A Parpública sempre soube da origem dos fundos com que David Neeleman entrou na TAP, os chamados fundos Airbus, e defende que o negócio foi um “exercício de transparência”. No entanto, no dossiê que levou para a reunião com o novo Governo que tomou posse em dezembro de 2015, e que tinha as peças mais importantes da operação, não havia referência explícita aos fundos Airbus “porque não era um tema”. “Estava resolvido, o dinheiro era da Atlantic Gateway”.

A garantia foi dada esta terça-feira na comissão de inquérito à TAP por Pedro Ferreira Pinto, que foi presidente da Parpública entre janeiro de 2014 e abril de 2016, pelo que acompanhou a privatização da TAP e a entrada de David Neeleman no capital da companhia, em 2015.

Nessa reunião estavam os então ministros Pedro Marques, Mário Centeno, e os ex-secretários de Estado Oliveira Martins e Ricardo Mourinho Félix “com quem trabalhei muitíssimo bem na passagem de pasta”, afirmou Pedro Pinto.

À mesma hora e a poucos metros, na comissão de Economia, Ricardo Mourinho Félix afirmava que nada foi transmitido ao Governo sobre os fundos Airbus e que não tinha estado na reunião de 9 de dezembro de 2015. Confrontado, Pedro Pinto afirmou que o tema terá tido mais importância para as Infraestruturas do que para as Finanças.

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O tema aqueceu nas questões do deputado do PCP Bruno Dias. “Se foi tudo tão transparente como é que só ficamos a saber ao fim de oito anos com uma fuga de informação?”, questionou. Bruno Dias quer saber porque é que a informação não está no relatório e contas da Parpública de 2015, ao que Pedro Pinto responde que está tudo nas atas e que este “é um problema político montado agora”.

Perante a insistência da deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sobre o que estava, afinal, na pasta de transição, Pedro Pinto afirmou que “é um tema que está aberto, foi visto. Os documentos têm isto implícito. Os pareceres são baseados nesses documentos”.

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Na sua intervenção inicial, Pedro Ferreira Pinto reiterou o que disse na comissão de Economia a 26 de abril. Que a TAP estava em situação difícil no final de 2014, sem a possibilidade de ser socorrida pelo acionista Estado. Os chamados fundos Airbus foram uma solução “válida e adequada”, na opinião de Pedro Ferreira Pinto, que permitia a capitalização da empresa sem envolver a disponibilidade financeira da TAP ou da Parpública. A solução foi “avaliada e aprovada por todos os intervenientes”: parceiros jurídicos e contabilísticos, Governo, Parpública e conselho de administração da TAP.

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Reiterou também que o direito de reembolso ficou retido por 30 anos. As prestações acessórias só poderiam ser retiradas se a TAP ficasse com capitais próprios positivos, mas em dezembro de 2015 eram negativos em mais 500 milhões de euros. Os termos da capitalização eram do conhecimento do Tribunal de Contas à data da auditoria sobre a capitalização e recompra da TAP, afirmou Pedro Ferreira Pinto.

Em 2014, “o dossiê TAP era preocupante, com uma situação financeira e uma dificuldade em acudir”, havia “alguns calafrios na tentativa de manter companhia aberta com capacidade para crescer e sem sofrer sanções por ajudas indevidas”. A primeira proposta de Neeleman para comprar a TAP previa a monetização de contrato de compra de aviões da TAP, que foi rejeitada. A proposta aprovada continha uma mudança, que era a cedência do contrato que previa a compra de 12 aviões por 53 aeronaves.

Questionado sobre a análise feita aos fundos Airbus, Pedro Pinto afirmou que a Parpública teve “uma série de interações com Atlantic Gateway para especificar qual era a origem dos fundos”. Foi a própria Airbus a esclarecer que apoiava o plano estratégico da Atlantic Gateway “tendo em conta o passado de sucessos com Neeleman e o acreditar no plano” do empresário. “Eles apoiaram a Atlantic Gateway no pressuposto que o apoio que deram era para investir integralmente na TAP e foi assim que se passou. Os fundos que entraram na TAP vieram da Atlantic Gateway”.

Sobre Neeleman, diz que era “um empreendedor com altas provas dadas no mercado internacional, com um bom caminho para fazer desenvolver a TAP, não só mantê-la à tona de agua”. E que é “unânime que não há quem tenha visto uma má performance”da companhia “enquanto cá estiveram”. “Foram bastante cumpridores na implementação de um plano estratégico promissor”, considera.

O tema dos fundos Airbus foi o que mais centrou a atenção dos deputados, com Pedro Pinto a sublinhar que viu “grande normalidade” nos fundos. “Para a TAP era importante que os fundos entrassem. Foi sobejamente falado que esses fundos, fixos por 30 anos, serviram para se manter companhia viva, evitar despedimentos, evitar uma TAPzinha. Beneficiaram a TAP e, por via disso, a Parpública e o Estado”.

E repetiu: “a fonte do dinheiro para a TAP foi a Atlantic Gateway. Este negocio não envolveu a venda do contrato, envolvia a troca de contratos para satisfazer uma estratégia amplamente explicada. Quem capitaliza a TAP é a Atlantic Gateway. Ninguém enganou ninguém, a TAP foi favorecida”.

O ex-gestor foi confrontado com o que disse Carlos Durães noutra audição na CPI, sobre nunca ter sido informado da operação com os fundos, desvalorizando as declarações. “A Parpública tem um circuito de informação extremamente documentado. Preferia não fazer grandes comentários, têm as atas, pode tirar as suas ilações, é melhor do que estar aqui a explicar minudências que importam pouco”. Sobre o facto de a operação não constar no relatório e contas da Parpública de 2015, Pedro Pinto diz não saber explicar.

O ex-gestor da Parpública defendeu ainda a privatização feita pelo Governo do PSD, desmistificando que tenha sido feito, nas palavras do deputado do PSD Paulo Moniz, “numa madrugada sombria de nevoeiro, uma narrativa conveniente a alguns”.

“Eu que não sou político, nunca percebi bem que se diga que isto tinha sido uma correria, foi uma operação muito trabalhosa, muitíssimo bem feita, nada foi feito em cima do joelho. Foi altamente escrutinado, muito bem ilustrado, altamente documentado, escondido em zero, ao acesso de todos. Tomou-se um cuidado maior que o normal de deixar bem documentado. Foi assinado ao final do dia, podia ter sido de manhã mas as parangonas dos jornais diriam que foi numa alvorada”.