ajudam a deter os ataques palestinianos”.

A violência de domingo também atraiu a condenação da comunidade internacional, com o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Ned Price, a referir que o atentado com tiros e as represálias “ressaltam o imperativo de reduzir imediatamente as tensões, passando das palavras à ação“.

O Presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, responsabilizou o Governo israelita pelo que considerou serem “atos terroristas realizados por colonos sob a proteção das forças de ocupação”.

A violência eclodiu logo depois de o Governo jordano ter acolhido, na estância balnear de Aqaba, no Mar Vermelho, uma ronda de negociações entre israelitas e palestinianos, sob mediação dos Estados Unidos, com o objetivo de diminuir as tensões antes do mês sagrado muçulmano do Ramadão.

Os palestinianos reivindicam a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza — áreas capturadas por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967 — para um futuro Estado.

Cerca de 700.000 colonos israelitas vivem na Cisjordânia e no leste de Jerusalém. A grande maioria da comunidade internacional considera os colonatos de Israel como “ilegais”, que criam “obstáculos à paz”.

Desde o início deste ano, 62 palestinianos, cerca de metade deles associados a grupos armados, foram mortos por soldados e por civis israelitas. No mesmo período, 14 israelitas foram mortos em ataques palestinianos.

Segundo dados do grupo de direitos humanos israelita B’Tselem, 2022, foi o ano mais mortífero para os palestinianos na Cisjordânia e no leste de Jerusalém desde 2004. Quase 150 palestinianos foram mortos, contra os cerca de 30 israelitas.