Depois de a auditoria do Hospital de Santa Maria ter revelado que o, à época, secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, telefonou para o Departamento de Pediatria do hospital para marcar a consulta para as gémeas luso-brasileiras (num ato de alegado favorecimento), continuam por esclarecer alguns dos contornos da intervenção da Presidência da República junto daquela unidade hospitalar. O que sabe é que os contactos de Belém com o hospital de Santa Maria foram feitos pela assessora de Marcelo Rebelo de Sousa para os assuntos sociais, Maria João Ruela, em outubro de 2019 e que o hospital respondeu à Presidência da República adiantando que o “processo foi recebido” e que “estavam a ser analisados vários casos do mesmo tipo”.

No entanto, as explicações de Marcelo Rebelo de Sousa, dadas numa conferência de imprensa em Belém no dia 4 de dezembro, não esclarecem os contornos exatos dos contactos entre a Presidência da República e o Hospital de Santa Maria. Não se sabe quem ou que serviço/departamento da unidade hospitalar foi contactado por Maria João Ruela, que informações foram pedidas em concreto, o que foi dito à assessora de Marcelo para além da comunicação escrita enviada pelo hospital ou se Belém exerceu algum tipo de pressão de modo a agilizar o tratamento das gémeas em Portugal — ainda que auditoria do Santa Maria refira apenas contactos do secretário de Estado.

Maria João Ruela recusa explicar como a Presidência intercedeu junto do Santa Maria

O Observador contactou a assessora para os Assuntos Sociais e Comunidades Portugueses da Presidência da República de modo a esclarecer estas questões, mas Maria João Ruela recusou-se a fazer quaisquer comentários e remeteu explicações para a conferência de imprensa de imprensa de 4 de dezembro.

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Referenciação das gémeas foi a única exceção na marcação de consultas em Santa Maria

A intervenção da Presidência começou, segundo explicou Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 21 de outubro, quando Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, endereçou um email ao pai a dar conta de que um “grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar, a todo o transe, que elas fossem tratadas em Portugal”. Tratava-se, segundo disse Marcelo, citando o email, de uma “corrida contra o tempo”.

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Por essa altura a família das gémeas já tinha enviado toda a documentação, incluindo informação clínica das crianças, para o Hospital de Santa Maria. Mas a resposta da unidade hospitalar tardava em chegar. O objetivo do email de Nuno Rebelo de Sousa terá sido perceber junto do pai se a Presidência da República poderia obter alguma informação do hospital relativamente ao pedido de ajuda da família para que as gémeas fossem tratadas em Portugal com Zolgensma — que era, à data, o medicamento mais caro do mundo e que custava ao SNS cerca de dois milhões de euros.

No dia em que recebeu o email do filho (dia 21 de outubro, uma segunda-feira), Marcelo remeteu o caso para o chefe da Casa Civil, Fernando Frutuoso de Melo, com uma pergunta: “Será que Maria João Ruela (que era, na altura, assessora para Assuntos Sociais) pode perceber do que se trata?” O email seguiu para a assessora para Assuntos Sociais e Comunidades Portugueses, Maria João Ruela, que terá dado imediato seguimento ao pedido do Presidente da República, contactando o hospital. A resposta do Santa Maria chegaria dois dias depois, a 23 de outubro, dando conta de que “o processo [tinha sido] recebido” e que estavam a ser “analisados vários casos do mesmo tipo”.

Do telefonema de Lacerda Sales ao “risco partilhado” do Zolgensma: os detalhes da auditoria ao caso das gémeas

A informação enviada pelo maior hospital do país a Belém sublinhava também que, além do caso das gémeas, estavam a ser “analisados doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é naturalmente muito limitada, e depende inteiramente de decisões médicas do hospital e do Infarmed”.

No entanto, ficam por esclarecer os detalhes dos contactos entre Belém e o Santa Maria. O Presidente da República não referiu que responsável ou serviço/departamento do hospital foi contactado por Maria João Ruela, de que forma o contacto foi feito, que informações foram pedidas em concreto, se o hospital apenas foi contactado por Belém uma vez ou várias, o que foi transmitido por Maria João Ruela, se mais algum elemento da Presidência da República contactou o hospital ou se (ao mesmo tempo que a Presidência tentava obter uma resposta do Santa Maria) foi exercido algum tipo de pressão de modo a agilizar o tratamento das gémeas em Portugal.

Caso das gémeas: ex-diretor clínico do Santa Maria diz que “nunca foi contactado” por Marcelo e que não conhece filho do PR

Já esta quarta-feira, o ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro, que se manteve em silêncio desde o início de novembro (quando surgiu na reportagem, emitida pela TVI, que denunciou o caso) garantiu, em entrevista à RTP, que nunca foi contactado pelo Presidente da República sobre o caso das gémeas.