O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desvalorizou o tom do segundo despacho que emitiu com instruções à Autoridade Tributária (AT) para avançar com a cobrança de IMI sobre as barragens. Chamado ao Parlamento, Nuno Félix defendeu que afinal a AT até estava a cumprir o despacho inicial, quando questionado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, sobre as razões para a segunda instrução feita aos serviços.

O despacho que o deputado do PSD Artur Soveral Trindade classificou de “demolidor” para a Autoridade Tributária e para a sua diretora geral, ouvida uma horas antes, foi, na descrição do secretário de Estado, “assertivo”. E teve como objetivo essencial responder às dúvidas e questões que a AT foi levantando enquanto estava, segundo garantiu Helena Borges, a trabalhar no cumprimento da orientação dada no início do ano.

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Reconhecendo que o despacho de agosto é “mais assertivo” do que a instrução inicial (e que ainda não produziu qualquer resultado em matéria de liquidação de IMI sobre as barragens), Nuno Félix sublinha que teve como objetivo esclarecer todas as questões e para não haver mais dúvidas. Acrescentou também que procurou devolver à AT o domínio da implementação da medida, já que é um “grande defensor da autonomia técnica” da administração fiscal.

O deputado do PCP, Duarte Alves, revela a sua perplexidade: “Se o despacho de fevereiro estivesse a ser cumprido, não teria feito o de agosto”. Nuno Félix responde: “Não há qualquer recuo da minha parte. A minha resposta hoje seria a mesma — a de que compete à AT interpretar e aplicar as regras, caso a caso. E não ao secretário de Estado.”

As dúvidas da AT sobre quem notificar a pedir cadastro e que bens deveriam ser taxados dentro do domínio público que caracteriza estes empreendimentos, chegaram a 26 de abril, mas as respostas só foram dadas em agosto, demora que Nuno Félix justificou com o compasso de espera para aguardar a promulgação da lei do cadastro que poderia obrigar a um terceiro esclarecimento. Apesar de considerar que a orientação inicial estava a ser cumprida — o que é contestado não só pelos municípios (a quem cabe a receita), mas também pela oposição —  Nuno Félix confirma que pediu à AT um relatório sobre o estado da execução que já recebeu.

Nuno Félix indicou que do “vastíssimo conjunto de empreendimentos” identificados, mais de 160 segundo a AT, têm sido feitas notificações aos concessionários para inscreverem os ativos na matriz para efeitos de IMI. E nos casos em que o não fazem, cabe à AT fazê-lo de forma oficiosa (que é aliás uma das instruções dadas no segundo despacho). Este é um tema de grande complexidade e a AT mantinha dúvidas sobre a qualificação jurídica destes empreendimentos, face à informação dada pela Agência Portuguesa do Ambiente de que estariam na esfera do domínio público — e como tal não deveriam pagar IMI.

O despacho diz que esta interpretação — que vigorou na administração fiscal nos últimos anos — deve ser desconsiderada, à luz de um parecer da Procuradoria-Geral da República que aponta no sentido contrário.

“Ninguém põe em causa que há nestas concessões áreas que são do domínio público, como os terrenos e as águas. A questão que se coloca é a relativa aos edifícios”. E o secretário de Estado até foi buscar o exemplo dos bares de praia que são equipamentos privados construídos no domínio público.

Sobre o critério da AT que deixa de fora equipamentos, Nuno Félix validou as explicações dadas por Helena Borges de que estava a ser seguida a jurisprudência que resultou dos litígios com os operadores de parques eólicos que o Estado perdeu. E justificou a necessidade de realizar avaliações atualizadas porque as existentes estavam muito desatualizadas.

Cobrança de 2019 pode ser posta em causa por litigância

Quanto ao prazo de liquidação e à cobrança do imposto devido em 2019, cujo direito pode prescrever pela demora no processo, Nuno Félix não se comprometeu com prazos, indicando apenas que será para breve. E confirmou que estão em curso as avaliações dos edifícios abrangidos. Só depois haverá liquidação. Mas no caso de haver contestação desses valores — litigância que é alheia à AT — isso pode fazer com que já não seja possível liquidar o imposto devido de 2019, Mas reafirmou que nenhum serviço das finanças tem dúvidas sobre a prioridade que deve ser dada à cobrança de impostos que estão em risco de prescrição.