O défice orçamental de 2022 ficou nos 0,4%, anunciou esta sexta-feira, 24 de março, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE). Um valor que confirma um brilharete que o Governo tem dito tratar-se de contas certas, a preparar o futuro das finanças públicas, assumindo, no entanto, que o tem conseguido não deixando de prestar apoio às famílias e às empresas.

E isso mesmo que Fernando Medina se prepara para dizer na conferência de imprensa marcada para as 12 horas, em que o Governo vai anunciar mais medidas de apoio. O Governo inscreveu uma projeção para o défice, no Orçamento do Estado para 2023, de 1,9%, ficando, assim, abaixo dessa meta, e mesmo abaixo do valor que António Costa já tinha admitido que ficaria, de 1,5%.

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O saldo orçamental continua negativo, mas perto do equilíbrio. O CFP (Conselho das Finanças Públicas) tinha no início da semana estimado que o défice de 2022 teria ficado nos 0,5%, mas pediu cautela na análise deste equilíbrio. Ficou ainda abaixo desse valor, mas o CFP considerou o impacto do apoio financeiro do Estado à TAP no montante de 990 milhões de euros. E explicou: “Trata-se de uma operação que se encontra ainda em análise pelas autoridades estatísticas nacionais. Este valor difere dos 600 milhões admitidos pelo Ministério das Finanças na proposta para o Orçamento do Estado para 2023 cujo entendimento se sustenta no argumento dos remanescentes 390 milhões se destinarem ao reembolso parcial do empréstimo concedido pela TAP S.A. à respetiva holding, o qual se encontraria contabilizado na dívida pública do conjunto das administrações públicas. Caso se considerassem 600 milhões de euros o défice seria 0,3% do PIB”.

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O INE explica que “entre as transferências de capital registadas em 2022, salienta-se o apoio concedido pelo Estado português ao Grupo TAP (com um impacto de 990 milhões de euros) e à Efacec (159 milhões de euros) e os apoios concedidos pelo Governo Regional dos Açores à SATA Air Açores (197 milhões de euros). Estas operações foram registadas em contas nacionais como transferência de capital tendo em consideração a situação económica e financeira das empresas nos últimos anos. Contribuiu, ainda, para a despesa de capital a conversão de ativos por impostos diferidos (DTA) em crédito tributário (245 milhões de euros), que em contabilidade pública está registada como redução de receita de IRC”.

Fernando Medina, ministro das Finanças, avançou explicações para que o défice tivesse ficado tão abaixo do projetado pelo Governo. Primeiro com a justificação da passagem de mil milhões de euros de ajudas por causa do preço do gás para 2023, só isso retirou 4 décimas ao défice, que ficaria com isso nos 0,8%. E por outro lado houve uma decisão do INE de não reafetar, como chegou a ser equacionado a nível europeu, receitas de IRC de 2022 a anos anteriores. O INE, disse Medina, entendeu que não devia realizar essa transferência, o que contribuiria com mais 4 décimas, e chegava-se a um défice de 1,2%. Além de que o crescimento económico foi maior do que o previsto, sustentou, para defender que não há um esforço desmedida no sentido das contas certas.

Segundo dados divulgados pelo INE, “o saldo das Administrações Públicas (AP) diminuiu 1,4 pontos percentuais no quarto trimestre de 2022, fixando-se em -0,4% do PIB (-2,9% em 2021)”. O que significa que face aos 1,9% de défice previsto no Orçamento, a diferença entre o orçamentado e o obtido é superior a uma “poupança” de 3,5 mil milhões de euros. O défice orçamental em 2022 ficou assim abaixo de mil milhões — segundo o INE ficou nos 944,4 milhões de euros.

António Costa já tinha justificado por questões contabilísticas que o défice iria ser menor, pelo facto do INE não ter considerado como despesa de 2022 um auxílio para compensar os preços de energia. Transitou para 2023. Só aí estão 1.400 milhões de euros, concretizou o primeiro-ministro esta quarta-feira, no Parlamento, resumindo: “A contabilidade tem razões que a própria razão desconhece”. Mesmo se essa despesa tivesse sido inscrita o défice ficaria ainda assim abaixo de 1%.

O INE contabilizou, segundo descreve, uma “redução dos subsídios pagos em cerca de 40%, refletindo a diminuição de despesas com medidas públicas de proteção do emprego implementadas durante a pandemia como o layoff simplificado, que mais do que compensou o registo, como subsídios pagos em 2022, da alocação adicional de verbas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN) para redução das tarifas de eletricidade, no montante de 650 milhões de euros”.

Os valores divulgados pelo INE realçam uma diminuição do saldo orçamental de mais de cinco mil milhões de euros face a 2021, quando ficou em 2,9%. O saldo corrente ficou mesmo positivo em 6,7 mil milhões de euros. As receitas com impostos sobre produção e importação melhoraram 4 mil milhões face a 2021, enquanto os impostos sobre rendimentos e patrimónios superaram os 5 mil milhões em relação a 2021, atingindo os 25,7 mil milhões de euros.

Fonte: INE

A despesa com juros ainda diminuiu em 2022. O INE contabilizou uma redução de 9,4%, “refletindo essencialmente a menor despesa com os juros dos empréstimos obtidos ao abrigo do Programa de Assistência Económica e Financeira, o que se relaciona com o efeito da extensão do empréstimo do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), ocorrida em julho de 2021, que se traduziu numa redução da respetiva taxa de juro”. Assim, “a evolução da despesa em juros mantém a tendência decrescente iniciada em 2015: em 2014, a despesa com juros atingiu 8,4 mil milhões de euros e, em 2022, foi de 4,7 mil milhões de euros”. Em 2022 o BCE começou, no entanto, a subir as taxas de juro de referência, movimento que continua em 2023. Ainda na última reunião subiu mais 50 pontos base as suas taxas, o que, aliás, mereceu a crítica de António Costa, que considerou como errada.

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O Governo divulgou esta sexta-feira um conjunto de medidas de apoio às famílias, que contabilizou em 2,5 mil milhões de euros, mas garante não ser necessário um orçamento retificativo. Mas também não disse se iria rever a projeção do défice para 2023. No Orçamento para este ano prevê um saldo orçamental negativo para o ano de 0,9%, o que significará, a concretizar-se, um agravamento do défice em 0,5 pontos percentuais ou cerca de 1,2 mil milhões de euros.

De acordo com dados do INE, também divulgados esta sexta-feira, a dívida bruta das administrações públicas ficou, em 2022, nos 113,9% do PIB, o que compara com os 125,4% do ano anterior.

Nos dados divulgados pelo INE esta sexta-feira há ainda os rendimentos das famílias e das empresas. Segundo o INE, o rendimento disponível bruto das famílias aumentou 3,3% face ao trimestre anterior e 7,8% relativamente a 2021. As remunerações cresceram 2,5% no quarto trimestre e 9,6% em termos anuais. E a taxa de poupança fixou-se em 6,1% (5,8% no trimestre anterior e 9,9% em 2021). Em termos reais, o rendimento disponível bruto das famílias ajustado per capita aumentou 0,6% e 1,1%, relativamente ao trimestre anterior e a 2021, respetivamente.