O concurso para a escolha dos candidatos nacionais à Procuradoria Europeia continua a ter problemas — e quando estamos apenas a menos de três meses do final do mandato de José Guerra. Depois do juiz desembargador José António Rodrigues Cunha desistir da sua candidatura esta sexta-feira, foi agora a vez do juiz Ivo Rosa.

A poucas horas de ser ouvido na Comissão dos Assuntos Europeus — a sua audição estava marcada para as 12h —, o juiz Ivo Rosa enviou um longo email ao Parlamento onde invoca a sua participação num julgamento de um caso de genocídio no Ruanda, que decorre no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, para desistir da sua candidatura.

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Entretanto, a audição do procurador José Ranito, que estava prevista para as 11 horas, foi adiada sine die. Por proposta do PSD, todos os grupos parlamentares concordaram que não havia condições para que a audição se concretizasse, tendo em conta que a lei impõe que o Parlamento se pronuncie e avalie três candidatos.

Ivo Rosa faz questão de especificar no seu email que só foi nomeado a 16 de janeiro de 2023 pelo TPI, ou seja, após a sua candidatura a procurador europeu ter sido autorizada pelo Conselho Superior da Magistratura. “O julgamento em causa irá prolongar-se para além do prazo inicialmente previsível para a sua conclusão”, nomeadamente para “além de julho do corrente e seguramente durante o ano de 2024”, lê-se no email a que o Observador teve acesso.

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O facto de o julgamento em Haia prolongar-se impede, argumenta o juiz, a substituição de José Guerra na Procuradoria Europeia. Isto, claro, se Ivo Rosa fosse o selecionado pela Conselho da União Europeia. O que Rosa não explica é porque razão comunica ao Parlamento a sua desistência apenas a poucas horas da sua audição marcada para esta manhã.

Líder da Iniciativa Liberal ataca Ivo Rosa e diz que concurso é ilegal

Recorde-se que, tal como o Observador noticiou ao final da noite desta terça-feira, o deputado Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, atacou no Twitter a condição de candidato de Ivo Rosa devido aos dois processos disciplinares que tem pendentes no Conselho Superior da Magistratura — e que têm sido noticiados pelo Observador.

Além de afirmar que o concurso tal como está “colide com a lei” porque “só há dois candidatos (o terceiro desistiu)”, Rocha fez questão de afirmar que Ivo Rosa “enfrenta dois processos disciplinares” que estão na origem do facto de a sua promoção a juiz desembargador “se encontre suspensa”, lê-se na sua publicação no Twitter.

Daí que o líder dos liberais questione: “não pode ser promovido, mas pode ser designado pelo Governo PS para procurador europeu? Quando Portugal registou em 2022 a segunda maior estimativa de prejuízos causados pelos crimes sob investigação pela Procuradoria Europeia, com cerca de três mil milhões de euros? Não tem sentido. É esta a imagem que António Costa quer dar da justiça portuguesa?”, conclui.

Esta manhã, já depois de ser anunciada a desistência de Ivo Rosa, Rui Rocha voltou a dizer que o processo está ferido de ilegalidade devido a um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que impõe um mínimo de três candidatos.

“O próprio juiz Ivo Rosa teve mais juízo do que o próprio Governo – que queria levar isto para a frente nestas condições porque o processo está inquinado e tem de começar de novo. E com a transparência que o Governo não tem sabido assegurar”, afirmou esta manhã Rui Rocha em declarações à RTP.

Parecer da PGR: “número de candidatos deverá ser igual ou superior a três”

A desistência do juiz Ivo Rosa e do desembargador Cunha Rodrigues faz com que apenas reste um candidato: o procurador José Ranito, que é neste momento procurador delegado da Procuradoria Europeia em Lisboa.

O facto de existir apenas um candidato pode criar uma sombra de ilegalidade sobre o concurso. E porquê? Tal como o Observador noticiou em exclusivo, o procurador José Ranito e o juiz Ivo Rosa foram os dois únicos candidatos que foram enviados para o Governo pelos conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público, o que suscitou dúvidas legais à ministra Catarina Sarmento e Castro.

Ou seja, a ministra da Justiça tinha dúvidas se a lei portuguesa e o regulamento europeu não obrigariam à apresentação de mais do que dois candidatos nacionais. E decidiu solicitar no final de 2022 um parecer urgente ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR).

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O parecer do Conselho Consultivo, datado de 19 de janeiro de 2023 e que foi homologado por Sarmento e Castro, diz claramente que os órgãos de gestão do Ministério Público e da magistratura judicial devem indicar cada um “três candidatos”, num total de seis candidatos.

Caso tal não seja possível, lê-se no parecer, a lei impõe à mesma que o “número de candidatos apresentados à AR deverá ser igual ou superior a três”. Dito de outra forma, “poderá transmitir menos de seis, mas nunca menos de três.”

Ora, e ao contrário dos concursos de 2020 que geraram um total de quatro candidatos (um juiz que não foi considerado elegível pela então ministra Francisca Van Dunem e três procuradores), o concurso de 2022 não cumpre o número mínimo legal de candidatos depois da desistência de Rodrigues Cunha e de Ivo Rosa, de acordo com a interpretação do Conselho Consultivo da PGR homologada pela ministra da Justiça.

Resta saber o que fará agora Sarmento e Castro. O Observador já contactou o Ministério da Justiça.

Desembargador Rodrigues Cunha foi o primeiro a desistir

A 14 de abril, tinha sido a vez vez do desembargador Rodrigues Cunha anunciar também por email à Comissão dos Assuntos Europeus a anulação da sua audição prevista para as 12 horas desta quarta-feita (19 de abril) por ter decidido “não prosseguir com a candidatura relativa” ao concurso para a Procuradoria Europeia.

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Rodrigues Cunha, que já tinha estado envolvido numa polémica durante o primeiro concurso de 2019 para a Procuradoria Europeia quando tentou impugnar o concurso por ter sido excluído da short list de três nomes que a ministra Francisca Van Dunem enviou para o Conselho da União Europeia, foi agora o último candidato a surgir.

As desistências à última da hora de Rodrigues Cunha e Ivo Rosa fazem com que o concurso para a Procuradoria Europeia fique com a sombra da ilegalidade a pairar sobre o procedimento.