O presidente do Chega anunciou esta terça-feira que vai irá impor a constituição uma comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, caso não haja acordo com o PSD até sexta-feira.

Caso esse acordo não seja alcançado até ao final da semana, o Chega até sexta-feira vai requerer uma comissão parlamentar de inquérito potestativa [obrigatória] ao caso das gémeas para ser constituída nos próximos dias na Assembleia da República”, adiantou André Ventura, em declarações aos jornalistas no parlamento após uma reunião da bancada.

O presidente do Chega disse que estão a ser feitos contactos com o Grupo Parlamentar do PSD sobre este tema e acrescentou que ainda não tem uma “informação definitiva” sobre se os sociais-democratas pretendem ou não viabilizar esta proposta.

“Parece-nos importante até pela tranquilidade e confiança pública que se exigem num assunto como este, que este assunto comece a ser tratado pelo novo parlamento o mais rápido possível”, defendeu.

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Ventura lamentou as palavras do secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, que na segunda-feira, numa entrevista à TVI/CNN Portugal, defendeu que se está a banalizar as comissões parlamentares de inquérito e que no caso das gémeas tratadas no Santa Maria “não vai acrescentar nada”, remetendo, contudo, uma decisão para o grupo parlamentar.

É negativo para a democracia, sobretudo negativo para a democracia, que o líder do PS diga que é um caso muito importante para o país, que tem que ser esclarecido, que abala a confiança do sistema, dos cidadãos e diga ao mesmo tempo que não vê o que vai acrescentar uma comissão parlamentar de inquérito”, criticou.

O socialista argumentou, nessa entrevista, que há comissões parlamentares permanentes que podem fazer o escrutínio do caso, mas Ventura contrapôs, dizendo que Pedro Nuno Santos “sabe muito bem” que nesse tipo de comissões “não podem ser ouvidos ex-ministros, o senhor Presidente da República, não podem ser ouvidas pessoas estranhas à atividade política”.

“A sensação que ficou foi que o PS está empenhado em proteger os seus antigos governantes e em proteger não sabemos mais quem“, alegou Ventura. O dirigente do Chega disse estar disposto a trabalhar o texto da proposta de comissão de inquérito mas afirmou que não vai aceitar que algum nome fique de fora de eventuais audições. Interrogado sobre se quer ouvir o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, André Ventura considerou ser “do interesse” do chefe de Estado “ser ouvido num caso como este”.

Pizarro fala em irregularidades mas é contra nova comissão, PCP não quer “escarafunchar o assunto”

Também esta terça-feira, o ex-ministro da Saúde Manuel Pizarro deu uma entrevista à CNN durante a qual defendeu que “evidentemente” o caso das gémeas “pode e deve” ser esclarecido, elogiando a forma como a IGAS conduziu o inquérito sobre o assunto. “Num país onde tantas vezes o anúncio de um inquérito é a morte de um assunto, neste caso o IGAS comportou-se de forma absolutamente exemplar”.

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Pizarro lembrou que foram identificadas irregularidades na parte “administrativa” da marcação da consulta das gémeas, mas também deixados “elogios” à conduta dos médicos. E frisou que o IGAS defende nesse inquérito que houve uma “aceleração da marcação da consulta em função de contactos feitos nomeadamente ao nível do secretário de Estado da Saúde”, reconhecendo que quer acreditar que essa aceleração tenha sido feita por razões “humanitárias”, mas que ainda assim as regras foram “ultrapassadas ou aceleradas”.

Já o Chega pretende “alimentar uma guerrilha institucional” no Parlamento contra o Presidente da República. “Não precisa de envolver nenhum outro partido, pode alimentar sozinho”, atira Pizarro durante a mesma entrevista, “satisfeito” com a decisão do PS de não acompanhar a comissão de inquérito.

O PCP também reagiu à iniciativa do Chega, com o secretário-geral, Paulo Raimundo, a considerar que esta é uma tentativa de “marcar a agenda” e “escarafunchar o assunto”, apesar de classificar como “uma vergonha” um tratamento de saúde custar quatro milhões de euros.

Recordando que há investigações em curso e esclarecimentos a ser prestados sobre o caso das gémeas, Paulo Raimundo vincou que há “um problema de fundo que parece estar a passar ao lado desta discussão”, que é o preço do medicamento em causa. “Nós estamos a falar de medicamentos que custam quatro milhões de euros, este é que é o elemento central que nos deve indignar a todos”, frisou.

Relatório fala em ilegalidade no acesso à consulta

Nas conclusões do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, divulgadas na quinta-feira, a IGAS refere que “não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria” uma vez que a marcação da consulta não cumpriu a portaria que regula o acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde. A IGAS concluiu ainda que a prestação de cuidados de saúde às crianças decorreu “sem que tenham existido factos merecedores de qualquer tipo de censura”.

O ex-secretário de Estado António Lacerda Sales, de acordo com o contraditório do relatório, criticou a IGAS por ter dado menos valor à sua palavra do que à da sua secretária pessoal, que contactou o Hospital de Santa Maria para agendar a consulta das gémeas.

O caso das duas gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam em Portugal, em 2020, o medicamento Zolgensma, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro, e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República.

A 4 de dezembro do ano passado, em declarações aos jornalistas, num auditório do Palácio de Belém, o Presidente da República confirmou que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, o contactou por email em 2019 sobre o caso de duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal, que vieram a receber no Hospital de Santa Maria um dos medicamentos mais caros do mundo.

Nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa deu conta de correspondência trocada na Presidência da República em resposta ao seu filho, enviada à Procuradoria-Geral da República (PGR), e defendeu que deu a esse caso “o despacho mais neutral”, igual a tantos outros.