Três contra um. O debate das Europeias desta sexta-feira mostrou os três candidatos à esquerda — Catarina Martins, João Oliveira e Francisco Paupério — alinhados no ataque ao candidato liberal em praticamente todos os temas. As contendas ideológicas levaram João Cotrim Figueiredo a ter mini-duelos particulares com cada um dos outros três oponentes, sendo as diferenças mais claras em questões como a independência do BCE (no qual o liberal foi o mais firme defensor), as taxas de juro (que até o liberal acha elevadas) ou os fundos comunitários (que o liberal avisa que um dia vão acabar).

João Cotrim Figueiredo foi o único cujo o discurso podia agradar a Christine Lagarde e, por algumas vezes, foi o mais imodesto no debate, ao dizer que não queria “dar aulas“, ao sugerir a falta de “literacia financeira” dos adversários e ao dizer, até, a João Oliveira que “devia ter preparado melhor o debate”.

O euro: o exemplo nórdico e a citação de Costa

O cabeça de lista da CDU estreou-se em duelos televisivos e — tal como tinha feito em entrevista à Rádio Observador — utilizou exemplos de países nórdicos que estão fora da moeda única (Dinamarca e Suécia) para mostrar que se pode viver melhor fora da zona euro. “Não é uma fatalidade”, atirou.

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João Cotrim Figueiredo aproveitou a deixa para registar a “incapacidade” de João Oliveira dar uma resposta de “sim” ou “não” à saída do euro, sugerindo que os comunistas, intimamente, até defendem a saída da UE. “Inacreditável”, lamentou. Já a candidata bloquista Catarina Martins — questionada sobre uma resolução antiga da Mesa do BE sobre a preparação da saída do euro — citou António Costa para justificar uma mudança de opinião: “Ele costuma dizer que que o euro foi uma prenda à Alemanha e tem razão”. “É muito diferente o cenário que vivíamos na crise financeira com a situação que vivemos hoje”, diz Catarina Martins. Acrescenta ainda que, na altura, “era preciso estudar alternativas para proteger os países” e considera que “foram sempre os chamado eurocríticos que foram capazes de pôr alternativa em cima da mesa e as claques deixaram a UE cada vez pior”.

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O candidato do Livre, Francisco Paupério, começou a destacar pontos positivos da pertença ao euro e associou diretamente a entrada na moeda única ao “acelerar do saneamento básico”. Depois de um riso de protesto de Cotrim, Paupério emendou dizendo que aumento do saneamento básico está relacionado com a entrada na União Europeia e com os fundos de coesão destinados ao efeito.

A independência do BCE e o “perfeito juízo” das taxas de juro

João Cotrim Figueiredo até disse “ninguém no seu perfeito juízo gosta de ver taxas de juro sucessivamente altas”, mas repetiu ninguém pode mexer na independência do banco central — “como quer o Bloco de Esquerda”. A cabeça de lista bloquista respondeu que o BCE  “penalizou as famílias” com a subida das taxas de juro”. E questionou a independência do BCE de que falava Cotrim, dizendo que o banco central “que não responde democraticamente a ninguém, mas responde ao sistema financeiro”. Ou seja: é independente dos Estados-membros, mas depende do capital. Catarina Martins defende, por isso, “que o BCE passe a ter como critério, para além do controlo de preços, o pleno emprego e que o Parlamento Europeu não emita apenas opinião mas possa ter parecer vinculativo sobre o mandato do BCE”.

Sobre o BCE, o cabeça de lista do PCP defendeu, por exemplo, a “paridade dos estados na composição do banco e a capacidade de controlo nacional dos bancos centrais”. João Oliveira alinha com o BE na crítica à IL e questiona: “Se tivéssemos na nossa mão a política monetária o nosso banco central tinha tomado a decisão de aumentar as taxas de juro? Não, porque a realidade nacional é diferente de Espanha. Alemanha ou França”. João Oliveira acrescentou ainda que “é preciso controlo democrático das instituições para servir o povo e não os banqueiros”.

Cotrim Figueiredo voltou à carga, explicando que não o vão ver “defender as políticas do BCE”, mas insiste que “no dia em que os bancos centrais perderem a independência, ficam dependentes das vontades dos Governos e isso é o fim da União Europeia”. Catarina Martins volta a ripostar: “Quem leva a sério a democracia, tem de querer o escrutínio democrático” de organismos que tomam decisões que afetam a vida das pessoas. E ainda desabafa: “É extraordinário como os liberais acham que, nas questões de mercado, não podem ter escrutínio democrático”.

Salários. O “ódio ao lucro” e os cuidados com o salário mínimo europeu

Questionado sobre a proposta de um salário mínimo europeu, Francisco Paupério esclareceu que “seria calculado de acordo com cada país” e que, no caso português, “devia ser 80% do salário mínimo espanhol”. O candidato defende também que aumente “de acordo com a inflação”.

Já Catarina Martins acredita em soluções europeias que ajudem ao problemas dos salários, mas “tem duvidas sobre proposta do salário mínimo europeu que tem estado a ser debatido em percentagem do salário médio”, já que em Portugal haveria o risco dos salários mínimos baixarem. “É um debate que é preciso ter algum cuidado“, alerta.

João Cotrim Figueiredo aproveitou a deixar voltar a acusar a CDU, neste caso, de beliscar as soberanias nacionais com a proposta de um pacto de progresso social que propõe no programa das Europeias. João Oliveira rejeita essa ideia e diz que esse pacto serve precisamente para a “valorização do trabalho”, num “princípio de não-regressão”.

Em várias trocas de argumentos diretas entre o candidato liberal e o candidato comunista, João Oliveira acusou a IL de querer uma Europa em que “os bancos, nos primeiros 3 meses do ano, tiveram 560 mil de lucros por hora”. João Cotrim Figueiredo acusou de imediato João Oliveira de “populismo de esquerda”. E lamentou, dirigindo-se ao comunista: “O ódio ao lucro é maior ao amor que têm pelas pessoas”.

Fundos. Todos querem mais, Cotrim avisa que vão acabar

Sobre os Fundos Comunitários, o candidato do Livre, Francisco Paupério, diz que a “execução vai depender do Governo nacional” e aponta ao dedo aos últimos governos socialistas ao dizer que “estamos atrasados”. No mesmo tema, a candidata bloquista diz que não é possível ter uma política “de sacar fundos europeus que não deixa nada de estratégico no país”, mas alinhou na necessidade de haver mais dinheiro: “Os fundos vão ser discutidos com alargamento, mas ninguém tenha dúvidas: não há mais Europa sem mais orçamento.”

João Oliveira concorda que os “fundos europpeus são insuficientes” e diz mesmo que “não são um Euromilhões, são um mecanismo de compensação pelo impacto assimétrico das políticas europeias nos Estados-membros”. E insiste na ideia que consta no programa da CDU para as eleições europeias: “Os fundos que recebemos não chegam para compensar os prejuízos que temos.” O cabeça de lista comunista defende que “Portugal não pode perder fundos e o orçamento da UE tem de ser reforçado”.

O cabeça de lista da IL, João Cotrim Figueiredo, foi o que mais defendeu a não dependência de apoios comunitários. “Mais tarde ou mais cedo teremos de viver sem fundos e é bom que nos preparemos”, disse o liberal. Cotrim defende ainda “mais fiscalização” aos fundos, dizendo que “ao contrário do que diz Francisco Paupério” não têm uma aplicação “transparente”.