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Depois de "uma temporada em exílio" em Inglaterra, o caderno manuscrito de Judith Teixeira está na Biblioteca Nacional de Portugal

Este artigo tem mais de 1 ano

Cláudia Pazos Alonso depositou esta quarta-feira na Biblioteca Nacional de Portugal o caderno manuscrito de Judith Teixeira que adquiriu nos anos 90. É o primeiro manuscrito da autora a entrar na BNP.

Além do caderno, a professora na Universidade de Oxford doou dois exemplares dactilografados da conferência "Da Saudade" que descobriu no interior
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Além do caderno, a professora na Universidade de Oxford doou dois exemplares dactilografados da conferência "Da Saudade" que descobriu no interior

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Além do caderno, a professora na Universidade de Oxford doou dois exemplares dactilografados da conferência "Da Saudade" que descobriu no interior

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Foi assinado esta quarta-feira à tarde o protocolo que formalizou a doação de um caderno manuscrito de Judith Teixeira à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa, por Cláudia Pazos Alonso, professora de Literatura Portuguesa e Estudos do Género na Universidade de Oxford.

Na sessão que decorreu no auditório da BNP, Maria Inês Cordeiro afirmou ser “muito importante” para a BNP “poder recolher este testemunho direto da produção literária de Judith Teixeira, da qual, se calhar, não haverá mais”, lembrando que se trata do primeiro manuscrito da autora “pioneira” a dar entrada na biblioteca, que alberga importantes espólios literários, como o de Fernando Pessoa e o de Sophia de Mello Breyner Andresen.

“Judith Teixeira foi pioneira, não só por ser mulher e acompanhar a geração modernista, mas também pela expressão da sexualidade e até da homossexualidade”, destacou a diretora da BNP. Cláudia Pazos Alonso defendeu que o caderno, que adquiriu num alfarrabista em Lisboa nos anos 90, “deve estar em Portugal”. “Já passou uma temporada em exílio, em Oxford.”

A assinatura do protocolo foi antecedida por uma conversa informal entre a doadora e Fabio Mario da Silva, professor de Literatura Portuguesa na Universidade Federal Rural de Pernambuco. A investigadora e professora começou por lembrar que se assinalam os 100 anos da publicação de Decadência, o livro de estreia de Judith Teixeira, e do escândalo da chamada “Literatura de Sodoma”, que, na sua opinião, foi desencadeado também por “esta voz fortíssima de mulher, que foi mais esquecida do que Raúl Leal e António Botto”, também envolvidos no escândalo, que ocupou os primeiros meses de 1923.

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A escritora ”desavergonhada”, como lhe chamou Marcelo Caetano, foi um dos principais alvos da “ação moralizadora” promovida pela Liga de Ação de Estudantes de Lisboa, liderada por Pedro Teotónio Pereira, futuro ministro de Salazar, contra a chamada “Literatura de Sodoma”, um termo cunhado pelo jornalista conservador Álvaro Maia num texto que serviu de resposta ao ensaio “António Botto e o Ideal Estético em Portugal”, de Fernando Pessoa. A polémica resultou na apreensão e destruição, no início de março de 1923, de vários livros considerados “imorais” por tratarem questões ligadas à sexualidade e homossexualidade, incluindo a segunda edição aumentada de Canções, de Botto, Sodoma Divinizada, de Leal, e Decadência, de Teixeira.

Cláudia Pazos Alonso relatou como, no início dos anos 90, quando trabalhava na tese de doutoramento sobre Florbela Espanca, o dono da Livraria Histórica e Ultramarina, em Lisboa, lhe mostrou um “tesouro”, uma sala totalmente “forrada” com obras de mulheres escritoras, muitas das quais para ela desconhecidas. “Havia um monte de cópias de exemplares de Decadência. Isso chamou-me um pouco a atenção. Porque é que havia tantos exemplares?”

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Intrigada, a investigadora procurou saber mais sobre a autora, mas havia poucos dados disponíveis. “Acabei por voltar e comprar os três volumes de poesia”: Decadência, Castelo de Sombras e Nua.

Pazos Alonso voltou muitas vezes à Ultramarina e, certo dia, o dono anunciou-lhe que tinha um manuscrito de Judith Teixeira. Como o preço pedido era muito superior ao que podia pagar na altura, a investigadora, que estava ainda a estudar combinou com José Maria Costa e Silva que, se guardasse o caderno, voltaria para o comprar quando arranjasse o primeiro emprego. “Ele guardou o manuscrito. E eu também fui fiel ao meu compromisso — quando comecei a trabalhar, comprei o manuscrito.”

O caderno manuscrito, “encadernado em couro de vinho”, contém 52 poemas, incluindo os que foram publicados em Decadência, mas numa outra ordem, e quatro poemas que foram integrados em Castelo de Sombras, a segunda coletânea da autora, publicada também em 1923. Inclui outros 14 poemas a tinta, dos quais apenas um, “Quero-te Bem”, foi publicado. Os restantes estavam inéditos até à data da publicação em 2015, pela editora Dom Quixote, do volume de poesia e prosa coordenado por Cláudia Pazos Alonso e Fabio Mario da Silva. No seu interior encontrava-se também dois exemplares dactilografados da conferência Da Saudade, com alterações manuscritas da autora.

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A professora de Literatura Portuguesa e Estudos do Género em Oxford explicou como se apercebeu ao ler o documento que Teixeira selecionou para o livro de estreia os poemas mais chocantes. “Ela teve mesmo a intenção de provocar, de sacudir um pouco. Ela diz num poema inacabado, que acho que foi o que acabou por dar nome à coletânea, em que fala aos seus contemporâneos, ‘Meus irmãos na decadência / Sacudi o falso manto da prudência’. No fundo, foi isso que ela fez com Decadência. Ela tinha noção de que ia indignar muita gente, mas não teve receio. Não se coibiu. Achou que era realmente importante publicar o livro.”

Fabio Mario da Silva destacou a importância de pensar 2023 como o ano dos 100 anos da “Literatura de Sodoma”, escândalo que teve como alvo todos os  livros com “conteúdo queer” que estavam nas livrarias em Lisboa. Partilhando da mesma opinião de Cláudia Pazos Alonso, o investigador defendeu o papel central da autora na polémica, lembrando que Decadência foi publicado alguns dias antes de Sodoma Divinizada, a defesa de Leal das Canções de Botto, que é também a explicação da sua própria teoria literária e filosófica.

“Além do contexto modernista, é importante valorizar uma escritora que olhou Portugal a partir da literatura queer e da ‘literatura de sodoma’”, defendeu Silva. “[É importante] continuar celebrando Judith Teixeira, esta mulher que estava à frente do seu tempo.”

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