A NBA tem os seus ciclos próprios. Cada equipa oscila entre momentos de relevância e irrelevância. O período de menor preponderância dos Philadelphia 76ers na liga norte-americana de basquetebol já ia longo. O franchise parecia ter ficado agradado com o “quase” que foi a chegada às finais, em 2001, com Allen Iverson como jogador de referência. Acontece que as temporadas que se seguiram não foram o passo em frente necessário para chegar ao título. Em 2013, Sam Hinkie foi contratado como general manager dos Sixers e iniciou o processo de reconstrução da equipa, com o objetivo de, a longo prazo, nascer em Philadelphia um candidato ao troféu Larry O’Brien. Assim, Hinkie, numa tentativa de gerir expectativas e preparar os adeptos para temporadas em que os Sixers chegaram a vencer apenas dez dos 82 jogos que compõe a fase regular da NBA, instalou na cidade o lema Trust the Process [Confiar no Processo].

Com sete escolhas no draft de 2014, o Sixers começavam a reunir as primeiras peças para um futuro que os levasse ao título. Não era óbvio que Joel Embiid, da Universidade de Kansas, fosse o melhor prospect disponível no draft daquele ano. Uma fratura de stress no pé direito demonstrava ser um jogador propício a lesões. Talvez por isso tenha caído para a terceira escolha quando era apontado a ser o primeiro nome a ser chamado. À sua frente foram escolhidos Andrew Wiggins (Cleveland Cavaliers) e Jabari Parker (Milwaukee Bucks). Os Sixers não erraram no alvo, mas demoraram a beneficiar dele. Joel Embiid falhou as duas primeiras temporadas na NBA devido a lesões. “Estava num lugar tão escuro. Queria desistir do basquetebol”, comentou mais tarde o camaronês. Se o tivesse feito, não se teria tornado MVP da fase regular da NBA em 2023.

Embiid não começou a jogar basquetebol assim há tanto tempo. Tinha mais tendência para usar a altura no voleibol até descobrir e se inspirar no nigeriano Hakeem Olajuwon. Só em 2011 aterrou nos EUA para se dedicar ao desporto que viria a dominar. “Quando vim dos Camarões, aos 16 anos, não sabia nada de inglês, não conhecia uma única pessoa na América, não entendia realmente a cultura, exceto o hip hop básico. E sei que as pessoas meio que conhecem a minha história, mas não entendem realmente o quão louca ela é. Porque eu tinha acabado de começar a jogar basquetebol, literalmente, três meses antes de receber uma oferta para jogar na Flórida”, contou no The Players’ Tribune. “Era tão mau que o treinador expulsou-me do pavilhão”.

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Apesar das condições físicas extraordinárias, Embiid demonstrava dificuldades técnicas que lhe dificultavam o desenvolvimento. Era enorme, mas desajeitado. Para grandes problemas, grandes soluções. Segundo o jogador, enquanto dava os primeiros passos no basquetebol norte-americano, pesquisava no Youtube tutoriais sobre como lançar ao cesto. Quando tentava pôr em prática o que via, Embiid tentava imitar os melhores. Foi aí que começou a fazer o que toda gente já fez ao atirar uma bola de papel para o balde do lixo. “Sempre que estava a lançar a bola no parque, gritava: ‘KOBEEEEEE!’“, revelou no The Players’ Tribune. Daí que o primeiro jogo da NBA que Embiid viu ao vivo tenha sido um Los Angeles Lakers-Orlando Magic, das finais de 2009.

O seus 2,13m por 127kg demoraram a ter impacto na NBA, mas, após duas temporadas, demonstrou o que o diferenciava dos restantes. Aliado ao que fazia a partir do low post, a jogar de costas para o cesto, contra os maiores jogadores da liga, o poste começou a exibir uma capacidade de lançamento exterior e de meia distância com uma eficácia fora do normal para um jogador com as suas características físicas. À sua volta os Sixers reuniram peças como Markelle Fultz e Ben Simmons, mas rapidamente perceberam que Embiid era o jogador a preservar na equipa para alcançarem o título, o que ainda está por cumprir.

Fultz e Simmons, igualmente prejudicados por lesões no período de adaptação à liga, revelavam capacidades interessantes de playmaking, mas eram muito limitados ao nível do lançamento, o que comprometia o plano de jogo da equipa e, muitas vezes, prejudicava Embiid, uma vez que as defesas se concentravam na área pintada, pois a equipa de Philadelphia não ameaçava da linha de três pontos. Era fácil perceber que o poste era o jogador mais completo dos jovens talentos à disposição do franchise. Assim, os Sixers começaram a reunir jogadores de maior renome — Jimmy Butler e Tobias Harris — e atiradores — Shamet, Korkmaz e JJ Redick — que se encaixassem no estilo de Embiid. No entanto, a equipa, hoje comandada por Doc Rivers, não conseguiu sequer chegar às finais de da Conferência Este.

Apesar de tudo, no meio de muitas entradas e saídas, Embiid tem sido o jogador a carregar o Process, mantendo os Sixers competitivos e à beira de conseguirem algo mais do que aquilo que Alllen Iverson conseguiu em 2001. Embiid foi eleito MVP da fase regular da NBA numa altura em que está lesionado e desfalca a equipa de Philadelphia na série contra os Celtics. O poste superou Giannis Antetokounmpo e Nikola Jokic na votação, tornando-se no quinto sixer a conquistar o prémio individual depois de Allen Iverson, Julius Erving, Moses Malone e Wilt Chamberlain. Antetokounmpo e Jokic foram os últimos vencedores do prémio (cada um ganhou dois), o que faz do camaronês o terceiro jogador seguido a não nascer nos Estados Unidos a ser MVP. Esta temporada, os Sixers obtiveram um registo de 54 vitórias e 28 derrotas, terminando no terceiro lugar da Conferência Este. Embiid fechou a fase regular com médias de 33,1 pontos (55% de eficácia em lançamentos de campo), 10,2 ressaltos, 4,2 assistências e 1,7 desarmes de lançamento por jogo.

“Passei por muita coisa. Não estou falar apenas de basquetebol. Estou a falar da minha vida, da minha história, de onde venho, como cheguei aqui e do que foi preciso para estar aqui. Sabe bem”, disse Embiid depois do anúncio de que era o vencedor do prémio. O domínio do poste na liga não fica escondido. Quando o Sixers defrontaram os Cavaliers, Embiid encostou-se em Evan Mobley, um dos finalistas para o prémio de Defensor do Ano, e atirou-o quase para fora do campo numa demonstração de que é indefensável. Aos 29 anos, ainda não completou o processo, mas ninguém o pode acusar de não impor a sua lei.