A Procuradoria-Geral da República pediu informações sobre imóveis em condomínios de Luanda registados em nome de várias empresas, incluindo duas detidas por Tchizé dos Santos e “Coreón Dú”, filhos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. A notícia foi avançada pela agência Lusa e confirmada pelo Observador.

Em causa estão as empresas Westside Investments e Semba Comunicações, que tinham como sócios  Welwitschea “Tchizé” dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos “Coréon Dú”. Os dois irmãos, filhos de José Eduardo dos Santos e “Milucha” (Maria Luísa Abrantes) geriam o canal 2 da Televisão Pública de Angola (TPA) até a administração da cadeia pôr fim ao contrato, em 2018, já depois de o pai (falecido no ano passado) ter deixado a Presidência do país, que liderou durante 38 anos, sendo sucedido por João Lourenço.

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Do despacho, a que a Lusa e o Observador tiveram acesso, faz também parte o empreendimento Marina Baía Yacht Club, que a imprensa angolana aponta como estando ligado a Tchizé, Álvaro Sobrinho e Sílvio Alves Madaleno, a empresa Mar & Yates, além da Fraxa Service e Brefaxa & Filhos, ligadas a Bento Francisco Xavier, antigo vice-governador do Cuando Cubango e que foi ouvido também em tribunal no âmbito do “caso Lussaty”. Neste processo, o major Pedro Lussaty foi condenado a 14 anos de prisão pelos crimes de transporte de moeda para o exterior, de retenção de moeda e lavagem de capitais.

O ofício do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos (SENRA) da Procuradoria-Geral da República é datado de 16 de fevereiro e diz que as empresas em causa são visadas no âmbito de processos de investigação patrimonial e financeira que correm trâmites na justiça.

Tchizé não perdeu tempo a reagir. “Já andam a investigar-me e a usar a justiça para perseguir-me politicamente em Portugal e Angola há mais de cinco anos. Sem sucesso.
Eu aqui onde estou não devo e não temo!”, escreveu numa mensagem enviada ao Observador.

“Eu nunca fui criminosa e todos sabem muito bem disso”, continuou antes de avançar que os “vai humilhar como perseguidores políticos que são” e que “vão terminar envergonhados”.

Em várias mensagens áudio que divulgou nas suas redes sociais e que a própria enviou ao Observador, a segunda filha de José Eduardo dos Santos parte para o ataque. Invocando o clima de suspeição que cai sobre a justiça angolana, e argumentando que não sabe se a magistrada do Ministério Público que está a fazer perguntas sobre o seu património tem “lisura para o fazer”, pede a colaboração de “todos os cidadãos angolanos, portugueses e estrangeiros” para lhe darem informações “de qualquer irregularidade” sobre a juíza que assina o ofício.

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“Agora nós cidadãos é que temos de zelar pelo Estado de Direito democrático porque não sabemos quais são os juízes sérios ou não”, justifica Tchizé, lembrando os escândalos que envolveram o nome da ex-presidente do Tribunal de Contas bem como do presidente do Tribunal Supremo, por exemplo. “Tenho de ter a certeza que essa senhora é uma juíza séria e que não faz parte da rede de bandidos metida dentro da justiça angolana, a fazer política usando os tribunais”, reivindica.

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A ex-deputada do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder há 48 anos)  ainda “bandidos” a um “grupinho de pessoas que está a tentar ficar” com os seus bens e os da sua família e “para isso faz um levantamento, para depois os arrestar e ficar com eles”. Trata-se de “uma justiça de mafiosos” que, segundo Tchizé, vai mais longe do que é permitido por lei na distribuição dos bens penhorados, já que os “distribuirá por amigos e não apenas por juízes”.

Tchizé não o refere diretamente, mas há um decreto presidencial muito polémico, conhecido como o “decreto dos 10%”, que permite à Procuradoria-Geral da República e aos tribunais dividirem entre si essa percentagem dos bens que regressam para o Estado ao abrigo da recuperação de ativos, inserida na luta contra a corrupção.

“Isto não são coincidências”

Para a empresária, as últimas ações da PGR são apenas uma manobra de diversão, para “tirar o foco de Joel Leonardo”, o presidente do Tribunal Supremo, que está sob investigação com alegado envolvimento de familiares e funcionários numa rede de venda de sentenças, da ex-presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa e “de apurar se a vida da presidente do Tribunal Constitucional, que não aceitou fazer a recontagem dos votos [nas últimas eleições gerais, de 2022, como a UNITA pediu] é compatível com os seus rendimentos”.

A empresária acredita ainda que a investigação aos seus bens não passa também “de uma cortina de fumo” para não se falar do caso de Eugénio Quintas, mais conhecido por Man Gena, que fez nas últimas semanas várias denúncias sobre o tráfico de droga em Angola, com alegado envolvimento das elites políticas e das autoridades.

À agência Lusa, Tchizé disse que só tomou conhecimento da investigação de que é alvo pelas redes sociais e ao Observador fez questão de deixar claro “que nenhuma das suas empresas tem imóveis em Luanda e que, neste momento não faz parte da gestão de qualquer uma delas”.

A empresária afirmou que a Westside está “praticamente sem atividade desde que o Presidente João Lourenço mandou tirar do ar” o seu canal Vida TV e lamentou estar “impossibilitada de trabalhar no mercado angolano” por ser “crítica” de João Lourenço.

“Nas antigas instalações da Vida TV hoje opera um novo canal e opera com grande parte dos ex-trabalhadores da Vida TV, mas sem mim. Isso explica muita coisa”, destacou Tchizé dos Santos, acrescentando: “Existe uma perseguição política provada à minha pessoa”.

Ao Observador a filha de José Eduardo dos Santos lembrou que depois disso ainda teve um outro projeto que viu ser sucessivamente inviabilizado em Angola. Refere-se ao Lifestyle em Português um “canal de reality TV” de e para o mundo lusófono cujos conteúdos estão no YouTube.

“Depois de muito sucesso, fiz um acordo com uma empresa que tinha uma licença para operar em Angola, a Atlântico, mas não tinha conteúdos, fechámos todo o negócio, com a TV Cabo angola e no dia em que o canal era para ir para o ar, a TV Cabo comunicou ao nosso parceiro que não podiam continuar a emitir aquele canal na plataforma porque estavam ligados a mim”, queixou-se Tchizé dos Santos. “A TV Cabo é da Angola Telecom, que é do Estado e que tem uma golden share na TV Cabo — isto não são coincidências”, rematou.

Tchizé dos Santos defendeu que não havia qualquer irregularidade e para assegurar que o canal tinha qualidade, recordou que foi contratado “pelo maior fornecedor da televisão por satélite em África, que é a DSTV”. Ou seja, “nenhum grupo daquela dimensão internacional paga um milhão de dólares por ano por conteúdos de quem não tem mérito ou não é o melhor no mercado angolano”, justifica. Mas também aqui, segundo Tchizé, a DSTV terá sido “pressionada a acabar com o acordo e o canal foi tirado do ar”.

Em todos estes processos, a filha de José Eduardo dos Santos vê a mão de João Lourenço: “Ele desligou dois canais privados meus em duas operadoras diferentes de Tv Cabo. E antes já tinha cancelado os serviços à TPA2”.

No entanto, de acordo com a TPA, citada pela Lusa, os pagamentos anuais à Westside/Semba ultrapassavam os 17 milhões de dólares (quase 16 milhões de euros) e as empresas — privadas — usufruíam de estúdios modernos e equipados com as melhores tecnologias sem quaisquer custos, acrescentando que a estação televisiva sempre assumiu as suas obrigações, apesar do caráter “leonino e abusivo dos contratos em causa”.

A empresária disse ainda à Lusa que as empresas e projetos que lançou “têm valor como marcas” e queixa-se de o governo angolano ter tentado plagiar os “Prémios Angola 35 graus”, que agora são organizados de forma “sigilosa e quase clandestina” para evitar boicotes.

“Tendo vencedores e até apresentadores sido pressionados a não comparecer para receber os prémios ou apresentar a cerimónia”, declarou à Lusa, insistindo que há “uma determinação” em destruir a sua reputação e bom nome.

“Eu não sei o que lhe fiz para me estar a fazer esta perseguição”

“Estou banida de trabalhar no meu próprio país, em Angola”, lamentou ao Observador, aludindo ainda ao seu “projeto social”, o Tea Club, para micro empreendedores, com cursos de padaria e pastelaria para mulheres.

“Até isso tentaram proibir”, assegurou, contando o que vê como boicotes, queixando-se de que os participantes chegaram a ser expulsos de um workshop  e o recinto fechado a cadeado: “Tiveram de ir acabar a formação num quintal de uma das participantes”, continuou.

“Era um workshop de decoração de mesas para festas, casamentos e batizados, etc., apenas tinha lá toalhas e alguns enfeites temáticos do Mickey, por exemplo”, relatou. “Disseram que era por ser da Tchizé dos Santos. Isto foi dito pelo senhor administrador Tany Narciso, dirigente do MPLA e também pela responsável pelo mercado onde a voluntária tinha o espaço”, afirmou.

“É o cúmulo da perseguição. Até para ajudar as pessoas num país onde há fome eu tenho que fazer de forma clandestina. No Tea Club temos que preparar os workshops de crochet, de decoração de mesas e fazer pão caseiro quase às escondidas. Ou on-line. Por exemplo, temos o próximo workshop dia 9 de março e só anunciei hoje. Começa na quinta-feira e domingo acaba, para não dar tempo para sabotagem. Até para fazer algo bom pelo país temos que agir como se fosse um crime? Que país é esse? Pessoas do mesmo partido? Temos que estar a pedir aos participantes para não dizerem onde vai ser. E só publico as fotografias no final de tudo quando o workshops terminou”.

Tchizé diz que por vezes se sente “como se estivesse a viver no filme ‘A Vida é Bela'”, que retrata a vida num campo de concentração durante a II Guerra Mundial. “A perseguição toda, a morte do meu pai, a luta pelo corpo, o funeral sórdido, mas eu a tentar ainda mostrar o lado belo de se estar vivo, apenas”, considerou.

Questionada sobre os seus rendimentos atuais, “Tchizé” dos Santos respondeu que tem negócios na restauração e estética e que se dedica ao Tea Club, “porque o Presidente João Lourenço se encarregou de destruir tudo o resto”, tendo também casas arrendadas em Luanda “a cidadãos estrangeiros”.

E realçou ainda que não consegue tratar de nada “relacionado com Angola ou repartições angolanas”, tendo tido “prejuízos brutais” em algumas atividades. “Eu não sei o que lhe fiz para me estar a fazer esta perseguição, a não ser por ser filha de José Eduardo dos Santos. E concluo isso pelas outras pessoas que se dizem perseguidas por João Lourenço, com as quais partilho o mesmo pai”, referiu, numa alusão à irmã Isabel dos Santos, alvo de vários processos judiciais em Angola e noutras jurisdições, incluindo Portugal.

“Só nos vergarão com chibatadas”

Também a mãe Milucha veio a terreiro defender Tchizé e Coréon Dú nas redes sociais. “Sabem muito bem  que os meus filhos não são proprietários de nenhum condomínio, nem são sócios de minas de ouro de diamantes, outros minérios, de empresa petrolíferas, de telecomunicações, ou de prestação de serviços aos petróleos, nem de bancos, nem de empresas imobiliária como a IMOGESTIN , etc”, escreveu a advogada angolana.

“Os meus ‘quadrizavós’ já pertenciam à classe média alta e à nobreza angolana e portuguesa e mesmo com mentiras, só nos vergarão com chibatadas”, assegurou Milucha.

A segunda mulher de José Eduardo dos Santos argumentou ainda que a “guerra com a Semba Comunicação, fruto do talento e criatividade que as  ‘Ordens Superiores’ [frase muitas vezes invocada em Angola, também no tempo dp ex-Presidente de Angola, para determinar algumas ações] e os invejosos não têm, foi porque estava a fazer concorrência à Orion do MPLA, que trabalhava com consultores brasileiros a quem pagava milhões, lá eles sabem como e porquê”.

Milucha vê “desnorte” nas “Ordens Superiores” que “estão em pânico com os escândalos atuais do poder judicial jurídicos e com os rabos de palha superiores e estão a ver se conseguem desviar as atenções”.

Até aqui, os dois filhos mais velhos do ex-Presidente, Zénu e Isabel dos Santos, também a braços com a justiça angolana, têm sido a fase mais visível do combate à corrupção de João Lourenço, que tem visado principalmente familiares e generais que eram próximos de José Eduardo dos Santos.

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Isabel dos Santos, que é procurada por suspeitas dos “crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influência e lavagem de dinheiro“, tem negado todas as acusações, queixa-se de perseguição e afirma desconhecer a existência de um mandado de captura da Interpol contra si.

Também a irmã Tchizé dos Santos, tal como Isabel a residir fora da Angola há vários anos, acusa João Lourenço de perseguir a famílias Dos Santos e de ter sido ameaçada.

(notícia atualizada às 18h2o do dia 7 com novas declarações de Tchizé dos Santos)