Terminada em Lisboa a comissão parlamentar de inquérito à TAP, com o relatório final a 13 de julho, os negócios da aviação em Portugal vão continuar debaixo do radar político, mas a investigação muda-se para o Parlamento regional dos Açores e o foco é a companhia área regional.

A comissão parlamentar de inquérito à gestão do grupo SATA, publicada esta segunda-feira em Diário da República, vai abranger um horizonte temporal mais alargado, dividido por dois períodos, de 2013 a 2019, e de 2020 a 2022, o que apanha o período de gestão do atual presidente executivo da TAP, Luís Rodrigues, mas não será esse o foco central.

A SATA também teve uma ajuda pública significativa à escala regional — 453 milhões de euros — uma investigação das autoridades da Comissão Europeia e um plano de reestruturação para reduzir custos. E na mira dos deputados vai estar também uma renovação de frota polémica, que acabou por se saldar na contratação (em leasing ) de uma única aeronave — também um Airbus A330. Este avião, batizado de cachalote, gerou perdas de 42,2 milhões de euros para o grupo, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, tendo operado apenas durante três anos.

A auditoria da secção regional do Tribunal de Contas é o principal fundamento deste inquérito parlamentar que foi uma iniciativa dos partidos à direita — PSD (que está no Governo regional), Chega, CDS, PPM e Iniciativa Liberal — mas acabou por ser aprovada por todos os partidos, incluindo os socialistas, depois de o objeto ter sido alargado para incluir a tutela política e o desempenho dos gestores nos anos pós-pandemia de execução do plano de reestruturação pela equipa liderada por Luís Rodrigues, que trocou a SATA pela TAP em abril deste ano, na sequência da destituição de Christine Ourmières-Widener.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Governo roubou “estabilidade” à SATA para resolver problema da TAP. Luís Rodrigues desejou há poucos dias que a vida corresse bem à TAP

Os trabalhos — a comissão irá tomar posse antes do verão, mas as audições só deverão começar a partir de setembro — vão estar centrados no período da gestão dos governos socialistas liderados por Vasco Cordeiro, entre 2013 e 2019. Ao contrário da TAP, a SATA sempre teve capital público desde que foi nacionalizada, e os deputados vão investigar as causas do “significativo agravamento do desequilíbrio económico e financeiro”, o exercício da função acionista, o funcionamento dos órgãos sociais e a verificação da legalidade e transparência. Mas as atenções vão ser especialmente dirigidas para a análise e avaliação do processo de renovação da frota da Sata Internacional — Azores Airlines, nomeadamente a opção inicial de substituir os quatro aviões Airbus A310 por dois Airbus A330-200.

A decisão tomada em 2015, era então presidente da SATA Luís Parreirão Gonçalves, “contrariou em toda a linha os estudos elaborados por duas consultoras, a Aviado Partners e a Lufthansa Consulting, os quais coincidiam num ponto essencial: o modelo de aeronave que melhor se adequava à rede de operações da empresa era do tipo narroy body — o A330 é um modelo wide body — , asserção sustentada por uma análise comparativa das margens que seriam obtidas operando uma frota exclusivamente constituída por aeronaves deste tipo, face à alternativa de utilização de uma frota mista”.

A conclusão é da auditoria de abril do Tribunal de Contas nas suas conclusões às longas explicações dadas pelo então presidente da SATA, Luís Parreirão, que durante vários anos trabalhou na área de concessões do grupo Mota-Engil, para onde foi depois de ter sido secretário de Estado de Jorge Coelho quando este foi o ministro do Equipamento no segundo Governo de António Guterres.

A auditoria questiona a racionalidade da opção que foi tomada com base num estudo preliminar — ao qual o Tribunal de Contas não teve acesso — de uma consultora então pouco conhecida com sede em Lisboa, cuja versão final só ficou concluída já depois de finalizada a decisão.  “Todas as evidências recolhidas apontam no sentido de que a opção inicial pelo Airbus A330-200 foi uma decisão estratégica errada, tecnicamente não sustentada e sem racionalidade gestionária, suscitando-se dúvidas sobre as razões subjacentes a esta operação, em consequência da qual a Sata Internacional — Azores Airines, registou perdas na ordem de 42,2 milhões de euros, dos quais 21,6 milhões de euros entre 2016 e 2019”.

Isto porque passados apenas quatro meses da entrada em operação do novo A 330— 200 para realizar as rotas de longo curso para o Canadá, a assembleia gera da SATA Internacional aprovou em 2016 (e já com outro presidente) uma proposta de revisão do plano de negócios aprovado para 2015/2020, “revertendo a estratégia anteriormente delineada para a renovação da frota”. Também a execução desta medida suscitou reparos do TdC já que apesar da decisão adotada em julho de 2016, a aeronave manteve-se em linha até novembro de 2018 “e esteve ociosa até junho de 2020, quando se concluiu o respetivo processo de phase-out, na sequência do acordo estabelecido para a cessação antecipada do respetivo contrato de locação, mediante o pagamento ao locador de uma indemnização na ordem dos 20,4 milhões de euros”.

Bruxelas aprova 453 milhões para a SATA e encerra investigação a ajuda de Estado

Este episódio contribuiu para a degradação da situação financeira e patrimonial da Sata Internacional. O Tribunal considera que foi manifesta a incapacidade de gerar recursos através das operações, o que resultou no agravamento do desequilíbrio operacional e do endividamento (que aumentou 243,6 milhões de euros entre 2013 e 2019), sobretudo a partir de 2017. E foi esse quadro de operação deficitária que determinou o desequilíbrio operacional de cariz estrutural do grupo SATA que entre 2013 e 2019, acumulou perdas de 260 milhões de euros, dos quais 233,4 milhões foram geradas pelo Sata Internacional — Azores Airlines, empresa que terá de ser vendida, de acordo com o plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia em junho de 2022.