Há uma característica que já não se produz nas fábricas de talento e que faz de Di María uma peça rara. Até quando falha é espetacular, às vezes mais do que quando acerta. Vale a pena reconhecer-lhe a ousadia de ter tentado um chapéu do meio-campo e ter estado muito perto de chegar ao golo. A outro qualquer jogador o sensato seria pedir-lhe que estivesse quieto para evitar dar a posse de bola ao adversário. A este pede-se-lhe, num síndrome de vício, que tente outra vez.

Di María ainda tem na cara o bronze de quando passou férias com Messi e Otamendi na Argentina ao mesmo tempo que o seu agente estaria certamente a atender telefonemas com propostas milionárias dos Estado Unidos ou da Arábia Saudita. Foi um momento feliz aquele em que percebeu que não há dinheiro que pague tudo o que tem para dar ao futebol.

O golo que marcou ao Al Nassr, no jogo de preparação, no Estádio Algarve, foi de quem joga por amor e não por dinheiro. O toque de bola no sentido contrário ao que o corpo fazia prever, o picar por cima do guarda-redes levou a um texto escrito com os pés, onde se lê um comunicado de quem, entre as Arábias desta vida e o Benfica, fez a escolha certa.

Beijou Rui Costa, atraiu uma colónia de argentinos e levou diamantes nas orelhas para iluminar o 39: a apresentação de Di María no Benfica

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Uma boa forma de montar uma bomba é juntar no mesmo espaço dois dos materiais que mais opiniões dividem. A ideia de um Benfica vs Cristiano Ronaldo soava a tempestade perfeita, a uma trovoada seca propícia a um incêndio onde o público se junta para bater palmas enquanto as chamas deflagram. Se a Arábia Saudita já tinha mostrado que quem tudo quer, tudo tem, um encontro de pré-época entre águias e Al Nassr inverte a tendência de serem os clubes europeus a fazerem grandes tournées pela Ásia pagas por patrocinadores detentores de contas bancárias capazes de financiar eventos desportivos invulgares.

O jogo com o Benfica ia ser o quarto do clube saudita em solo português, tendo já batido o Alverca (2-0) e o Farense (5-1) e perdido com o Celta de Vigo (5-0). Durante a estadia em Portugal, Cristiano Ronaldo tem sido questionado sobre reforços que se podem juntar ao Al Nassr, em especial Otávio, do FC Porto, que já confirmou que vai continuar em Portugal. “Vão ter de levar comigo mais um ano”, disse o médio. Ao que parece, é Alex Telles, outro jogador com ligações ao FC Porto, que vai reforçar a equipa treinada por Luís Castro. Outro tema que Ronaldo tem tentado evitar é o Benfica. “Só me queres fazer perguntas do Benfica”, comentou o capitão da seleção portuguesa perante um jornalista. Desta vez não ia dar.

Nesta fase da época, também no Benfica as melhores jogadas são as de bastidores. O esforço do clube encarnado para que Rafa fique na Luz parece ter valido a pena, com o presidente Rui Costa a garantir a permanência do jogador. “Rafa vai ficar. Disse que falaria com ele em Inglaterra [onde o Benfica esteve a estagiar], falei com ele, como é natural. Falo com o Rafa como com todos os jogadores quase diariamente, não é preciso reuniões de fundo para falar. Neste momento, é jogador do Benfica, contamos com o Rafa”. No sentido contrário, Bento e João Félix parecem não ser opções para a equipa no futuro.

Na ausência de declarações de Roger Schmidt, foi Rui Costa quem fez a antevisão ao jogo com o Al Nassr. “Jogo de preparação para entrarmos bem no campeonato, há essa particularidade de estar o Cristiano do lado de lá, de ser moda as equipas da Arábia Saudita, mas o nosso foco é aquilo que temos de fazer dentro do campo, apontando ao que teremos de fazer no campeonato”. Dentro da lógica de evolução, o Benfica somou duas vitórias na pré-época. Em St. George’s Park, os encarnados bateram o Southampton (2-0) e, na Suíça, com os estádio cheio de adeptos encarnados, o Basileia (3-1).

Um Neres que não quer ser David perante o Golias Di María: Benfica vence Southampton no primeiro teste da pré-temporada

No onze do Al Nassr, um requisito praticamente obrigatório: Cristiano Ronaldo. No entanto, Luís Castro lançou também o reforço Brozovic e o ex-Benfica Anderson Talisca. Por sua vez, Roger Schmift escolheu um onze, montado no habitual 4x2x3x1, com os reforços David Jurásek, Orkun Kokçu e Ángel Di María. João Neves ocupou a posição mais recuada do meio-campo e David Neres foi um dos elementos do ataque. Os astros parecem ter muitas coisas combinadas entre si para que António Silva viva o melhor sonho do mundo. 19 anos, campeão nacional, um dos talentos mais promissores do mundo, presença no Mundial e na Liga do Campeões e, agora, capitão de equipa.

Algum calor, muito futebol e demasiada Di Magia: Benfica vence Basileia na Suíça (com dois golos de reforços)

A relva foi regada à última da hora ao som de Shakira, com os titulares de cada equipa já em campo, atrasando o apito inicial. Talvez por ainda se estarem a habituar às condições do terreno de jogo, os jogadores do Benfica concederam uma grande oportunidade a Talisca para abrir o marcador. Cortou João Neves quase fazendo autogolo. Respondeu António Silva de cabeça, mas a bola passou ao lado da baliza do guarda-redes Nawaf Al-Aqidi.

Para quem não soubesse que o Al Nassr é treinado por Luís Castro, bastava ver um pouco da equipa a jogar. Saída curta em zona recuada, com Brozovic a baixar e a arriscar jogar de costas, mesmo quando pressionado, e ligações verticais. Cristiano Ronaldo até parecia a melhor versão de si mesmo a realizar movimentos apoio/rutura que, ainda antes dos dez minutos, o colocaram cara de Odysseas.

Kokçu mostrou as credencias de distribuidor. Abriu à esquerda em Jurásek que cruzou para Rafa. A trivela saiu muito mal, mas, não estando a sair a finalização, logo a seguir assistiu Di María para o golo. Se dividíssemos a primeira parte em duas, uma era de Di María, a outra de Gonçalo Ramos. O ponta de lança, já com o Benfica em vantagem, marcou também picando fora do alcance de Nawaf Al-Aqidi.

O Al Nassr insistia na filosofia do risco. Apesar de tudo o que isso tem de espetacular, também há muito perigo envolvido (ainda bem que na pré-época há seguro contra todos os riscos). Bah recuperou a bola na primeira fase de construção dos sauditas e entregou a Gonçalo Ramos que bisou e, não fosse o guarda-redes adversário fazer uma grande defesa, ainda podia ter chegado ao hat-trick dentro dos 45 minutos iniciais. Apesar de estar a sair tudo manifestamente bem ao Benfica, os jogadores de Roger Schmidt ainda têm aspetos a corrigir. Um deles passa pelo posicionamento da linha defensiva. António Silva ficou ligeiramente mais atrasado do que os restantes elementos da linha defensiva, vício que traz da época passada, e colocou em jogo Khalid Al-Ghannam que reduziu para 3-1.

Ao intervalo, Roger Schmidt mudou todos os onze jogadores numa exibição da quantidade substancial de soluções que o Benfica tem para cada posição e que aumentou muito durante o mercado de verão. Apesar de tudo, foram três jogadores que chegaram na época passada que construíram mais um golo. Aursnes, caído na esquerda, libertou Ristic para um remate forte, que está cada vez mais conotado como a sua imagem de marca. O guarda-redes do Al Nassr largou para a frente, local onde apareceu Schjelderup para marcar.

Mesmo que do banco tenham saltado nomes que na época passada eram titulares com frequência (João Mário, Florentino, Aursnes, Chiquinho), o Benfica perdeu dinâmica e ritmo. Acabou por ser Samuel Soares, na baliza que, aos 24 anos, registou o momento mais impactante da carreira até agora ao defender com uma espargata um remate de Cristiano Ronaldo. O capitão da seleção nacional saiu logo a seguir muito aplaudido e levou consigo o que restava do encontro.