“Lembro-me que ao longo dos anos fomos acusados de intervir em tudo e de sermos demasiado controladores. Agora sou acusado do contrário”. João Leão tinha mais respostas para dar sobre a TAP do que o seu antecessor no cargo — Mário Centeno — sobretudo num tema central para a comissão parlamentar de inquérito como os 55 milhões de euros pagos a David Neeleman em 2020 para sair da transportadora. Ainda assim, e depois dos esclarecimentos prestados de manhã pelo ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, os deputados continuam com dúvidas.

“Tanta pergunta sobre os 55 milhões…” e nem Pedro Nuno Santos desvendou que cálculo foi este. “É um ponto de encontro”

Outra dúvida que surgiu nesta audição, e que João Leão não soube explicar quando questionado pela primeira vez, foram os 11,9 milhões de euros, “reembolsados em espécie” a Humberto Pedrosa, na mesma altura que estaria a ser passado um cheque de 55 milhões de euros para livrar a TAP e o Estado do impasse criado por David Neeleman que ameaçava levar a empresa ao colapso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Numa audição em que procurou desfazer a ideia de que se dava mal com o ex-colega das Infraestruturas, João Leão reconheceu que devia ter sido informado da saída da administradora Alexandra Reis em fevereiro de 2022, mas quando lhe perguntaram quem teve a culpa ilibou o atual administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires. E não apontou na direção do Ministério das Infraestruturas de Pedro Nuno Santos com quem, garantiu, teve uma relação “bastante produtiva” no que toca à TAP.

1Os 55 milhões “claros e transparentes” logo em 2020. Na versão de João Leão, o diploma que aprova a compra da participação de 22,5% ao empresário americano “justificou o valor de forma transparente e clara, indicando o respetivo racional.” Mas o ex-ministro, que também é professor de Economia, tentou explicar como se chegou ao resultado, avisando que “um processo negocial não é uma fórmula”. A negociação “difícil” durou poucas semanas e o objetivo “era garantir que o valor ficava muito abaixo do valor que eles exigiam e que podia ser exigido em tribunal”.

Esse valor máximo chegou a ser referido por João Leão — os pelo menos 224 milhões de euros colocados por Neeleman em prestações acessórias na TAP (ainda que com dinheiro da Airbus, mas sobre isso o ex-ministro nada sabe) e os 90 milhões de euros de obrigações que a Azul subscreveu de dívida da TAP. Mas havia outros valores não quantificáveis, como evitar um litígio com o acionista privado numa altura que se ia começar uma negociação muito exigente em Bruxelas de um plano de reestruturação.

Entrar numa operação tão delicada em litígio com o principal acionista iria fragilizar a posição do Estado nesta negociação, argumenta. “Precisávamos de uma posição blindada perante os concorrentes”. Por outro lado, não era irrelevante para o Estado evitar os custos reputacionais de uma nacionalização (que o ex-ministro diz que esteve mesmo em cima da mesa) forçada quando a prazo se queria atrair privados numa futura privatização.

João Leão explica pagamento a Neeleman. Partiu de um valor máximo (mais de 200 milhões) para chegar a um “valor razoável”

E quanto o deputado Hugo Carneiro do PSD insistiu que Leão não tinha conseguido explicar o racional do número, este respondeu: Lamento que não tenha compreendido a natureza de um processo negocial”. O deputado contrapôs: “Não está a dar uma aula sobre a teoria dos jogos”.

“Fomos intransigentes”, repetiu várias vezes João Leão, destacando os 90 milhões de obrigações da TAP SGPS que a Azul tinha. Os privados queriam trocar esse valor da SGPS para a SA, que era quem ia receber a ajuda de emergência. “A preocupação era de não injetar montantes na SGPS. Todos os montantes seriam injetados na SA, que era o que se pretendia salvar”. A SGPS está falida. O Estado, acrescentou, teve de fazer um grande esforço para limitar o valor um nível razoável e pagou apenas um valor inferior.  O valor atingido, de 55 milhões, “é bastante mais baixo” do que o pedido inicial e “foi o que aceitamos”. Na mesa estavam os advogados — a VdA pelo Estado —, mas o valor foi decidido pelo Estado.

2O acionista português perdeu mesmo tudo? A dúvida foi suscitada pelas centenas de documentos que os deputados receberam sobre o acordo de compra da participação de David Neeleman na TAP. Além dos 55 milhões de euros que todos conhecem, documentos citados por Hugo Carneiro do PSD e Bernardo Blanco da Iniciativa Liberal indicavam que a empresa de Humberto Pedrosa teria recebido um “reembolso em espécie” correspondente aos 11,9 milhões de euros que meteu na TAP. O ex-ministro não soube inicialmente explicar este valor, mas Humberto Pedrosa reafirma ao Observador o que já tinha dito na sua audição na CPI. Não recebeu de volta o dinheiro que colocou na TAP. Nem os 5 milhões pagos pelas ações, nem os 11,9 milhões de euros de prestações acessórias.

Humberto Pedrosa não tirou o que colocou na TAP e cedeu prestações de 12 milhões ao Estado por um euro

O empresário refere que a operação correspondeu à transferência do ativo que tinha no balanço da Atlantic Gateway, e que correspondia às prestações acessórias colocadas na TAP, para a sociedade da qual era dono, a HPGB, que passou a controlar uma posição direta na TAP SGPS, cerca de 20%, depois de o Estado ter comprado os 22,5% de Neeleman, elevando a participação pública para 72,5%. Essas prestações acessórias continuaram na TAP até ao final 2021 quando o empresário as vendeu ao Estado por um euro, no quadro das operações de conversão dos empréstimos públicos em capital. Uma versão que Leão veio a confirmar, tendo assegurado que o Estado só pagou os 55 milhões de euros anunciados em 2020 para ficar com a TAP.

3Estado não é obrigado a privatizar, mas Bruxelas queria. Foi uma das novidades desta audição. Portugal não está obrigado a vender a TAP, mas o ex-ministro das Finanças confirma que a Comissão Europeia gostaria que a privatização estivesse no plano. “Sempre dissemos que não seria bom ter um deadline (…) a operação ia prejudicar a posição do Estado português”.

“Não era ideal para conseguir boas condições e estudar um modelo mais adequado. Não queríamos imposições à partida, mas recordo que a Comissão Europeia tentou e gostaria de ter colocado uma clausula que obrigaria à privatização da TAP”. João Leão esclarece ainda que apesar de negociação ter sido feita por advogados, quem aprovou o valor final foi o Governo.

Bruxelas tentou colocar obrigação de privatizar TAP, “mas dissemos que ia prejudicar a posição do Estado”

4Mais um governante que não soube da indemnização da Alexandra Reis, e um dos que deveria ter sabido. E não era um qualquer. João Leão era o ministro das Finanças quando a TAP, com o aval das Infraestruturas, fechou um acordo com a administradora para a sua saída em troca de 500 mil euros. “Soube pela comunicação social”, revelou, numa resposta que já se tornou das mais frequentes nesta CPI. “Surpreendeu pelo valor mas sobretudo por não ter sido comunicada e por não ter sido nos termos legais”, disse, admitindo a perplexidade.

Leão não soube mas sabe que deveria ter sabido. “Devíamos ter sido informados. Não posso obrigar as pessoas a cumprir a lei. Era óbvio que os administradores estavam sujeitos ao estatuto do gestor público e se queriam destituir um administrador era preciso convocar a assembleia geral e informar o acionista”, ressalvou. Isso não aconteceu e teve consequências: a demissão do chairman e da CEO.

5Foi uma ideia deixada pelo ex-chairman da TAP, Manuel Beja, quando esteve na CPI. Os dois ministros com a tutela da companhia, Pedro Nuno Santos e João Leão, não teriam a melhor das relações. Beja até deu a entender que a proximidade aumentou quando Fernando Medina assumiu a pasta das Finanças, sucedendo a Leão.

O ex-ministro contrariou essa ideia. Afirmou que “no âmbito da TAP” a relação com as Infraestruturas “foi bastante produtiva e correu bastante bem. Cada um focado nas suas áreas”. Nas áreas conjuntas “não houve tensão particular”. Pedro Nuno Santos “dedicou-se aos desafios estratégicos, nós focamo-nos na dimensão do planeamento financeiro e na negociação do plano de reestruturação com Bruxelas”. Foi graças a essa relação de diálogo eficaz que conduziu à aprovação do plano de reestruturação por Bruxelas, vincou.