Tinha tudo para ser uma etapa relativamente tranquila, até pela capacidade que as equipas dos principais sprinters em prova tiveram de controlar o ritmo da ligação entre Dax e Nogaro, acabou por transformar-se num verdadeiro caos nos quilómetros finais. A qualidade do piso e a largura da estrada não fazia antever a confusão mas as curvas atrás de curvas provocaram três quedas que não só levaram a desistências de elementos de peso como Luis León Sánchez (logo no arranque o azar tinha tocado a Enrique Mas e Richard Carapaz) como condicionaram a luta final pela vitória na tirada sem nomes como Fabio Jakobsen, acabando com o segundo triunfo consecutivo de Jasper Philipsen, da Alpecin, batendo Bauhaus, Ewan e Cavendish.

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Agora chegava mais uma etapa capaz de marcar diferenças, ainda que ligeiras mediante o decorrer de todo o filme do dia, entre os principais candidatos. E grande parte das atenções estavam focadas em Tadej Pogacar, vencedor do Tour em 2020 e 2021 que perdeu para Jonas Vingegaard o triunfo no último ano e que surgiu nesta edição num grande momento após paragem por lesão, apostado em ganhar segundos em todos os pontos em que os mesmos estivessem em disputa. Foi assim na primeira etapa, quando Adam Yates bateu o seu irmão Simon (agora na Jayco) mas o esloveno garantiu a bonificação do terceiro lugar da etapa. Foi assim logo no dia seguinte, quando além de nova terceira posição segurou mais oito segundos de bonificação antes da meta. Tudo parecia contar e só nestes avanços Pogacar ganhara 11 segundos a Vingegaard.

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“Vamos tentar atacar já nos Pirenéus. Sabemos que a Volta a França é longa mas será um pouco mais seguro se conseguirmos ganhar alguns segundos aqui e ali”, prometera o esloveno da UAE Team Emirates, quase que deixando um aviso a toda a concorrência depois daquela imagem que ficou da tirada com chegada a San Sebastián em que Vingegaard pareceu recusar-se a alinhar num arranque de Pogacar (algo que para alguns viria também a condicionar Wout van Aert, que acabou essa etapa em segundo atrás de Victor Lafay). E era neste contexto que chegava o dia que ligava Pau a Laruns, com uma contagem de primeira categoria a cerca de 20 quilómetros da meta em Col de Marie Blanque que surgia como provável ponto alto da discussão.

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Ainda assim, esta acabou por ser uma etapa onde todos os prognósticos saíram furados perante todas as incidências de corrida a que se foi assistindo. E essa dança volátil começou logo nos quilómetros iniciais.

Pierre Latour foi o primeiro a tentar descolar na fuga mas Wout van Aert assumiu o protagonismo pouco depois, tentando fugir num movimento que desde início não se percebeu bem, nem tanto pelo desenrolar da etapa mas pelo impacto que a mesma poderia ter no chefe de fila na Jumbo, Jonas Vingegaard. Havia outras “notícias” paralelas que iam chegando, como o “afundar” de Mark Cavendish cedo na etapa ou as dificuldades físicas de Fabio Jakobsen depois da queda da véspera que deixou várias marcas, mas era no belga que se iam centrando as atenções até nova tentativa de fuga com mais elementos de Jumbo que fez com que Pogacar não perdesse tempo e fosse para a frente quase que a marcar uma posição junto da concorrência.

Após 30 quilómetros percorridos, existia um grupo com cerca de 30 corredores na frente mas com apenas 15 segundos de avanço então sobre o pelotão, uma vantagem que foi aumentando para um terreno em que a UAE Team Emirates já não conseguia controlar mas que abria vários cenários ainda antes da fuga de quatro corredores dentro da própria fuga (Wout van Aert, Victor Campenaerts, Mads Pedersen e Bryan Coquard), sobretudo porque nesse grupo estavam corredores capazes de arriscar mais do que um lugar no pódio na geral como Jai Hindley, vencedor do Giro no ano passado. Depois da passagem pelo sprint intermédio de Lanne-en-Báretous,Van Aert e Capenaerts isolaram-se mas os mais de dois minutos entre o principal bloco de fuga e o pelotão era o grande foco até por ter os tais nomes como Hindley ou Giulio Ciccone.

A 80 quilómetros do final, Wout van Aert e Victor Campenaerts tinham cerca de 20 segundos de avanço em relação ao restante bloco de fuga, sendo que quando Ciccone aumentou o ritmo tendo em conta a subida que se aproximava em Col de Soudet o grupo dos líderes passou a ter também o italiano, Hindley e Felix Gall, o corredor da AG2R que se lançou para a frente para ser primeiro na passagem com pontos para a classificação de montanha. Lá atrás, o pelotão levava já 3.30 minutos, uma diferença que começava a preocupar e de que maneira a UAE Team Emirates e a própria Jumbo, que vai Van Aert a descolar dos corredores da frente a par de Julian Alaphilippe, a esperança francesa para a etapa no arranque em Pau.

Só mesmo a 50 quilómetros apareceram mexidas mais visíveis na corrida, com Krists Neilands a conseguir isolar-se da fuga e a ganhar mais de 20 segundos de vantagem sobre o grupo onde se mantinham Hindley, Ciccone, Buchmann, Alaphilippe ou Wour van Aert, sendo que o avanço para o pelotão mantinha-se nos quatro minutos com tudo o que isso poderia significar depois em termos de geral. Ou seja, quem seria o mais derrotado do dia, ninguém poderia antever; quem saía como vencedor era claramente a Bora, não só pela forma como colocou Hindley na frente mas como lhe juntou um companheiro para evitar qualquer tipo de maior desgaste para fazer cortes, Emanuel Buchmann. E assim se chegava ao momento das decisões.

O ritmo da UAE Team Emirates no pelotão foi permitindo uma redução de distância para a frente (e quase uma diminuição de estragos no dia) mas Jay Hindley percebia que tinha nas mãos a possibilidade de entrar na discussão da geral da Volta à França, saindo para a frente com Felix Gall ainda antes dos derradeiros 20 quilómetros, altura em que o corredor da AG2R que não aguentou e começou a ceder. Lá atrás, Sepp Kuss começava a rebocar Vingegaard mas sempre com Pogacar na sua roda até ao ataque fortíssimo do vencedor de 2022 que deixou o esloveno para trás, quando a distância para Hindley já era só de 1.30 minutos. Em menos de três quilómetros, o show Vingegaard deixava Hindley a pouco mais de um minuto e Pogacar com 40 segundos de atraso, num volte-face inesperado e que pode marcar esta edição do Tour.

Chegava a parte da última descida, com as conclusões da etapa a começarem a ficar mais claras: 1) a Bora foi a grande vencedora, pela forma como não só colocou Hindley na frente para ganhar a etapa e a liderança como também colou Buchmann para acompanhar o chefe de fila até ao momento chave; 2) ninguém ainda percebe ao certo o que andou a fazer Wout van Aert mas a forma como apanhou o comboio no pelotão sem grande desgaste antes de colocar Kuss a lançar Vingegaard soube corrigir um dia que podia ter sido muito negativo; 3) a UAE Team Emirates desgastou-se em demasia na tentativa de ir buscar Hindley, deixou demasiado cedo Pogacar sozinho e o esloveno acabou por claudicar quando não podia.

Contas feitas, Jay Hindley assumiu a camisola amarelo no quinto dia da primeira edição do Tour em que participa, ficando com 47 segundos de vantagem em relação a Jonas Vingegaard. Giulio Ciccone ocupa agora a terceira posição a 1.03, seguido de Emmanuel Buchmann (1.11) e Adam Yates (1.34). Tadej Pogacar caiu para o sexto posto a 1.40, o mesmo tempo de Simon Yates. Mattias Skjelmose (1.56), Carlos Rodríguez (1.56) e David Gaudu (1.56) encerram o atual top 10 antes de nova etapa realizada nos Pirenéus.