Aconteceu outra vez — e um mês mais cedo do que no ano passado. Santa Olalla, a maior lagoa permanente do Parque Nacional de Doñana, em Espanha, secou completamente. Desde que o centro de investigação começou a recolher dados sobre este espaço natural há meio século, nunca esta imagem se tinha repetido em dois anos consecutivos, o que atesta a gravidade da situação em que se encontra o sistema lagunar de Doñana e toda a biodiversidade que dele depende.

A conclusão foi anunciada esta quarta-feira depois de a câmara de monitorização da lagoa ter sido atualizada há umas semanas pela Infraestrutura Científica e Técnica Singular (ICTS) – Reserva Biológica de Doñana, dependente da Estação Biológica de Doñana (EBD-CSIC), do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC).

O Parque Nacional de Doñana foi declarado Património da Humanidade em 1994 devido à sua variedade de ecossistemas e à grande diversidade de espécies que os habitam, tornando-o um enclave único na Europa. Um desses ecossistemas é representado pelo sistema lagunar, que abriga uma grande biodiversidade e é refúgio de diversas espécies endémicas e ameaçadas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos últimos anos, no entanto, as lagoas de Doñana sofreram uma grave deterioração, o período de inundação dura cada vez menos e muitas delas já não alagam, o que está a afetar gravemente a biodiversidade que sustentam. A seca da lagoa de Santa Olalla no verão é uma das maiores evidências da deterioração do sistema lagunar, indicando a ausência de refúgios aquáticos de verão para a fauna e flora de Doñana.

59% das maiores lagoas de Doñana já desapareceram

O ICTS – Reserva Biológica de Doñana verificou, através do Programa de Monitorização, que o ciclo hidrológico 2021-2022 foi o que teve níveis de precipitação mais baixos dos últimos dez anos (283 milímetros), o que não melhorou muito no ano em curso, no qual a pluviosidade tem sido semelhante (337 milímetros até agosto). Além disso, em ambos os anos estão foram registadas temperaturas máximas muito altas e foi registada a maior temperatura média anual (18,53°C).

Mas esses fatores não são as únicas causas de deterioração do sistema lagunar. Num estudo da Estação Biológica de Doñana publicado este mesmo ano, com dados recolhidos ao longo de 40 anos, verificou-se que 59% das maiores lagoas de Doñana já desapareceram. Este fenómeno está relacionado com as altas temperaturas e longos períodos de baixa precipitação, mas também com a sobrexploração do aquífero que alimenta o sistema lagunar.

Os dados mostram que 80% destas lagoas secaram mais cedo do que seria de esperar com os níveis de temperatura e precipitação registados e 84% inundaram menos do que o esperado, o que mostra que a atividade humana está a alterar o equilíbrio natural das lagoas e a agravar o problema. Além disso, também é preocupante que 19% das lagoas ainda alagadas tenham mais da metade de sua bacia invadida por matagais e pinheiros e que apenas 10% permaneçam em boas condições.

Noutro estudo publicado recentemente, a Estação Biológica de Doñana conclui que a invasão das bacias lagunares por vegetação terrestre é um bom indicador da sua deterioração progressiva e do seu desaparecimento iminente. Esses sintomas são detetados sobretudo na área noroeste do parque nacional e nas lagoas mais próximas de Matalascañas, incluindo Santa Olalla, onde já podem ser vistos densos juncos em metade da sua área inundável e massas de arbustos que colonizaram margens atuais e ilhotas.

Crescem os morangueiros, diminuem as lagoas

A maior parte das lagoas de Doñana são temporárias e inundam graças à água do aquífero que, ao ser recarregado pelas chuvas, chega à superfície e enche as bacias, inundando de vida a reserva.

Na última década não houve chuvas fortes, a carga do aquífero caiu, e não foi possível contrariar a extração excessiva de água, quer para o consumo na cidade turística de Matalascañas no período de verão, quer para a agricultura intensiva de morango, em torno do parque, que aumentaram a área de exploração cresceu mais de 30% nos últimos 10 anos. Tudo isso tem contribuído para a redução dos níveis do aquífero, o que impede que muitas lagoas inundem ou reduzam o período em que permanecem alagadas, afetando os ciclos de vida das espécies que vivem nesses ambientes aquáticos.

As lagoas permanentes, que retêm água durante todo o ano, são muito raras no parque, pelo que, neste sistema temporário, funcionam como refúgio para muitas espécies. Até há poucos anos, apenas três lagoas eram consideradas permanentes: Santa Olalla, a lagoa Dulce e a lagoa Sopetón. A única que poderia continuar a ser considerada permanente era a de Santa Olalla, embora tivesse pouca área alagada e altas concentrações de sais no verão.

A seca completa evita, por exemplo, a presença de peixes. Quando Santa Olalla secou em 2022, assistiu-se à morte das enguias restantes, uma das espécies atualmente ameaçadas. Também se vê o declínio da população de cágados.

Especialistas exigem a redução da água extraída do aquífero

Os especialistas da Estação Biológica de Doñana exigem a redução urgente da quantidade de água extraída a partir do aquífero para níveis que permitam a recuperação do sistema lagunar e que parem a degradação do espaço natural. Sugerem também a atualização do sistema de avaliação do estado do aquífero e a realização de avaliações anuais da disponibilidade hídrica para definir os valores máximos de extração permitidos e as medidas económicas que devem ser adotadas.

Outra proposta é restaurar com urgência a governança da gestão da água e do ordenamento do território na região de Doñana para que estejam dentro da legislação vigente e, claro, proteger o setor agrícola que opera sob a lei contra a perda do valor da marca de seus produtos, face à concorrência desleal de produtores ilegais e face à incerteza que os ameaça para o futuro.

Também consideram importante a constituição da Comissão de Trabalho Doñana 2030, aprovada pelo Conselho de Participação de Doñana, para avançar de forma rápida e coordenada na resolução de todos os problemas que Doñana enfrenta, não só os relacionados com o aquífero, mas também a poluição das águas ou o intenso sobrepastoreio, que também afeta o enclave natural.

Adaptado de Agencia Sinc. Artigo original aqui.