Assembleias preparatórias, distribuição de panfletos, colagem de cartazes, os preparativos para a manifestação “Casa Para Viver”, agendada para 01 de abril em várias cidades do país, fazem-se num ambiente de diversidade e empenho.

São sete e meia da tarde do dia 20 e, à porta do espaço Sirigaita, na zona dos Anjos, em Lisboa, há quem se conheça pela primeira vez. Na assembleia preparatória, que começará dali a alguns minutos, vão participar três dezenas de pessoas, de outros tantos coletivos e associações. A Lusa será autorizada, após decisão coletiva, a assistir a uma parte da sessão de trabalho interna sobre a manifestação, à qual aderiram as cidades de Aveiro, Braga, Coimbra, Lisboa, Porto e Viseu.

Num exercício democrático constante, vão distribuir a agenda e enunciar a logística dos preparativos: materiais disponíveis; impressão e distribuição de folhetos; colagem de cartazes; participação em ações paralelas; partilha de informação sobre potenciais iniciativas que possam servir para alavancar a manifestação.

Direito à habitação, direito à cidade e fim da exploração e do aumento do custo de vida são as três principais reivindicações para garantir a meta de “casa digna para todas as pessoas“.

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Integrada numa ação europeia pelo direito à habitação, coordenada pela European Action Coalition for the Right to Housing and the City, a manifestação “Casa Para Viver” junta perto de cem subscritores, entre organizações, coletivos, grupos comunitários e associações de moradores.

Habitação. Manifestações marcadas para seis cidades no dia 1 de abril

Com ‘quartel-general’ em Lisboa, os diversos coletivos que aderiram à manifestação pelo direito à habitação tomam decisões por maioria e dividem-se por grupos de trabalho temáticos.

Na assembleia, realizada no dia 20, sugere-se o foco no Estado ou no Governo, como um todo, em vez de fulanizar (por exemplo, no presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas) e salienta-se a transversalidade da luta e a ligação a outros movimentos sociais, nomeadamente ao Vida Justa (responsável pela manifestação de 25 de fevereiro, que levou milhares de pessoas às ruas).

O recurso às redes sociais como forma de comunicar a manifestação gera debate e divide opiniões. Por outro lado, todos concordam com a recolha de testemunhos para partilhar nas redes sociais e, através de situações concretas, “desconstruir as medidas do Governo“.

Fica decidido que um grupo distribuirá folhetos na manifestação dos estudantes universitários, agendada para dali a dias. A Lusa acompanha esse momento, no dia 23. Um pequeno grupo aproveita a concentração de jovens no Largo de Belas Artes para apresentar o movimento e as razões da manifestação “Casa Para Viver”. Quem ouve, acena, consciente do problema.

Estamos a reivindicar o direito à habitação e sabemos que um dos grupos mais prejudicados pela falta de acesso são os estudantes. Faltam imensas residências estudantis […]. Tanto que muitos, inclusive, já começaram a deixar de poder estudar nos sítios […] por não poderem pagar as suas casas”, lembra Raquel Serdoura, uma das cinco porta-vozes da manifestação “Casa Para Viver”.

A preparação está a ser trabalhosa, mas conta com “pessoas de todo o tipo, de todas as esferas, de todas as classes sociais”, incluindo algumas que “nunca sequer pensaram em participar” em movimentos associativos ou manifestações, assinala.

Não desistimos, estamos a resistir, quando nos querem expulsar das cidades, quando nos dizem que a casa é um luxo e não um direito”, vinca.

Na mesma assembleia preparatória, decide-se uma colagem de cartazes na noite de 27, que a Lusa também acompanha. No espaço Sirigaita, duas dezenas de pessoas enrolam cartazes e preparam cola em quatro baldes. Dividem-se em grupos, por zonas mais ou menos próximas (Campo Grande, Cidade Universitária e Entrecampos, Penha de França e Graça, Senhor Roubado e Odivelas, etc.), enquanto vão fixando prioridades: as universidades são estratégicas.

Há dois carros disponíveis, mas muitos mais passes de transportes. Um dos grupos começa na zona dos Anjos, aproveitando os tapumes de um prédio devoluto há anos. O dono da pizzaria em frente vem pedir que colem um cartaz à porta do estabelecimento. Duas turistas francesas que por ali passam tiram fotografias e comentam: “Este problema está por todo o lado, em França é igual, também vai haver manifestação no dia 01 de abril.”

Rita Silva, outra das porta-vozes da “Casa Para Viver”, adianta que todos os dias há novas organizações a subscreverem o manifesto, o que antecipa “grandes manifestações” para 01 de abril.

Queremos uma mudança de políticas. Esta manifestação vai servir para dizer, em primeiro lugar, que as medidas atuais do Governo não nos convencem e que não pensamos que estas medidas sejam […] eficazes para resolver o problema da habitação”, frisa.

O manifesto “tem uma série de propostas” para “resolver a crise da habitação”, entre as quais a regulação e o controlo das rendas e “dar uso, efetivamente, às casas vazias dos grandes proprietários, dos fundos de investimento”.

Ao mesmo tempo, defendem a “suspensão total” dos despejos e da não-renovação dos contratos de arrendamento. “As pessoas não têm para onde ir”, assinala, recordando que esse recurso foi adotado durante a pandemia de Covid-19 e “também devia ser feito agora”.

Ao nível das instituições financeiras, propõem a suspensão da penhora da casa de morada de família, face ao aumento das prestações, e a regulação dos ‘spreads’ (taxas pagas pelo empréstimo bancário).

É fundamental reduzir os apartamentos turísticos drasticamente. […] Não podemos continuar e ficar à espera. Só daqui a sete anos é que vamos reduzir efetivamente, ou não, os apartamentos turísticos e é agora que precisamos dessas medidas”, acrescenta Rita Silva, antecipando que as coisas não mudarão “só com uma” manifestação, mas acreditando que “é muito importante” ir para a rua reivindicar “outras” medidas.