O Halo, o projeto da Unbabel que parece enviar mensagens “por telepatia”, vai dar origem a uma empresa independente ainda este ano. O projeto está a ser desenvolvido no âmbito do Center for Responsible AI que tem financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e é liderado pela tecnológica portuguesa.

Em novembro, no palco da Web Summit, o CEO da empresa, Vasco Pedro, mostrou o protótipo da tecnologia, que está a ser pensada para ajudar pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurológica degenerativa. À medida que há progressão da doença, os pacientes vão perdendo as funções motoras e o controlo muscular. O Halo assenta na lógica de uma interface não invasiva, em que se juntam os sensores de electromiografia (EMG) e os grandes modelos de linguagem (LLM) para que os portadores da doença consigam comunicar. É usado um dispositivo, uma espécie de banda que assenta na testa, e pode ser controlado com movimento da sobrancelha, os últimos músculos a perderem funções. Através de um auricular, a inteligência artificial (IA), através de um modelo de linguagem, vai sugerindo opções de resposta possíveis consoante o contexto. Para selecionar as opções basta fazer um movimento com a sobrancelha.

Na Web Summit, Vasco Pedro mostrou a tecnologia que parece telepatia ao responder a mensagens do público sem falar e com o mínimo de movimentos. Esta quarta-feira, nos escritórios da Unbabel, em Lisboa, voltou a ser feita uma demonstração, desta vez perante o ministro da Economia, António Costa Silva, que assistiu também às explicações de outros quatro exemplos de projetos que aliam diversas empresas, com foco na IA, e que estão a ser desenvolvidos no centro.

De acordo com a Unbabel, a tecnologia do Halo vai permitir não só uma comunicação mais rápida – a atual tecnologia disponível a quem tem ELA funciona através da interação ocular, com uma digitação mais lenta – como até imitar a voz da pessoa, desde que haja registos gravados.

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À margem das demonstrações, em declarações aos jornalistas, Vasco Pedro, o CEO da Unbabel, e Paulo Dimas, CEO do Center for Responsible AI, revelaram os planos para que o Halo dê origem a um spin-off, uma empresa independente. “Está na altura de o Halo poder ter os seus próprios recursos e o seu próprio caminho. Acho que vai ter um impacto enorme, já está a começar a ter nos pacientes e vai continuar”, diz Vasco Pedro.

O spin-off, que ainda não tem nome, “vai acontecer algures este ano”, detalha. Neste momento, a empresa está a preparar o “enquadramento legal” para que a ideia ganhe mais corpo.

Paulo Dimas explica que, neste momento, ainda estão na fase de desenvolvimento de protótipos e em testes com pacientes. “Não é nenhum produto que esteja completamente desenvolvido”, esclarece, “por isso também não nos interessa estar a ir cedo demais para o mercado, mas vai ser este ano”, assegura.

Embora esteja a ser desenvolvido pela Unbabel, a ideia é separar o Halo, até porque, embora “use as tecnologias da Unbabel a nível de IA e de linguagem, há uma parte comum em relação ao que a Unbabel faz, mas que não tem que ver com o produto fundamental” da tecnológica, a tradução, continua Paulo Dimas.

Depois da demonstração na Web Summit, houve contactos “espontâneos” por parte de investidores. “Já há pelo menos três potenciais investidores que mostraram interesse em falar, são de fundos internacionais que operam nesta área das interfaces cérebro-computador. Combinam hardware com IA”, explica Paulo Dimas. Vasco Pedro, CEO da Unbabel, na demonstração do Halo na Web Summit 2023

A situação vivida pela queda da Farfetch, o primeiro unicórnio português, agitou o mundo do empreendedorismo nacional, mas o CEO da Unbabel diz que a empresa não está a sentir “particularmente” uma retração no mercado. E, mesmo com o atual contexto de taxas de juro mais elevadas, quer avançar para um spin-off. “A área que o Halo está a atacar é uma área nascente neste momento. Não só está a ter um impacto concreto, prático, nos pacientes, como a interação entre interfaces neuronais não invasivas e LLM tem um potencial enorme no futuro”, destaca.

Além disso, considera que o spin-off  “seria mais de seed stage, early stage [fases iniciais de financiamento]”, onde “o investimento não está a ser afetado da mesma maneira que no late stage (em fase avançada)”, distingue. “É uma realidade bastante diferente: [as rondas] de série A e seed stage continuam a acontecer, não tanto como em 2021, claro que houve uma queda, mas não são afetadas da mesma maneira que em late stage.”

Além do Halo, foi feita a demonstração de mais projetos que estão a ser desenvolvidos pelo Centro, entre os quais uma solução de tradução para serviço ao cliente, aplicável ao grupo hoteleiro Pestana, que tem em conta também o contexto cultural, ou o projeto-piloto de fisioterapia com ajuda de IA da Sword Health, que começou este ano a ser testado no hospital de São João, no Porto.

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O Center for Responsible AI vai receber um total de 77 milhões de euros do PRR. Até ao momento, já foram executados 19 milhões de euros e criados 145 postos de trabalho “altamente qualificados”, nomeadamente na área da IA, concretiza Paulo Dimas.

IPO continua nos planos da Unbabel, mas sem prazo concreto

Até agora, da vaga de empreendedorismo nacional, a Farfetch foi a única que se aventurou numa oferta pública inicial (IPO), entrando em bolsa em setembro de 2018, em Nova Iorque. Porém, foram cinco anos de altos e baixos, que culminaram na saída de bolsa com o anúncio de que a empresa vai ser comprada pela sul-coreana Coupang.

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A Unbabel continua a ter planos para fazer o seu IPO, garante Vasco Pedro, mesmo com as lições retiradas pela empresa do percurso da Farfetch enquanto empresa cotada. “Acho que estamos no caminho de criar uma empresa global e enorme, é esse o nosso objetivo. Para resolver este problema a nível global, há espaço para criar uma empresa, de facto, grande e, como tal, acho que o caminho vai ser eventualmente fazer um IPO, mas não temos uma data prevista. Não é uma coisa em que estamos a pensar neste momento, mas acho que vai fazer sentido em algum ponto.”

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Faz questão de distinguir que a Farfetch e a Unbabel operam em setores “bastante diferentes” e que os ciclos também mudam. “A Farfetch é uma empresa de comércio eletrónico de moda, a Unbabel é uma empresa na área de IA e tradução, são mercados bastante diferentes. O mercado da tradução está a crescer e é relativamente estável, não teve os altos e baixos que o comércio eletrónico teve nos últimos anos“, assegura.

Embora reconheça que “a Farfetch cresceu imenso no período da Covid”, também foi afetada por outros fatores, como a saída do mercado russo ou um abrandamento do relevante mercado chinês nas compras de luxo. “É uma série de fatores a que nós não estamos expostos”, lembra Vasco Pedro. “Além de que tudo isto tem ciclos, quando nós formos fazer um IPO vai ser um ciclo que não será este.”

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E, a fazer o IPO, qual seriam escolhas prováveis de índices? “Seria sempre Nasdaq [índice tecnológico] ou NYSE [bolsa de valores de Nova Iorque] para nós.”