A pandemia trouxe uma redução pronunciada das horas de trabalho médias efetivamente trabalhadas pelos europeus muito por via de mecanismos generalizados de tipo layoff. Em 2023, o mercado de trabalho continuou o processo de normalização — o volume das horas trabalhadas já recuperou por causa dos ganhos no emprego — mas a média por trabalhador ainda não voltou ao que era. E para uma equipa de investigadores do FMI que se dedicou ao tema também não é provável que isso venha a acontecer.

Os dados do Eurostat revelam que no terceiro trimestre de 2023 trabalhava-se na União Europeia (UE), em média, 36,4 horas por semana, acima do mínimo da pandemia — 35,1 no segundo trimestre de 2020 —, mas aquém das 37,3 horas do terceiro trimestre de 2019. Em Portugal, onde já antes se trabalhava mais horas do que na média europeia, o valor também ainda não recuperou: de 39,1 horas no terceiro trimestre de 2019, atingiu o mínimo da Covid meses depois — 36,2 horas — e estava no terceiro trimestre do ano passado nas 38,3 horas. É quase menos uma hora por semana. O indicador das horas efetivamente trabalhadas tem em conta períodos de ausência dos trabalhadores, como as licenças parentais, que têm sido reforçadas em vários países europeus, como aconteceu em Portugal.

A redução das horas de trabalho não é um comportamento “cíclico” mas “predominantemente estrutural“, que prolonga uma “tendência de longo prazo anterior à Covid-19” e é “improvável” que se reverta no futuro, concluem os investigadores do FMI no estudo “Dissecar a diminuição da média de horas trabalhadas na Europa”, publicado no início deste ano, e que olha para números do Eurostat.

A tendência já vem de trás — e bem de trás, nas palavras dos investigadores: desde o século XIX, “reduzindo-se aproximadamente para metade entre 1870 e o início dos anos 2000 na Alemanha, por exemplo”. Um estudo de 2020 citado pela equipa concluiu mesmo que a média na OCDE caiu cerca de 0,5% por ano entre 1870 e o início deste milénio.

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Fonte: Estudo “Dissecar a diminuição da média de horas trabalhadas na Europa”, publicado pelo FMI a 12 de janeiro

O tempo médio de trabalho está, assim, “a regressar à sua tendência de longo prazo pré-pandemia”. E este recuo não se explica por um efeito de composição, com a introdução de novos empregos com horários mais curtos, mas por “preferências” que se observam em vários grupos de trabalhadores.

Os jovens e os homens, sobretudo os que têm filhos pequenos, são quem mais tem influenciado os resultados, numa análise entre 2003 e 2019. No primeiro caso, pode ajudar a explicar o aumento da escolaridade — os jovens estudam mais agora do que antes ou trabalham em part-time enquanto estudam. Já no caso dos homens com filhos pequenos, a redução é transversal entre quem está a tempo inteiro e quem está em part-time. Esta constatação “é notoriamente consistente entre os países europeus”. No caso das mulheres com filhos também houve uma diminuição, mas menos pronunciada (a média de horas já era mais baixa).

Os investigadores também salientam como os grupos dos 55 aos 64 anos e acima dos 65 assistiram a um aumento da participação no mercado de trabalho com o aumento da idade legal da reforma na maioria dos países, “mas as horas médias também diminuíram” nestes grupos.

Literatura, mais recente e mais antiga, citada pelos investigadores atribui a redução do número de horas médias de trabalho ao progresso tecnológico, ao aumento dos salários ou a uma maior valorização do tempo livre.

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Países mais ricos têm horários mais curtos

O estudo do FMI perspetiva que a redução das horas de trabalho médias “deverá continuar nos países europeus no futuro, a um ritmo médio que dependerá da tendência de crescimento da produtividade e dos salários em todo o continente” mas a “velocidades variáveis entre países dependendo das suas trajetórias de convergência económica”.

Há mais “margem” para os países europeus menos desenvolvidos — o estudo não especifica se inclui Portugal neste grupo — registarem nos próximos tempos maiores diminuições dos horários médios, desde que registem níveis de crescimento elevados. Aliás, a diminuição da jornada média tem sido mais significativa em países onde as horas trabalhadas eram comparativamente elevadas há duas décadas.

O FMI projeta, pelo menos no médio prazo, ganhos “modestos” da produtividade nas economias europeias mais tecnológicas, o que levará a quebras também elas modestas nas horas trabalhadas. Mas a longo prazo, a inteligência artificial e as alterações climáticas vão ter um “papel crítico” nesta variável.

Os autores propõem uma série de reformas políticas que podem “atenuar” a redução das horas de trabalho médias, embora seja improvável que invertam a tendência, sublinham. Por um lado, sugerem que o chamado “part-time involuntário” — quando um trabalhador está disponível a aceitar um emprego a tempo completo mas não consegue encontrá-lo — seja minimizado e que haja mecanismos que permitam aos trabalhadores transitar para um emprego a tempo inteiro. Se isso acontecesse na totalidade, levaria a um aumento da média em 0,42 horas, ou 1,1%. Mas o estudo também salienta que esta transição “é difícil na prática”, em especial para as mulheres, que têm taxas de transições inferiores às dos homens e onde o part-time, a nível europeu, tem mais expressão.

Os investigadores também propõem sistemas de proteção social mais neutros, por exemplo, incentivando o regresso ao mercado de trabalho com um mecanismo que impeça uma retirada abrupta dos apoios sociais. Especificamente para incentivar a empregabilidade a tempo inteiro das mães sugere licenças parentais mais favoráveis, mais serviços de apoio à infância ou regimes de trabalho mais flexíveis, como o teletrabalho (em Portugal, quem tem filhos até aos oito anos já pode impor este regime). No caso da proteção social, propõem que as pensões contributivas ou os subsídios de desemprego “não incentivem indevidamente o trabalho a tempo parcial”.