Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, foi constituído arguido no âmbito das buscas da Polícia Judiciária na Madeira. Em causa estão crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio ou atentado contra o Estado de Direito.

Em declarações ao Observador, o constitucionalista Paulo Otero diz que o Conselho de Estado não se pronunciou e não tinha de se pronunciar para que Miguel Albuquerque fosse constituído arguido, uma vez que no estatuto do órgão consultivo do Presidente da República não é feita referência ao estatuto de arguido, mas apenas à detenção ou prisão, que fica dependente de autorização do Conselho, salvo em caso de flagrante delito.

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O Observador sabe que Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal, e dois gestores do Grupo AFA (o presidente Avelino Farinha e um segundo gestor da sucursal de Braga) foram detidos pelo Ministério Público (MP) durante a tarde desta quarta-feira num contexto fora de flagrante detido, logo a exceção descrita na lei não se aplica a este caso.

Outro jurista contactado pelo Observador levanta mesmo a hipótese de o MP ter optado por não deter Miguel Albuquerque para evitar o envolvimento do Conselho de Estado.

MP necessita de autorização do Parlamento madeirense para interrogar Albuquerque?

Para Paulo Otero, a “disposição do Estatuto Político-Administrativo da Madeira tem prevalência sob a solução do Conselho de Estado, porque sendo suspenso enquanto presidente do Governo Regional da Madeira é automaticamente suspenso enquanto membro do Conselho”, já que tem este último cargo por inerência do primeiro.

Ou seja, a imunidade de que Albuquerque dispõe por ser governante na Região Autónoma da Madeira surge primeiro em relação à eventual imunidade relativa à sua posição enquanto conselheiro.

O que levanta outra questão: o MP necessita da autorização da Assembleia Legislativa Regional da Madeira para interrogar como arguido Miguel Albuquerque?

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É claro que o Estatuto Político-Administrativo da Madeira define claramente que “não podem, sem autorização da Assembleia [Legislativa Regional], ser jurados, peritos ou testemunhas nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos”.

A exceção dá-se quando o governante regional seja “preso em flagrante delito, ou quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”. Paulo Otero refere que os crimes pelos quais Miguel Albuquerque está a ser investigado “parecem” encaixar-se na exceção que se refere à moldura penal superior a três anos. Assim, é possível que seja ouvido como arguido sem haver necessidade de intervenção da Assembleia Regional.”, afirma o professor de direito.

De facto, os diversos crimes pelos Miguel Albuquerque foi constituído arguido, como corrupção passiva, prevaricação e outros têm uma moldura penal acima dos três anos.

Albuquerque pode vir a ser suspenso pelo Parlamento no caso de acusação do MP

No ponto 4 do Estatuto referido assinala-se que depois de “movido procedimento criminal contra algum membro do Governo Regional, e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida nos números anteriores, a Assembleia Legislativa Regional decidirá se este deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo”.

O constitucionalista diz que “resta saber se vai haver acusação [deduzida pelo MP] e se é uma acusação definitiva [confirmada por um tribunal de instrução criminal]”, já que “só sendo definitiva e tratando-se de crime com uma moldura penal igual ou superior a três anos é que a Assembleia Legislativa Regional é chamada para suspender o exercício de funções ao seu presidente”.

Ou seja, para já, “pode ser ouvido enquanto arguido e não precisa de ser suspenso pelo Parlamento Regional”.

Em declarações à Rádio Observador, ao início da tarde, o advogado Diogo Alvim referiu que Miguel Albuquerque “goza de dupla imunidade, uma por ser Presidente do Governo Regional da Madeira e outra por, num cargo de inerência, ser conselheiro de Estado”.

Em relação à entidade oficial que tem de levantar tal imunidade, o jurista entende que “ambos os órgãos [Conselho de Estado e Assembleia Legislativa Regional] têm de a levantar”, mas garante que não há uma sobreposição das duas condições. “Se porventura o presidente do Governo Regional se demitisse, perderia automaticamente o assento. Não há uma sobreposição, uma imunidade é consequência da outra”, referiu.