Desde que perdeu as eleições de 23 de julho que o PSOE se tem pautado pela discrição. Pedro Sánchez foi de férias — chegou, na segunda-feira, a Lanzarote, depois de uma passagem por Marrocos —, disse aos seus colegas de governo para fazerem o mesmo e parece querer passar uma mensagem de tranquilidade: não há pressa para angariar apoios. Mas à medida que se aproxima quinta-feira, um dia-chave, as peças começam a mover-se nos bastidores. As primeiras cedências começam a ser feitas a partidos com matrizes, e reivindicações, bem diferentes das dois maiores, mas as contas ainda estão longe de ser claras.

A eleição de quinta-feira, para a mesa do Congresso dos deputados e a respetiva presidência, será o primeiro dia da batalha PSOE vs. PP. Será aí que se perceberá como é que os peões se estão a posicionar e se se inclinam para os populares ou para os socialistas, depois de PP e PSOE terem saído das eleições sem maioria absoluta (os primeiros com 137 assentos, enquanto os segundos não foram além dos 121).

Em Espanha, só há uma certeza: o próximo Governo (de direita ou de esquerda) vai nascer de um acordo entre partidos muito diferentes

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As contas, para já, não são certas, nem sequer previsíveis. Do lado do PP, o Vox já garantiu, aparentemente sem contrapartidas, os seus 33 deputados a Feijóo, que com o deputado único do UPN (partido do centro-direita de Navarra, que já confirmou o apoio aos populares) e a deputada única do Coalicion Canária (que abriu a porta a fazer o mesmo) consegue, assim, 172 “sins” e estaria a ‘apenas’ quatro deputados da maioria absoluta (176).

Mas ainda são quatro deputados que é preciso convencer, num autêntico xadrez político cujos movimentações não são óbvias para nenhum dos partidos. Essa falta de previsibilidade vê-se, por exemplo, no paradoxo do PNV, partido independentista do País Basco considerado de centro-direita, que conseguiu cinco deputados nas eleições. A lógica ditaria que se posicionasse ao lado do PP, mas não foi isso que fez.

O PNV já rejeitou os populares por duas vezes, depois de os resultados de dia 23 os terem colocado, pela primeira vez em muitos anos, atrás dos independentistas do Bildu, que parece ter tirado vantagem da narrativa mais radical que tem seguido. O PNV teme, por isso, sair ainda mais prejudicado se, ao dar o seu apoio ao PP, acabar associado ao Vox — frontalmente contra os movimentos separatistas.

Mesmo com apenas 172 votos, o PP já disse que vai tentar a investidura, se receber do Rei Felipe VI uma proposta para formar governo. “Reafirmamos a nossa disponibilidade para uma investidura que dê estabilidade a Espanha, com um governo baseado em acordos legislativos”, escreveu Feijóo, na rede social X (antigo Twitter).

O PP tem consciência de que, se for em frente com 172 deputados, esse desejo de um governo estável fica em risco. Mas a secretária-geral do PP, Cuca Gamarra, já garantiu que os populares continuam a “trabalhar” para conseguir mais apoios. Ao PP, resta, neste momento, negociar com os independentistas da Catalunha (ERC; sete deputados), do País Basco (Bildu; seis deputados) ou da Galiza (BNG. um deputado), todos ideologicamente de esquerda e que tenderão a apoiar Sánchez. Ou, em alternativa, com o Junts, de Puidgmont, e os seus sete deputados.

Mas esta opção não agrada ao Vox, que apesar de já ter garantido o apoio ao PP, também já veio recusar fazer parte de uma solução que inclua independentistas.

Como o Junts será decisivo

Carles Puigdemont nem sequer está em Espanha (e sim na Bélgica), nem é o líder formal do Juntos pela Catalunha. Mas mesmo longe, está bem presente nas eleições espanholas. Fugido à justiça de Espanha — que o acusa de peculato, por usar verbas públicas para organizar um referendo ilegal sobre a independência da Catalunha —, Puigdemont vive na Bélgica desde 2017. É de lá que continua a controlar o Junts, o partido que as contas colocam como decisivo para o futuro de Espanha.

E o Junts é decisivo porque tem sete deputados. Tê-los do seu lado daria um grande descanso ao PP ou ao PSOE e resolver-lhes-ia as contas, potencialmente garantindo-lhes uma maioria absoluta.

Negociações, a reunião com o Rei e a não descartada repetição eleitoral: o que segue em Espanha depois do dia 23?

O partido seria benéfico tanto para o PP, como para as contas do PSOE. No lado dos socialistas, Sánchez conseguiria 171 votos se, com o Sumar (31 assentos), conseguisse convencer os 7 deputados da ERC, os 6 do Bildu, os 5 do PNV — que apesar de ter rejeitado o PP, não disse apoiar o PSOE — e o deputado único do BNG.

É preciso, portanto, negociar com pinças. O PP não foi ainda categórico sobre se planeia falar com os independentistas do Junts, mas também não fechou a porta completamente. Segundo o El País, os populares já disseram estar disponível para “falar” com outros partidos, dentro dos limites da Constituição, que a sua “abordagem não está exatamente” em linha com a dos independentistas e que qualquer negociação teria por base em “acordos constitucionais”.

Na quinta-feira, o coordenador-geral do PP, Elías  Bendodo, fez declarações que deixaram os espanhóis — e o Vox, em particular — ainda mais confusos, quando questionado sobre se estabelecer contactos com o Junts está, ou não, fora de questão. “Estava fora de questão, mas deles vai depender parte do resultado da mesa eleitoral e da investidura, portanto, dependerá da sua atitude. Nós, em princípio, não estabelecemos contacto. Mas temos de ser capazes de falar com toda a gente, com todo a gente. Outra coisa depois é chegar a acordos com toda a gente”, afirmou.

Esse “toda a gente” deixou o Vox preocupado, com o secretário-geral do partido, Ignacio Garriga, a querer deixar claro: “O Vox nunca estará numa equação onde estejam separatistas”, afirmou. Segundo o El País, esta falta de indefinição do PP em relação ao Junts está a prejudicar as relações com o Vox, o que traz mais um elemento de incerteza ao já de si incerto tabuleiro político espanhol.

PSOE faz as primeiras cedências e promete a ERC e PNV um grupo parlamentar (com os benefícios que isso traz)

Todas as peças contam e é preciso tê-las bem seguras na mão. O PSOE, que tem sido discreto nas negociações, começou na quinta-feira com as primeiras reuniões presenciais com os potenciais aliados. Segundo o El Pais, a ERC, que foi um aliado de Sánchez na anterior legislatura, conseguiu do PSOE a garantia de que o partido lhes permitirá formar um grupo parlamentar, o que lhes traria vantagens, financeiras e de representação, com a possibilidade de estarem presentes em todas as comissões, entre outros benefícios.

De acordo com o La Vanguardia, o BNG também deverá apoiar a candidatura socialista para a mesa do Congresso e o Bildu não deverá fazer muitas exigências para dar o mesmo apoio. Se tiver luz verde destes partidos, e do Sumar, Sanchez ficará mais confiante em conseguir convencer também o Junts.

Mas mesmo que isso aconteça, não será um peão fácil de manter a médio e longo prazo. As reivindicações são complexas: o partido quer amnistia para todos os que foram acusados no âmbito do referendo independentista de 2017 e continua a exigir um referendo (e a autonomia da Catalunha).

A próxima semana será, portanto, imprevisível, mas decisiva. Depois de eleito, o novo presidente do Congresso deverá encontrar-se com o Rei Felipe VI, que convocará os representantes dos grupos políticos com maior representação e propor um candidato à investidura, geralmente aquele que tem mais apoios. Após essa proposta do Rei, o presidente do Congresso convocará um plenário para escolher o chefe do governo, que tem de ter uma maioria absoluta para conseguir ser eleito. Caso não a obtenha, pode ser eleito com uma maioria simples — mas desde que garanta o apoio de aliados para aprovar as leis essenciais ao país, como o orçamento do Estado. Um equilíbrio que promete dar muitas dores de cabeça a quem quer que seja eleito novo chefe do governo de Espanha.