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Uma porta-voz da UNICEF disse à agência Lusa esta quarta-feira ter testemunhado horrores na Faixa de Gaza, onde milhares de crianças já morreram de fome e de doença e outras tantas estão com a vida por um fio.

Entrevistada a partir de Lisboa, Tess Ingram, porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disse a partir de Amã (Jordânia), onde está atualmente colocada, que nunca pensou assistir a tanto horror durante a visita de uma semana, em trabalho, que efetuou ao sul e centro da Faixa de Gaza.

“A situação das crianças na Faixa de Gaza é inacreditável. Pelas notícias que vemos e lemos e pelas imagens que vemos, todos sabemos que é uma situação terrível. Mas quando se vê ao vivo e se fala com as pessoas sobre o que elas suportaram ao longo de 120 dias de guerra, isso faz-nos compreender que se trata de algo que está a tirar às pessoas a sua esperança, a sua dignidade e a sua segurança”, frisou.

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Para Ingram, nascida na Austrália há 33 anos, as pessoas estão a viver em condições “muito inseguras”, não só por causa das bombas e das balas, mas também por causa da crise humanitária no terreno, sendo as crianças, as grávidas e as mulheres que acabaram da dar à luz os casos mais “assustadores”.

“As crianças não estão a receber alimentos suficientes para comer. Quase não têm acesso a água potável. Vivem ao frio, debaixo de lonas de plástico. Conheci crianças que não tinham sapatos nem casacos, num período que é agora o mês de inverno”, explicou.

“Muitas crianças estão exaustas. Têm fome, estão traumatizadas com o que viram e estão doentes porque estão a beber água contaminada, não estão vestidas adequadamente, estão expostas aos elementos e a viver muitas vezes em espaços muito lotados onde é muito fácil a propagação de doenças. Não há lugar para uma criança e não há lugar seguro na Faixa de Gaza para onde estas crianças possam ir”, prosseguiu.

Para as mães grávidas e os seus bebés recém-nascidos, referiu Ingram, “tudo se torna particularmente assustador”, uma vez que trazer uma nova vida ao mundo “é suposto ser um momento de alegria, mas para estas famílias é um momento de medo”.

“Conheci uma mulher que tinha ficado enterrada debaixo dos escombros enquanto estava grávida. Conheci outra cujo marido tinha ficado soterrado debaixo dos escombros. Conheci outra ainda que me disse que não comeu durante duas semanas inteiras da sua gravidez porque não conseguiu arranjar comida suficiente para partilhar com a família”, continuou.

Segundo a porta-voz da UNICEF, o mesmo acontece quando se trata de dar à luz, uma vez que as condições nos hospitais “não são boas”, pois estão sobrelotados, há falta de pessoal para responder às necessidades das mulheres e faltam recursos médicos.

“Não há medicamentos suficientes, não há camas suficientes. Por isso, as mulheres têm medo do que possa acontecer quando chegar a altura de dar à luz. Quando o bebé nasce, há o desafio adicional de ter de sair rapidamente do hospital porque há uma grande procura de recursos no hospital. E levar um recém-nascido para casa, que não é a casa a que estamos habituados, mas uma tenda na rua onde podemos não ter roupa, leite ou cobertores para esse bebé”, acrescentou.

Ingram, na UNICEF há três anos, disse à Lusa ter visitado o hospital dos Emirados, em Rafah (próximo da fronteira com o Egito), uma das principais maternidades que ainda existem na Faixa de Gaza, e o de Nassau, em Khan Yunes (centro),

“O número de mortos atingiu os milhares. Sabemos que milhares de crianças foram mortas e outras milhares ficaram feridas. Há meses que apelamos a um cessar-fogo humanitário imediato e duradouro para tentar pôr termo a este número crescente de mortos e feridos, bem como à destruição de infraestruturas civis importantes, como escolas e hospitais”, lamentou.

Para a porta-voz da UNICEF, há uma “enorme necessidade” de bens básicos para se poder sobreviver, que tanto pode tratar-se de cobertores e abrigos, de água potável e medicamentos, de produtos nutricionais, de ‘kits’ de higiene “para tentar manter alguma sensação de saneamento nos locais onde as pessoas vivem”.

“Neste momento, estamos a lutar para trazer essa ajuda para distribuir por toda a Faixa de Gaza, algo que é difícil devido às interrupções nas telecomunicações, à falta de camiões e de combustível, aos danos nas estradas e ao incrível perigo para nós e para as pessoas que servimos devido às hostilidades em curso”, descreveu.

Para Ingram, um cessar-fogo a curto prazo poderia trazer um “breve alívio” às crianças de Gaza, mas o que é necessário é um cessar-fogo duradouro.

“Em primeiro lugar, as crianças de Gaza e de Israel precisam de paz. Isto tem de acabar. Em segundo lugar, as agências de ajuda humanitária, como a UNICEF, precisam de tempo e de espaço para levar a ajuda necessária para apoiar e proteger a população da Faixa de Gaza”, concluiu.