A diretora-geral dos Impostos mostrou-se “indignada” perante a suspeita de que a Autoridade Tributária (AT) esteja a atuar a favor de uma empresa (a EDP) na cobrança de IMI sobre as barragens. A instrução para proceder a esta cobrança foi dada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em fevereiro, mas até agora ainda não produziu efeitos, o que resultou num novo despacho, de agosto, de Nuno Félix a reforçar a indicação dada à AT e que contraria o entendimento que a administração fiscal tinha até agora que apontava para a não cobrança deste imposto a bens do domínio público.

Helena Borges foi ouvida esta quarta-feira na comissão de orçamento e finanças do Parlamento sobre a cobrança de Imposto Municipal de Imóveis sobre as barragens. O caso nasceu do negócio de venda de seis barragens da EDP à Engie no final de 2020 por 2,2 mil milhões de euros, uma operação que não deu origem ao pagamento de impostos, nem IMI, nem imposto de selo, conforme era a expectativa dos municípios do Douro onde se situam as barragens (o IMI é uma receita municipal e havia um compromisso do Governo de afetar a receita fiscal às autarquias envolvidas).

Despacho do Governo obriga fisco a cobrar IMI às barragens da EDP

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Enquanto a suspeita de eventual fuga à cobrança de imposto de selo está a ser investigada pela AT, em coordenação com o Ministério Público, o caso do IMI teve uma evolução este ano com a orientação dada pelo Governo à administração fiscal para iniciar a cobrança do imposto sobre todas as barragens.

A diretora-geral dos Impostos admite dificuldades na execução do despacho, mas assegura que está a ser executado, estando em curso a inscrição na matriz, e respetiva avaliação, de 166 aproveitamentos hidráulicos (um universo muito mais abrangente do que as barragens hidroelétricas identificadas no despacho do secretário de Estado). “E não sabemos quando termina porque ainda estamos a recolher de forma faseada informação junto da APA (Agência Portuguesa do Ambiente). Isto não é de aplicação automática, tem de ser sistematizada”. Segundo Helena Borges estão envolvidas neste processo 17 direções e 85 serviços de finanças que estão a cumprir esta nova obrigação.

“Vamos liquidar (o IMI), mas vamos ver é se vamos cobrar”

Questionada sobre o risco de prescrição da cobrança do imposto, Helena Borges afirma que o fisco está a trabalhar para cobrar o imposto relativo a 2019 e 2020. “Vamos liquidar, agora vamos ver se vamos cobrar”. E defende a necessidade de acautelar na fase de cobrança a segurança jurídica da mesma para reduzir o risco de contencioso. “Não tememos o contencioso por ser uma grande empresa (a EDP).

Segundo Helena Borges, os serviços da AT estão a executar o despacho, mas isso não se faz de forma automática. É preciso fazer o levantamento dos empreendimentos e dos ativos abrangidos pelo IMI e é esse trabalho que tem vindo a ser feito com a APA. “Não são seis barragens”, são muito mais, assinalou. “Enfrentamos um conjunto de dificuldades face aos elementos de que chegaram da APA porque esta continuava a indicar que eram bens de domínio público. Foram estas questões que estiveram em causa”. A AT, acrescenta, não podia notificar, sem saber quem são e quais são os empreendimentos.

“Só podíamos notificar os concessionários depois de ter sido esclarecido (num segundo despacho) que a classificação da APA de que eram bens de domínio público não devia ser considerada” neste processo. A diretora-geral dos Impostos remeteu ainda para Nuno Félix, que vai ser ouvido a seguir, as justificações para a necessidade de emitir um segundo despacho, mais duro, a dar indicações à AT para proceder à cobrança.

O parecer que reforça a ordem à AT

Mostrar Esconder

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deve “assegurar a inscrição, avaliação e liquidação em sede de IMI” das barragens nos termos da lei, que prevê a inscrição e atualização matricial oficiosa, sublinha o despacho do secretário de Estados dos Assuntos Fiscais. No despacho, a que a Lusa teve acesso, o governante sublinha que a administração fiscal está sujeita “a um poder-dever que lhe exige que obtenha, pelos meios legalmente previstos, a notícia da ocorrência dos factos tributários, mesmo quando o sujeito passivo ou terceiros não cumpram os deveres acessórios declarativos a que estão vinculados” ou “mesmo que haja previsibilidade de existência de contencioso em torno do tema”.
Nuno Félix lembra que a inscrição e atualização matricial oficiosas constituem competências dos chefes de serviços de finanças e que a liquidação do IMI e a inspeção tributária constituem competências próprias dos serviços centrais e regionais da AT pelo que “devem os respetivos serviços da administração fiscal assegurar a inscrição, avaliação e liquidação em sede de IMI nos termos legais”. O despacho de 16 de agosto refere a jurisprudência dos tribunais superiores na verificação da sujeição a IMI de quaisquer construções ou edificações de aproveitamentos hidroelétricos ou que tenham outra natureza, ainda que em domínio público, sendo referido um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que “deixa suficientemente claro que as construções efetuadas por concessionário, ao abrigo de contrato de concessão e enquanto vigorar tal contrato de concessão, implantadas em domínio público hídrico, são sujeitas a IMI”.

Chamada pelo Bloco de Esquerda, a diretora-geral começou por responder à coordenadora Mariana Mortágua que acusou a AT de não ter cumprido a instrução dada pelo Governo e de ter optado por uma interpretação sobre os ativos abrangidos pela cobrança — deixando os equipamentos fixos de fora (comportas, turbinas, geradores, elevadores, etc)  — o que retira dois terços do valor tributário com impacto na redução do imposto a cobrar.

“Acho inaceitável que depois de um percurso de rigor que esta organização tem que seja pensável que nós atuaríamos para servir uma empresa, quando servimos o país”. Helena Borges diz que fala em nome da AT que não atua sob a sua orientação, apesar de acompanhar as discussões dentro da organização. E acusa a oposição (e alguns comentadores não mencionados) de “efabular e criar ideias erradas sobre a idoneidade das pessoas da AT”. “Há indignação que não é apenas minha. Desagrada-me bastante ouvir isto dos deputados.”

Sobre o critério de avaliação das barragens para efeitos de IMI, a subdiretora-geral para o património explicou que estão ser incorporados os ensinamentos recolhidos da cobrança a parques eólicos no que toca à classificação de edificado e à distinção entre equipamentos e construções. No caso das barragens, há ainda o obstáculo de atravessarem mais do que um município. Os dois lados do paredão de uma barragem podem estar localizados em autarquias distintas, destacou Lurdes da Silva Ferreira.

A diretora-geral dos Impostos confirma contudo que os serviços receberam a EDP, na qualidade de grande contribuinte, como recebe outros, porque a empresa pediu para explicar os seus argumentos contra a cobrança de IMI. Este contacto terá sido feito quando alguns serviços da AT tentaram cobrar o imposto, tendo recuado perante o elevado contencioso. Foi na sequência deste recuo que foi produzido o parecer interno que fundamentou a não cobrança de IMI.

Fisco tentou no passado cobrar IMI às barragens da EDP e depois mudou de opinião. PS quer voltar atrás

Na origem desta divergência está o entendimento da AT, com base em pareceres da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de que as barragens são bens do domínio público e, como tal, não sujeitas à cobrança de IMI. Essa interpretação que, sublinha Helena Borges, tem sido dominante nas últimas décadas, é alterada com a instrução dada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que é sustentado num parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) de 2006. A diretora-geral deixa até a sugestão aos deputados para clarificarem a lei dada as várias interpretações da legislação vigente.

E questionada sobre se tem condições para se manter no cargo, Helena Borges diz não vê no diálogo com a tutela nenhum obstáculo. “Não lhe compete explicar o tom (do despacho) do secretário de Estado, mas é uma” dinâmica de trabalho e que se reproduziu por escrito”.